Escritor multifacetado que gabava-se de reescrever pouco e não saber o que era bloqueio criativo, prolífico articulista de esquerda que nunca se prendeu a dogmatismos partidários, cidadão do mundo de modos aristocráticos, professor universitário e “elegante intelectual público”, segundo o obituário do “New York Times”, Carlos Fuentes morreu ontem deixando uma obra vasta mas, tudo indica, menor que seu papel histórico como agitador do chamado boom latino-americano. Profundamente identificado com a cultura mexicana, embora nascido no Panamá, Fuentes foi o primeiro dos autores do boom – que nos anos 1960 e 1970 conquistou leitores nos quatro cantos do mundo para a literatura do continente – a expressar como ensaísta, ainda nos anos 1960, autoconsciência sobre um movimento que tinha como combustível, em doses iguais, talento e marketing. Fez pelo arcabouço ideológico e pelo instinto gregário do realismo mágico o que a agente literária espanhola Carmen Balcells fazia por suas estratégias comerciais. Como costuma ocorrer com agitadores culturais, Fuentes não figura, porém, entre os nomes de maior potência artística do movimento. O colombiano Gabriel García Márquez, que ainda não se pronunciou sobre sua morte, e o peruano Mario Vargas Llosa – que o fez ontem no calor da hora, ainda que…
“Querido, vê se me esquece, prefiro ir pra cama com Gabriel García Márquez!” Da curta mas seminal série Pop Literário, que de vez em quando aparece aqui às sextas-feiras, uma pérola de 1993 da banda folk canadense Moxy Früvous, chamada My baby loves a bunch of authors. Tão divertida que me fez perdoar a baixíssima qualidade do vídeo. Bom fim de semana a todos. httpv://www.youtube.com/watch?v=J9F_XHb81N0
Na manhã em que a última filha dos Lisbon decidiu-se também pelo suicídio – foi Mary dessa vez, e soníferos, como Thereza –, os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficavam a gaveta das facas, o forno, e a viga no porão à qual era possível atar uma corda. Não se pode dizer que o início da novela “Virgens suicidas”, de Jeffrey Eugenides (na ótima tradução de Marina Colasanti), deva sua estranha beleza ao fato de abrir com esse prosaico “na manhã em que…”, que chega a lembrar o clichê “era uma vez” dos contos de fadas. No entanto, ao escorar tão firmemente no tempo a história, o autor lhe confere densidade e verossimilhança. Um crítico mais intolerante com as artimanhas dos narradores poderia argumentar justamente o contrário: que estamos diante de um ponto fraco do texto, uma concessão à banalidade e ao lugar-comum. Foi o que fez Paul Valéry em sua famosa diatribe contra o romance, ao se dizer incapaz de escrever uma frase tão prosaica quanto “A marquesa saiu às cinco horas”. Bobagem. A tal frase só será banal se a marquesa se mostrar uma personagem bidimensional ou desinteressante – o resto é preconceito contra a…
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, anunciado agora há pouco pela Academia Sueca como vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2010, é um dos nomes mais incontestáveis a receber a honraria em muitos anos. Um dos mais destacados representantes da geração do chamado “boom latino-americano” dos anos 1960-70, Vargas Llosa, 74 anos, nascido em Arequipa, mora hoje em Nova York e leciona na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. É autor de diversos romances que combinam sucesso de público com o respeito da crítica, como “A cidade e os cachorros”, “Conversa na catedral”, “A guerra do fim do mundo” (sobre Canudos), “Tia Julia e o escrevinhador”, “Pantaleão e as visitadoras” e “Travessuras da menina má”. Seu próximo romance, “O sonho do celta”, será lançado em breve. A obra de Vargas Llosa vem sendo relançada no Brasil pela Alfaguara e uma coletânea de artigos e ensaios, “Sabres e utopias”, acaba de sair por aqui aqui pela editora Objetiva, do mesmo grupo. Nos ensaios literários deste livro, Vargas Llosa enfoca nomes como Jorge Luis Borges, Cabrera Infante e Jorge Amado, classificado por ele como o único escritor a merecer ir para o céu. Sua militância latino-americanista fica evidente, mas a literatura…
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. O começo de “Cem anos de solidão”, romance lançado em 1967 por Gabriel García Márquez (Record, tradução de Eliane Zagury), é um dos maiores clássicos do gênero, sobretudo na preferência do leitor comum. Presença obrigatória em listas de aberturas romanescas memoráveis, vale a pena examinar mais de perto o mecanismo que o torna tão eficaz: a superposição de tempos narrativos. García Márquez demarca com brevidade impressionante dois momentos de ação, separados por “muitos anos”, e em cada um deles pendura um anzol que o leitor dificilmente deixará de morder. O primeiro traz uma isca política ou mundana: quais foram os motivos e o desfecho do tal fuzilamento? O segundo abre uma dimensão poética de formação, situando numa “tarde remota” a transmissão entre pai e filho de um saber sobre a natureza. Sem forçar barra nenhuma, pode-se imaginar até um terceiro anzol em que a isca é a curiosidade de saber como histórias tão díspares vão se combinar. E tudo isso em duas linhas. Além de enredar o leitor em mais de uma…
E a Flip teve sua primeira mesa propriamente flípica. Ao fim da entrevista concedida por Salman Rushdie ao jornalista Silio Boccanera, agora há pouco, o público que lotou a Tenda dos Autores estava cheio de sorrisos. Ali estava, enfim, um peso-pesado da literatura mundial, o homem que ganhou recentemente o Booker dos Bookers por seu livro de estreia, “Os filhos da meia-noite”. Ali estava também um personagem político importante (ainda que à sua revelia), no cenário da relação conflituosa entre o Islã e o Ocidente. E ali estava ainda um pai fazendo o lançamento mundial do livro infanto-juvenil que escreveu para seu filho mais novo, “Luka e o fogo da vida”, com direito a uma breve – e constrangida, mas certamente terna – presença do filho no palco. Resultado: um show redondo, do tipo que faz o público correr para os restaurantes com a cabeça excitada e o coração aquecido. No contexto da Flip, não dá para ser melhor que isso. Rushdie falou do livro que está escrevendo sobre o período em que esteve ameaçado de morte pela fatwa, criticou pesadamente o filme “Quem quer ser um milionário” e não se aborreceu sequer quando, lendo a última pergunta enviada por…