Achei surpreendentemente fascinante este ensaio da revista “Boston Review” (em inglês, acesso gratuito), em que Vivian Gornick, a partir dos diários deixados por Sofia Tolstoi (que acabam de ganhar nova edição em inglês) e por seu marido Leon (cuja morte completa cem anos mês que vem), imagina-os como personagens de Dostoievski. A surpresa vem do fato de minha reação habitual ser de desinteresse – ou de interesse moderado, o que dá no mesmo – diante de informações biográficas de escritores e artistas em geral. Só a obra importa, certo? Por que, então, fui sentir tal encanto horrorizado diante da história de um casal inseparável até a morte numa rotina pontuada por ímpetos de assassinato e suicídio, atolado na infelicidade e na humilhação que provocava em ambos, nas palavras de Gornick, “a discrepância entre o que se esperava do amor conjugal e o que ele de fato mostrara ser”? Talvez o trunfo da ensaísta seja a sacada que entrego já no título deste post, e que nega ou pelo menos complica todos os modelos certinhos demais de arte e vida que tantos autores e leitores de biografias cultivam: se Dostoievski escrevia a vida conjugal de Tolstoi, a vida de quem Tolstoi…