Aproveito o centenário de Nelson Rodrigues, que se comemora amanhã, para reconhecer publicamente uma dívida pessoal e dar uma dica: talvez não haja lição mais importante que os escritores brasileiros do século 21 possam tirar da obra de um dos maiores escritores brasileiros do século 20 do que o difícil aprendizado do diálogo. Falo de uma questão de forma. Isso não significa minimizar o famoso conteúdo rodriguiano, esse impressionante universo de tipos caricaturais da baixa classe média carioca às voltas com tramas folhetinescas de amor e morte, infidelidade e incesto, numa atmosfera farsesca em que pulsões primitivas estão sempre prontas a furar o verniz da civilização e vir à tona com uma ferocidade equilibrada entre o trágico e o cômico. Evidentemente, é o alcance cultural desse universo que torna Nelson um monstro, um daqueles raros autores sem os quais o país não seria o que é. Mas disso não falta quem esteja falando. Quando me refiro ao diálogo, falo de uma técnica que permite a dois ou mais personagens trocarem blocos de discurso direto no meio de uma narrativa sem que soem como bonecos de ventríloquo do autor ou como oradores na tribuna da Câmara dos Deputados. Alguns escritores se…
“Meu nome é Moacyr Scliar, eu sou de Porto Alegre…”. Assim começa um depoimento autobiográfico de fôlego (42 minutos) disponível no site da editora gaúcha L&PM, gravado em vídeo menos de um ano atrás. * “Qualquer um que seja honesto consigo mesmo sabe que a internet deixou de ser um grande lugar para consumidores de cultura um ou dois anos atrás. Nos dias de hoje, você pensa que está lendo a rede, mas a rede é que está lendo você – reunindo informações sobre você, tentando lhe vender coisas, empurrando-o para outros links. Na internet, ler é comprar. E às vocês você não quer comprar.” Virginia Heffernan, na revista dominical do “New York Times”, desanca a internet aberta para exaltar os e-readers. Exagero, provavelmente, mas com um fundo de verdade. * A resenha tem muito de anticlímax, assim como a ausência (até agora) de comentários, mas o fato é que começou hoje a nova edição da Copa de Literatura Brasileira.
Moacyr Scliar, um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, morreu à 1h desta madrugada, aos 73 anos, em Porto Alegre, cidade onde nasceu e viveu por toda a vida. Ele estava internado numa unidade de tratamento intensivo do Hospital de Clínicas da capital gaúcha desde 17 de janeiro, após sofrer um acidente vascular cerebral quando se recuperava de uma cirurgia no intestino. Médico sanitarista, gaúcho e judeu – seus pais chegaram ao Brasil fugindo de perseguições na Rússia –, Scliar construiu desde sua estreia na literatura, em 1962, com “Histórias de um médico em formação”, uma obra vasta e premiada que reflete sobre essas facetas de sua identidade. Ao longo de oito dezenas de títulos, entre a narrativa e o ensaio, firmou um estilo em que a erudição se alia ao humor, com toques de fantástico. Foi também um prolífico autor de literatura infanto-juvenil. Entre seus livros de maior projeção internacional estão “O centauro no jardim”, “Exército de um homem só”, “A estranha nação de Rafael Mendes” e “Max e os felinos” – este, sobretudo devido à polêmica com o canadense Yann Martel, que, após ser acusado de plágio, admitiu ter se “inspirado” em seu ponto de partida narrativo (um…
Personagem central da 8.ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o pernambucano Gilberto Freyre voltou a receber críticas no evento, durante a primeira mesa de discussão, que contou com os professores universitários Edson Nery da Fonseca e Ricardo Benzaquen e o escritor Moacyr Scliar, hoje de manhã. As palmadas iniciais vieram do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que na conferência de abertura da festa, como sempre fez, não poupou adversativas ao antropólogo. “Eu não fico entusiasmado com o romance de Freyre”, disse Scliar, se referindo a “Dona Sinhá e o filho padre”. “A grande contribuição dele está em outra área, em livros como ‘Casa grande & senzala’.” O escritor afirmou, no entanto, que o estilo do pensador pernambucano tem sotaque literário. “Seu texto está muito mais para a literatura do que para a ciência.” O também pernambucano Edson Nery concordou com Scliar. Freyre, disse ele, evitava ao máximo usar termos científicos em seus textos, e preferia até palavras chulas a eles. “Ele dizia que havia contextos em que a palavra chula como que se impunha..” Reconhecidamente um admirador de Freyre, o professor da Universidade de Brasília (UnB) lembrou que “Dona Sinhá” foi bem recebido pela crítica nos Estados Unidos…