O homem que defendeu a miscigenação brasileira, dando a ela um valor positivo, foi também o homem que elogiou Salazar, ditador que impôs um regime autoritário de mais de 30 anos a Portugal. Essa e outras controvérsias foram relembradas na mesa “Além da casa grande”, que reuniu, na Flip, o africanista Alberto da Costa e Silva, a historiadora Maria Lucia Burke e socióloga Angela Alonso, sob a mediação da antropóloga Lilia Schwarcz. “Freyre parecia ter uma visão romantizada da abolição da escravatura, como se ela tivesse ocorrido sem conflito social nenhum”, disse Angela Alonso. Para justificar a admiração de Freyre por Salazar, Costa e Silva disse que o ditador português sabia conquistar os intelectuais pela vaidade: ele se preparava, lendo a respeito da produção de um pensador, antes de se encontrar com ele. A conversa também foi temperada por menções ao estilo único de Freyre, que escrevia como um romancista e pesquisava como um bisbilhoteiro, nas palavras do próprio. “Ele enumera imagens para transmitir ao leitor a sensação da mudança da sociedade colonial para a moderna, no Brasil. Entram aí receita de bolo, jazigos, anúncio de chapéu, anúncio de dente de ouro, modinhas”, afirmou Angela. “É o que ele chama…
A ideia de dividir a participação do historiador Robert Darnton na Flip em duas – nas mesas “O livro: capítulo 1”, ontem à noite, e “O livro: capítulo 2”, hoje de manhã – parecia boa, não só como forma de organizar a grande massa de informação trazida pelo convidado mas também como espelho de uma linha histórica que a presente revolução tecnológica quebra inevitavelmente em pré e pós: a primeira conversa foi dedicada à história do velho códex, o livro de papel, e a segunda voltada para os desafios impostos pela cultura digital. Bem, funcionou exatamente assim. O único problema é que os espectadores podem ter saído com a impressão de que o tempo do livro de papel era uma chatice e que toda a diversão vai começar agora, tal foi a disparidade de temperatura entre a primeira mesa, uma conversa de ares acadêmicos mediada pela historiadora Lilia Schwarcz, e a segunda, uma entrevista conduzida pela jornalista Cristiane Costa. Diretor da Biblioteca de Harvard e pesquisador especializado no Iluminismo francês, Darnton teve ontem à noite a companhia de outro historiador dedicado à investigação da leitura, Peter Burke. Não por acaso, os dois estavam loucos por fazer pontes entre o passado…