O começo metalinguístico tem um caráter tão lúdico, tão brincalhão, que pode ser uma tentação irresistível para escritores em busca de uma isca suculenta para abanar diante do leitor arisco. Recomenda-se cuidado. O recurso de falar do livro que está sendo lido/escrito, isto é, de usar a linguagem para falar da própria linguagem (metalinguagem é isso), tem sido vítima de tantos abusos em nossos tempos pós-modernos que o efeito pode ser contrário ao pretendido. Não que o recurso seja novo. No Brasil, Machado de Assis já o empregava com propriedade no início de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, publicado na “Revista Brasileira” em 1880, dando uma pista da extravagância que estava por vir: Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Em chave cômica mais contida, Graciliano Ramos fez algo semelhante na abertura de “São Bernardo”, de 1934: Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade…