Primeiro livro do autor português de origem angolana Valter Hugo Mãe a ser lançado no Brasil, “o remorso de baltazar serapião” (editora 34, R$ 37,00) é um romance cercado de atributos que podem despertar a desconfiança do leitor. Certamente despertaram a minha: regionalismo, tiradas próximas do realismo mágico, linguagem de sabor arcaico e sintaxe peculiar sugerindo intenções rosianas, abolição das maiúsculas como uma espécie de bandeira (velhusca) de modernidade… Hmm, sei. Ao fim da leitura, todos esses preconceitos estavam avacalhados (o adjetivo é escolhido a dedo) e reduzidos ao que são: preconceitos, só. Mais uma prova de que não há no mundo da literatura nenhum estilo, tema, vereda, recurso, expediente, truque, absolutamente nada que se possa excluir de antemão do campo da novidade artística. Estranho e memorável, o livro de Mãe tira sua força justamente do fato de trilhar caminhos perigosos. Está menos para Guimarães Rosa do que para Raduan Nassar em sua fusão de linguagem e história num magma violento de pulsões quase pré-humanas, no marco zero do humano. Seu tempo pode ser situado tanto na Idade Média – uma Idade Média “cravada no coração da letra”, nas belas palavras da crítica brasileira Claudia Nina – quanto, como em…
Num bom momento da Flip, Salman Rushdie disse que Jorge Luis Borges foi uma “má influência” em sua juventude. Apaixonado por “Ficções”, passou a tentar escrever daquele jeito, embora sua “inclinação natural como escritor não fosse borgiana”. Deu trabalho, segundo ele, aprender a não escrever como Borges. O Todoprosa aproveitou a deixa para perguntar por e-mail a dez escritores brasileiros quais foram suas “más influências”: MILTON HATOUM, autor de “A cidade ilhada”: “Acho que a obra de J.L. Borges influenciou várias gerações de escritores. Lembro que na década de 70 eu também imitava Borges. Mas joguei fora esse péssimo plágio deliberado. No começo de sua carreira, todo escritor imita seus antecessores. A imitação faz parte do processo de aprendizagem de qualquer atividade humana. Borges dizia que imitava Macedonio Fernandez ‘até plagiá-lo’. Os contos de ‘História universal da infâmia’ devem muito às narrativas do francês Marcel Schwob (‘Vidas imaginárias’ e ‘A cruzada das crianças’). Acho que Salman Rushdie é um escritor marqueziano. Certa vez ele me disse que adora a obra de García Márquez. Este, por sua vez, já afirmou que lia Borges para aprender a escrever. Na infinita biblioteca do universo, todos podem ser influenciados por todos, mas um bom…