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Entre Narciso e o suicídio, a literatura balança
Vida literária / 30/03/2012

A literatura é hoje um campo que se questiona de modo histérico, com resultados entre o suicida e o narcísico. O discurso literário parece sentir, de alguma forma, que perdeu o direito à existência. O que quer que o justificasse perante si mesmo não o justifica mais. Entre as atitudes que o discurso literário toma diante disso, destaco duas que me parecem especialmente significativas: deitar no caixão e declarar-se morto, como um personagem de Nelson Rodrigues, procedendo então à auto-autópsia; ou, feito uma drag queen de quermesse, se montar inteiro com maquiagem, bijuterias, próteses, piscando muito para o espelho e dizendo: “Eu existo, ói eu ali”. (Seria interessante – mas foge aos propósitos deste artigo, para não falar da minha competência – investigar o que haverá de analogia estrutural e especularidade simbólica entre duas crises culturais contemporâneas, a “do macho” e a da literatura de ficção.) A verdade é que, além daqueles que a fazem e da pequena seita que a consome sistematicamente, ninguém no mundo de 2012 está prestando lá uma terrível atenção à ficcão literária, como diriam em inglês – literatura artisticamente ambiciosa, digo eu. A ficção comercial vai bem, mas o público da ficção dita séria míngua…

A ‘literatura expandida’ do novo Harry Potter e outros links
Pelo mundo / 20/06/2011

O “novo projeto” de J.K. Rowling não é mais um livro protagonizado por Harry Potter, diz a versão oficial, mas isso não impede a autora de continuar fazendo mágica. Venha o que vier, uma coisa parece certa: será mais uma aula sobre como usar os recursos do mundo digital para manter vivo e vendável um mundo ficcional. Num momento em que tanto se fala de “literatura expandida”, convém prestar atenção. O site pottermore.com, que entrou no ar na semana passada, consiste por enquanto apenas de uma página ilustrada por duas corujas, em que se vê a assinatura da autora sob um aviso: “Em breve”. Isso foi o suficiente para deflagrar um surto de histeria (notícia aqui de VEJA.com) entre os milhões de fãs de Harry Potter. Seria um jogo online? Uma enciclopédia sobre o “mundo potteriano”? Apenas uma ferramenta de promoção do último filme da série, “Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 2”, que estreia mês que vem? Os boatos de que se trataria de um novo livro foram desmentidos por um porta-voz da autora, mas persistem – o que é compreensível, se for levado em conta que Rowling já admitiu dar prosseguimento à série e que…

Flip, cada um faz a sua
Vida literária / 30/07/2010

Se você está indo à Flip pela primeira vez, talvez não saiba que quando ela nasceu, em 2003, a graça era sentar no banco da praça ao lado do Julian Barnes e puxar um papo de papagaio. Eu não estava lá, o que até hoje lamento de modo amargo. Contam que a caipirinha de Maria Izabel jorrava em fontes, as pousadas estavam repletas de vagas e as plateias contavam-se em dezenas, todo mundo confortavelmente abrigado na intimidade de um auditório de província. Era grande a lista do que ainda não existia: megatendas, setecentos programas paralelos, restaurantes lotados, multidões serpenteando pelas vielas noite adentro atrás de uma mítica Festa Perfeita, gente à beça que nunca leu nem Paulo Coelho em busca de alguma forma de diversão. Parati era pacata como sempre tinha sido, aquelas pedras inacreditáveis tentando torcer seu tornozelo a cada dois passos, mas de repente você podia topar, sei lá, com um coroa americano tentando vender uma bola de beisebol usada e você olhar e o cara ser o Don DeLillo, mas ele estava pedindo alto demais pela bola de beisebol e você seguia em frente – gringo metido a esperto. Naquela primeira Flip, tão pré-historicamente romântica que até…

Por que não gostei do ‘Verão’ de Coetzee
Resenha / 07/07/2010

Acabo de confirmar no Google minha impressão inicial de que “Verão” (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira, 280 páginas, R$ 44,50), o mais recente romance do escritor sul-africano J.M. Coetzee, foi um sucesso praticamente unânime de crítica, primeiro no exterior e depois no Brasil. Não faltou sequer o qualificativo de obra-prima para esse estranho livro de memórias ficcionais, o terceiro da trilogia “Cenas da vida na província” (após “Infância” e “Juventude”). Dedicado ao início da maturidade do autor, nele um biógrafo chamado Vincent conduz entrevistas com pessoas que conheceram o “falecido” escritor sul-africano John Coetzee – quatro mulheres e um homem que, de modo geral e discordâncias pontuais à parte, montam um painel desolador do sujeito, retratado como frio, retraído, fisicamente desagradável, socialmente covarde e sexualmente patético. Terreno movediço, como se vê. O que é verdade, o que é ficção? E isso importa? Acho boa a premissa do livro, e o pós-modernismo ululante que poderia afastar certo tipo de leitor não me incomoda – pelo contrário, tendo a ser tolerante com jogos de espelho, fundos falsos, narradores pouco confiáveis e as camadas de ironia que se depositam nesses ambientes. O problema, como sempre, é que premissas só contam…