Descubro sem surpresa, mas com algum pesar, que já existe alguém na internet declarando seu ódio a máquinas de escrever como peças de decoração moderninha – um tumblr dedicado à trollagem dos modismos do design chamado, significativamente, Fuck Your Noguchi Coffee Table. Não, é claro que isso não quer dizer muito. Tente imaginar qualquer coisa no universo que não mereça declarações de ódio em algum lugar da internet e você se verá em apuros. Mas achei curioso, porque não fazia ideia disso e nunca vi nada parecido nas casas que frequento, descobrir que uma paixão que alimento há anos vai, em alguma parte do mundo, entrando no terreno do clichê. Há dois anos e meio, quando rolou a notícia de que Cormac McCarthy estava leiloando sua velha Olivetti, saí do armário aqui no blog como amante e pequeno colecionador de máquinas de escrever. Na verdade, tenho só três peças, todas de valor afetivo, que na época apresentei assim: Tenho em casa um modesto museu da máquina de escrever. Além da portátil Hermes 2000 que já comprei velhinha nos anos 1980, num antiquário, mas ainda cheguei a usar, conservo a pesada Remington que herdei de meu pai, na qual batuquei meus…
“Como reagirão os escritores policiais da Noruega ao massacre de Utoya?”, perguntava ontem um tweet do jornal inglês “Observer”, dando um endereço que conduzia a um artigo de Brian Oliver, intitulado “Quando escritores são confrontados por um trauma nacional” (em inglês, acesso gratuito). Resposta possível: “Não reagirão. Escritores policiais não têm que reagir a tal coisa. Basta que reajam os policiais”. Mas o artigo não é tolo, embora também não seja profundo. Faz um rápido apanhado do bom momento vivido pela literatura policial nos países escandinavos e sustenta a tese de que, na cultura nórdica, a ficção retém um lugar privilegiado de arena de debates públicos que está praticamente esquecido no resto do Ocidente. Ao contrário do que sugere o tom ligeiramente ridículo do tweet que gerou, o texto de Oliver não força a barra de uma ligação direta entre o que explode nas manchetes e o que vai parar nas páginas dos romances. Ainda bem. A não ser em casos de subliteratura, essa ligação não costuma ter nada de direta, simples ou urgente. Uma excelente reflexão sobre o tema, a partir de um “trauma nacional” incomparavelmente mais devastador que o da Noruega, encontra-se no livro “Guerra aérea e literatura”,…
Os dois maiores escritores do meu tempo são Ernest Hemingway e JD Salinger. Ambos cruzaram a fronteira entre o século 20 e o 21 com sua originalidade, sua substância e seu poder de permanência intactos. Como repórter e como amiga – com o privilégio de brincar na sua área – foi excitante observar em primeira mão o gênio único dos dois escritores revelar-se de forma cada vez mais nítida com o passar dos anos. Ambos tinham um senso de humor muito particular – surpreendente, inimitável, em conversas, em cartas e em seu trabalho. Salinger me mantinha ao telefone por horas, morrendo de rir, falando de tudo e de todos à nossa volta. Ele adorava ler e adorava escrever. Hemingway costumava dizer que amava a parte de escrever, “mas não o que vinha depois”. O que veio depois para ele foram anos de inexplicável censura por ter tido a coragem e o gênio de nos dar prazer e iluminação duradouros na leitura. Nunca entendi a parte do “depois”, nem no caso de Hemingway nem no de Salinger. Temos visto tentativas deprimentes de derrubar Salinger também. Salinger amava as pessoas que criava e as protegeu até a sua morte. Ele nos deu…