No centenário de Jorge Amado, comemorado hoje, a digestão do legado do escritor baiano ainda está longe de se completar. De um lado, sua obra de inédita popularidade sofreu uma espécie de canonização, com muito de kitsch como qualquer canonização. Basta ver o Bataclan ridiculamente luxuoso da nova adaptação de “Gabriela” na TV Globo: faz o Moulin Rouge parecer um bordel de província, como se as prostitutas de Ilhéus na época de ouro do cacau não fossem desdentadas, não tivessem pés cascudos, filhas destituídas da Idade Média brasileira que eram, e sim top models fazendo um bico para descolar uns trocados a mais. O outro lado da moeda é o da negação pura de Jorge Amado, que ainda é a postura dominante nos círculos literários – e não apenas acadêmicos, embora estes tenham exercido forte influência nesse sentido. Atropelado pela novidade dos estudos culturais em que desembocou o pensamento de esquerda no último quarto do século 20, Amado – que na primeira metade de sua carreira foi nosso escritor mais assumidamente político, “se não bispo ao menos monsenhor” do stalinismo, em suas próprias palavras – viu-se escalado no papel de porta-voz do patriarcalismo e do sexismo, como se fosse uma…