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O Twitter, quem diria, pariu uma obra-prima: ‘Caixa preta’
Pelo mundo , Vida literária / 17/08/2012

É possível fazer literatura de qualidade no Twitter? Essa pergunta, que tem andado no ar há alguns anos, não teve até agora (terá um dia?) melhor resposta do que a que a escritora americana Jennifer Egan – autora do notável “A visita cruel do tempo”, resenhado aqui – deu em maio deste ano ao publicar no perfil da revista “The New Yorker” uma história de espionagem em forma de flood de tweets chamada Black box. Quem ainda não leu pode acessar o conjunto inteiro (em inglês) no site da revista. Ou acompanhar a tradução, “Caixa preta”, que a editora Intrínseca publicará a partir desta segunda-feira, dia 20, até o dia 30, sempre das 22h às 23h, em sua conta no Twitter (@intrinseca). Ao fim desse prazo, a narrativa completa será lançada como e-book. A iniciativa é oportuna: uma “Caixa preta” basta para redimir quaisquer “Cinquenta (ou até mais) tons de cinza”. Na Flip deste ano, em que dividiu uma mesa com Egan, o escritor inglês Ian McEwan não mediu elogios a Black box: “É uma das melhores coisas que leio em anos”. Os espectadores que não conheciam o texto podem ter pensado que o autor de “Serena” estava apenas exercitando…

Jorge Amado: aos cem anos, a solidão?
Vida literária / 10/08/2012

No centenário de Jorge Amado, comemorado hoje, a digestão do legado do escritor baiano ainda está longe de se completar. De um lado, sua obra de inédita popularidade sofreu uma espécie de canonização, com muito de kitsch como qualquer canonização. Basta ver o Bataclan ridiculamente luxuoso da nova adaptação de “Gabriela” na TV Globo: faz o Moulin Rouge parecer um bordel de província, como se as prostitutas de Ilhéus na época de ouro do cacau não fossem desdentadas, não tivessem pés cascudos, filhas destituídas da Idade Média brasileira que eram, e sim top models fazendo um bico para descolar uns trocados a mais. O outro lado da moeda é o da negação pura de Jorge Amado, que ainda é a postura dominante nos círculos literários – e não apenas acadêmicos, embora estes tenham exercido forte influência nesse sentido. Atropelado pela novidade dos estudos culturais em que desembocou o pensamento de esquerda no último quarto do século 20, Amado – que na primeira metade de sua carreira foi nosso escritor mais assumidamente político, “se não bispo ao menos monsenhor” do stalinismo, em suas próprias palavras – viu-se escalado no papel de porta-voz do patriarcalismo e do sexismo, como se fosse uma…

J.K. Rowling para adultos pode ser policial. Magia migra?
Mercado , Pelo mundo / 24/02/2012

J.K. Rowling anunciou que está escrevendo um novo romance – e que desta vez é um livro adulto! Só isso. Nem tema, nem data aproximada de lançamento, nada. J.K. Rowling está escrevendo um livro, é adulto, ponto. Tão desmesurado é o poder da mãe de Harry Potter, há não mais de 15 anos uma pobretona aspirante às letras, que todos se agitam: o “Guardian” aposta num romance policial, livreiros soltam fogos, editores afiam as unhas – ela informou julgar natural que a “nova fase” de sua carreira ocorra noutras casas editoriais, o que evidentemente não deixou felizes suas parceiras de HP Bloomsbury no Reino Unido, Scholastic nos EUA, Rocco no Brasil e dezenas de outras pelo mundo. Como se sabe, a varinha mágica de Rowling foi turbinada pelo bônus de vender mais de 450 milhões de exemplares dos livros do bruxo adolescente de óculos, 11 milhões só nas primeiras 24 horas do lançamento americano de “Deathly hallows” (Relíquias da morte), o último da série, em 2007. Mas conseguirá sua mágica migrar com igual força para outro mundo, outra visão de mundo – ou o que quer que ela queira dizer com esse papo de literatura “adulta”, policial ou não? Não…

O dia em que a ‘New Yorker’ não falou da literatura brasileira
Vida literária / 15/11/2010

Há pouco mais de dois anos recebi em casa uma ligação incomum: do outro lado da linha, uma simpática repórter da “New Yorker” queria saber minha opinião sobre Paulo Coelho, que seria tema de uma longa reportagem naquela que considero a melhor revista do mundo. Animado pela vaidade de ter minha opinião requisitada pela “New Yorker”, ainda que sobre um tema pelo qual tenho reduzido interesse, falei longamente sobre nosso representante solitário no jet-set literário internacional. A conversa começou a degringolar quando a entrevistadora me perguntou por que, com seu enorme sucesso, PC não tinha franqueado as portas do mercado internacional para outros escritores brasileiros – por que, em suma, não contava com um mísero seguidor. – Ah, porque seu trabalho é algo à parte, mais relacionado com Carlos Castañeda ou Richard Bach do que com qualquer coisa feita aqui – respondi. – Não tem ligação absolutamente nenhuma com a tradição da literatura brasileira. Foi quando ouvi a pergunta singela, ofensiva, espantosa: – Mas a literatura brasileira tem uma tradição? Passado o choque que a arrogância imperialista sempre provoca, especialmente quando distraída, espontânea, simpaticíssima (“sua casa tem água encanada, jura?”), a entrevista virou um curso intensivo e meio atropelado de…

Literatura brasileira como (fraco) produto de exportação
Vida literária / 08/08/2010

O alemão Berthold Zilly, tradutor de Euclides da Cunha e Machado de Assis, e o americano Benjamin Moser, de recente sucesso com sua biografia de Clarice Lispector, chamada “Clarice,”, discutiram por que a literatura brasileira tem presença relativamente discreta no cenário internacional. O penúltimo encontro da Flip, numa Tenda dos Autores esvaziada pela debandada de domingo, foi simpático, com os dois falando um português mais que decente. E levou a uma conclusão de ululante obviedade: o Brasil investe muito pouco, em termos institucionais, na divulgação de sua literatura no exterior. Até chegar a esse lugar comum, entretanto, a conversa trilhou caminhos interessantes, que incluíram uma “defesa” de Paulo Coelho feita por Moser (o que lhe valeu um incompreensível princípio de vaia) e a informação, dada por Zilly, de que foi convidado – mas ainda não aceitou – a fazer uma nova tradução de “Grande sertão: veredas”. Abaixo, alguns trechos do debate: BERTHOLD ZILLY “Uma importante editora de Munique me pediu para fazer uma nova tradução do ‘Grande sertão: veredas’, mas ainda estou pensando se quero me enfurnar por dois ou três anos. É um tempo em que eu não poderia aceitar um convite como este da Flip, por exemplo.” “A…