É possível fazer literatura de qualidade no Twitter? Essa pergunta, que tem andado no ar há alguns anos, não teve até agora (terá um dia?) melhor resposta do que a que a escritora americana Jennifer Egan – autora do notável “A visita cruel do tempo”, resenhado aqui – deu em maio deste ano ao publicar no perfil da revista “The New Yorker” uma história de espionagem em forma de flood de tweets chamada Black box. Quem ainda não leu pode acessar o conjunto inteiro (em inglês) no site da revista. Ou acompanhar a tradução, “Caixa preta”, que a editora Intrínseca publicará a partir desta segunda-feira, dia 20, até o dia 30, sempre das 22h às 23h, em sua conta no Twitter (@intrinseca). Ao fim desse prazo, a narrativa completa será lançada como e-book. A iniciativa é oportuna: uma “Caixa preta” basta para redimir quaisquer “Cinquenta (ou até mais) tons de cinza”. Na Flip deste ano, em que dividiu uma mesa com Egan, o escritor inglês Ian McEwan não mediu elogios a Black box: “É uma das melhores coisas que leio em anos”. Os espectadores que não conheciam o texto podem ter pensado que o autor de “Serena” estava apenas exercitando…
Não é uma crítica à sua capacidade de envolver o leitor nos dramas dos personagens – capacidade incontestável, diga-se logo – reconhecer que, pelo menos para quem escreve, o domínio técnico é o que mais chama a atenção em “A visita cruel do tempo”, da escritora americana Jennifer Egan (Intrínseca, tradução de Fernanda Abreu, 336 páginas, R$ 29,90). É preciso ser um monstro para manter tensionada de forma tão impecável a corda de um romance – ou coleção de contos interligados, impossível decidir – em que cada segmento é narrado por uma voz mais virtuosística que a outra, avançando e recuando na cronologia para cobrir cinco décadas e tendo como sombrio motivo de fundo uma reflexão sobre os estragos provocados pela truculenta passagem do tempo na vida dos personagens e da própria cultura americana, que adquire aqui os tons crepusculares de um império que se sabe decadente. Seria um erro tentar resumir a intrincada trama de “A visita cruel do tempo” numa resenha, mas convém situar os marcos temporais que estão em suas extremidades. O mais recuado fica nos anos 1970 em que o quarentão Lou, produtor musical de sucesso, cheirador e sedutor de menininhas, aparece ao longo de dois…
Não é fácil a vida de um humorista – ou de um escritor com inclinação satírica, o que no caso dá no mesmo – no país da piada pronta. Em janeiro deste ano, impressionado com o número de lançamentos internacionais surgidos na esteira do arrasa-quarteirão “Orgulho e preconceito e zumbis” (aqui lançado em março pela Intrínseca), que enxerta mortos-vivos no clássico de Jane Austen, fiz um post no Todoprosa jogando algumas ideias para autores e editores brasileiros que quisessem vampirizar esse escracho do mashup, coisas como “Dom Casmurro na máquina do tempo” e “Grande sertão: aliens”. E perguntei: “Quando será que o Brasil, sempre atrasadinho, vai pular no bonde dessa vibrante forma de vanguarda literária?” A resposta teve que esperar apenas oito meses – menos que uma gestação completa. A editora Leya está lançando este mês, pelo selo Lua de Papel, quatro títulos claramente inspirados nessa tendência: “Dom Casmurro e os discos voadores”, “O alienista caçador de mutantes”, “Senhora, a bruxa” e “Escrava Isaura e o vampiro” (sei não, mas minhas sugestões pareciam melhores). A Leya leva seu lote ao mercado depois da Tarja Editorial, que atua no nicho fantástico e tem nas prateleiras “Memórias desmortas de Brás Cubas”, mas…