Na resenha do livro “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (The shallows), segunda-feira, faltou falar justamente do que está no foco do Todoprosa: livros, e dentro dos livros a literatura, e dentro da literatura a prosa de ficção. Como ficam essas coisas arcanas, o texto enquanto arte e tal, no mundo colorido, afogado em informação, compulsivo e desatento que Nicholas Carr vê na internet? Um mundo em que todos os textos – e não só os feitos de palavras – viram “conteúdo” indexado, imediatamente acessível na forma de excertos, caquinhos interligados de modos imprevisíveis, tão descontextualizados quanto certo microfragmento triangular de louça cartaginesa azul num caleidoscópio que tende ao infinito. A literatura não é abordada diretamente em “A geração superficial”. Não é este seu foco. Uma exceção é o capítulo em que seu autor discorre sobre o Google Book Search (mas aí está falando mais de mercado editorial, política cultural e biblioteconomia que de literatura). A outra é o momento em que ele fulmina o triunfalismo digital anencefálico de um articulista que nega todo valor à leitura de “Guerra e paz”, um romance que estaríamos na obrigação histórica de finalmente admitir ser uma…
“A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital. O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado “O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz, horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de extinção. Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue manter no ar todos esses malabares sem perder a atenção do leitor – isto é, daquele leitor que ainda for capaz de prestar atenção em um texto com mais de cinco linhas. Carr não é um luddita, um reacionário….