Num artigo do escritor gaúcho Antonio Xerxenesky, encontro esta citação – que não conhecia – retirada de uma entrevista do chileno Roberto Bolaño, um dos grandes renovadores da prosa de ficção nos últimos vinte anos, morto em 2003. Bolaño esboçou uma instigante tese de fumaças marxistas sobre a quase total ausência de uma ficção de gênero no cenário da literatura latino-americana: o subdesenvolvimento não deixa. O que ele diz sobre o fantástico pode ser transposto sem dificuldade para a ficção científica, o policial, o terror e qualquer dessas províncias onde moram as obras “menores” que, embora passem nos últimos anos por uma efervescência inédita no Brasil, a chamada grande crítica costuma desprezar: Escritores que cultivaram o gênero fantástico, no sentido mais restrito do termo, temos muito poucos, para não dizer nenhum, entre outras coisas porque o subdesenvolvimento não permite a literatura de gênero. O subdesenvolvimento só permite a obra maior. A obra menor é, na paisagem monótona ou apocalíptica, um luxo inalcançável. Claro, isso não significa que nossa literatura esteja repleta de obras maiores, muito pelo contrário, mas sim que o impulso inicial só permite essas expectativas, que logo a mesma realidade que as propiciou se encarrega de frustrar de…
“Os livros de que me lembro melhor são os que roubei na Cidade do México entre as idades de dezesseis e dezenove…” Roberto Bolaño discorre (em inglês) sobre os prazeres de ser um ladrão de livros. * Roubando ou não, você é um acumulador de livros, do tipo que se julga incapaz de se desfazer de um único volume, por pior que ele seja? Então saiba que sua doença tem nome: bibliomania. Conheça alguns truques que, sem prometer cura, podem aliviar os sintomas. * Mas se você acha que é novo esse sentimento de estar soterrado por livros, veja esta: “Temos razões para temer que a Multidão de Livros que aumenta a cada dia (…) faça cair os séculos seguintes num estado tão lamentável quanto aquele em que a barbárie lançou os anteriores a partir da decadência do Império Romano.” A frase é do erudito francês Adrien Baillet, biógrafo de René Descartes, que a escreveu no início do século 18. * “Diante da ciência, nós escritores somos como crianças com a cara colada no vidro de uma janela, tentando descobrir o que lá dentro.” Ian McEwan, um escritor que sempre levou a ciência a sério, num debate em Barcelona, semana…
O site This Recording vem juntando uma excelente coleção (em inglês, acesso gratuito) de “conselhos” de grandes autores sobre o ofício literário, sob o título “Como e por que escrever”. Coletados em fontes diversas, entre ensaios, artigos, entrevistas e até obras de ficção, os trechos são heterogêneos no conteúdo e no tom, mas compõem um painel instigante. Abaixo, uma pequena amostra em tradução caseira (via The Book Bench): Susan Sontag: Todo mundo gosta de acreditar hoje em dia que escrever é apenas uma forma de amor-próprio. Também conhecida como auto-expressão. E não se supõe que sejamos mais capazes de sentimentos autenticamente altruísticos, ou capazes de escrever sobre qualquer coisa que não nós mesmos. Mas isso não é verdade. Kurt Vonnegut Jr.: Garanto que nenhum esquema narrativo moderno, nem mesmo a ausência de trama, dará ao leitor satisfação genuína, a menos que uma daquelas tramas fora de moda seja contrabandeada para dentro em algum momento. Não valorizo a trama como representação acurada da vida, mas como uma forma de manter o leitor lendo. Quando eu dava oficinas de criação literária, dizia aos meus alunos para fazer com que seus personagens quisessem alguma coisa imediatamente – ainda que fosse só um copo…
Faz muitas décadas que a literatura propriamente dita, artisticamente ambiciosa, não é terreno fértil para comoções de massa. É cem vezes mais fácil construir uma atmosfera de hype, o que um dia se chamou de badalação, no âmbito do cinema ou da música pop. Isso torna ainda mais interessantes os casos recentes de dois livros cercados de histeria: Freedom, do americano Jonathan Franzen, que antes mesmo de sair (será lançado terça-feira nos EUA) já vem sendo chamado de “romance do século”, e “2666”, o tijolão do chileno Roberto Bolaño, que foi unanimemente saudado como sua obra-prima e que, chegando ao Brasil com atraso há poucos meses, virou também por aqui aquele tipo raro de livro que todo mundo lê predisposto a elogiar. Hype, palavra que os moderninhos brasileiros adotaram com um sentido intensamente positivo que está ausente do original, quer dizer em inglês publicidade excessiva e a comoção que ela provoca, exagero marqueteiro em torno de um produto e até mesmo, em casos extremos, fraude. Pode ser que falar em hype seja impróprio quando se trata de escritores tão talentosos quanto Franzen e Bolaño. Por outro lado, os dois casos de sucesso parecem ter, pelo menos em certa medida, algo…