Um bom indicador de como anda confuso o mundo dos livros é o título de um artigo publicado ontem no “Guardian” por Patrick Kingsley (o rapaz da foto ao lado): “Será este novo livro o matador de Kindle?” Primeiro fator de estranhamento: esse epíteto forçado, “matador de Kindle”, não era reservado até outro dia mesmo ao iPad? Era. Aparentemente, a despeito de todo o seu sucesso comercial, o aparelho da Apple não fez jus a ele. O segundo susto vem ao se constatar que o poderoso objeto para o qual se tenta transferir agora tamanha esperança assassina é só um livrinho de papel – este mesmo que aparece na foto, nas mãos de Kingsley. Chamado flipback book e apresentado como “uma sensação na Holanda, onde já vendeu um milhão de cópias”, o livrinho chegará em breve a outros países europeus. Como o nome diz, “abre para trás”, como certos tipos de caderneta de anotações. Além disso, tudo o que o torna diferente tem a ver com portabilidade e manuseio: é menor que um livro de bolso, tem miolo de papel-bíblia e uma encadernação que facilita a leitura sem o uso das mãos: aberto em determinado ponto, o livro permanece assim…
Um interessante artigo de Lance Ulanov na PCMag.com, intitulado “Kindle x iPad: uma falsa escolha”, informa que os últimos números de venda dos dois aparelhos já permitem afirmar que o pessoal estava errado ao saudar o lançamento da Apple como “exterminador de Kindle”: ambos vão muito bem, obrigado. Ulanov, que tem os dois, considera isso apenas natural: Faço coisas muito diferentes com eles. Me pedir que escolha um é como me pedir que escolha entre meu carro e minha HDTV. O fato de tanto o carro quanto a TV serem capazes de tocar música não quer dizer que eu deva começar a tentar dirigir minha HDTV, ou me sentar diante do carro à espera do próximo episódio de ‘Mad Men’. Seria obviamente uma escolha absurda, tão falsa quanto a de optar entre o Kindle e o iPad, e quanto antes pararmos de pedir às pessoas que a façam, melhor. O argumento central do artigo é que o iPad, maravilha tecnológica sob tantos aspectos, leva uma surra da engenhoca da Amazon num quesito crucial: como leitor de livro, ou leitor-leitor de livro-livro, como talvez devêssemos dizer. É o mesmo ponto de vista que eu defendi aqui em janeiro, assim que o…
Mais um sensacional capítulo da série “Como a tecnologia vai transformar nossos cérebros em esponja de lavar louça”: uma reportagem do “Wall Street Journal” (em inglês, acesso gratuito) cita pesquisas científicas que apontam o papel fundamental desempenhado pela velha escrita à mão no desenvolvimento do cérebro. “A prática ajuda no aprendizado de letras e formas, pode aprimorar a composição e a expressão de ideias e até auxiliar no ajuste fino de habilidades motoras”, diz o texto, acrescentando que escrever à mão também pode ser um bom exercício para manter o cérebro ativo na velhice. O texto não chega a entrar nessa área, mas não pude deixar de imaginar desdobramentos literários interessantes. Será que os poetas, que na maior parte dos casos tendem a usar lápis ou caneta, se saem melhor no quesito “composição e expressão de ideias” do que os prosadores, já rendidos majoritariamente ao teclado? De uma forma ou de outra, a mensagem é clara: apocalipse à vista, certo? Não é bem assim. Ocorre que a própria tecnologia pode nos salvar, oba! Como já disse David Foster Wallace em um de seus brilhantes ensaios sobre a cultura americana, a tecnologia que cria o problema é a mesma que acaba…