É possível fazer literatura de qualidade no Twitter? Essa pergunta, que tem andado no ar há alguns anos, não teve até agora (terá um dia?) melhor resposta do que a que a escritora americana Jennifer Egan – autora do notável “A visita cruel do tempo”, resenhado aqui – deu em maio deste ano ao publicar no perfil da revista “The New Yorker” uma história de espionagem em forma de flood de tweets chamada Black box. Quem ainda não leu pode acessar o conjunto inteiro (em inglês) no site da revista. Ou acompanhar a tradução, “Caixa preta”, que a editora Intrínseca publicará a partir desta segunda-feira, dia 20, até o dia 30, sempre das 22h às 23h, em sua conta no Twitter (@intrinseca). Ao fim desse prazo, a narrativa completa será lançada como e-book. A iniciativa é oportuna: uma “Caixa preta” basta para redimir quaisquer “Cinquenta (ou até mais) tons de cinza”. Na Flip deste ano, em que dividiu uma mesa com Egan, o escritor inglês Ian McEwan não mediu elogios a Black box: “É uma das melhores coisas que leio em anos”. Os espectadores que não conheciam o texto podem ter pensado que o autor de “Serena” estava apenas exercitando…
O ensaio do crítico americano Lee Siegel no décimo número da revista “serrote”, chamado John Updike ou A desimportância de ser sério, tem duas partes instigantes que, no entanto, não se encaixam muito bem. Ambas – e sua (des)conexão – vão comentadas abaixo. Na primeira parte Siegel defende John Updike (foto, 1932-2009) do que considera uma campanha sórdida – nem tão nova, mas acelerada à medida que sua vida se aproximava do fim – para desmoralizar um dos grandes escritores americanos da segunda metade do século 20. Os maiores inimigos de Updike seriam, pela ordem, o crítico James Wood e o escritor David Foster Wallace, mas o complô acabaria envolvendo Harold Bloom e a própria revista “New Yorker” em que Updike se consagrou – e que mesmo involuntariamente, nothing personal, teria aplicado no criador de Coelho Angstrom um golpe duro ao contratar Wood. O ensaísta é galhardo e até valente em sua defesa crítica de um escritor de inegáveis méritos, prolífico e generoso, que de alguma forma tornou-se uncool e anda necessitado de defesa em seu país. Deixa a sensação de que poderia ter feito um trabalho melhor em demonstrar por que Updike é importante, como eu acredito que seja…
As fotos de bibliotecas japonesas pós-terremoto que vêm sendo reunidas pelo site Togetter.com, enviadas por voluntários de diversas cidades, levam Macy Halford a especular, no blog de livros da “New Yorker”, por que essa preocupação com estantes tombadas e tomos esparramados no chão em meio a uma devastação tão completa, que deveria fazer este parecer o menor dos problemas. Bom, talvez por isso mesmo, imagina ela, ao dizer que “as imagens nos permitem ter uma ideia da destruição num ambiente relativamente benigno – livros não são gente”. As bibliotecas funcionariam então como uma poderosa metonímia, tirando sua força menos do que as imagens mostram do que daquilo que sinistramente sugerem. Faz sentido, mas acho que fica faltando dizer alguma coisa. Num país de povo tão proverbialmente organizado, estudioso e culto, bibliotecas podem ser vistas também como uma metáfora do próprio edifício social – e de sua fragilidade. Num minuto, todo aquele mundo de livros estava perfeitamente ordenado em suas prateleiras por assunto, ordem alfabética etc. No minuto seguinte…
Há pouco mais de dois anos recebi em casa uma ligação incomum: do outro lado da linha, uma simpática repórter da “New Yorker” queria saber minha opinião sobre Paulo Coelho, que seria tema de uma longa reportagem naquela que considero a melhor revista do mundo. Animado pela vaidade de ter minha opinião requisitada pela “New Yorker”, ainda que sobre um tema pelo qual tenho reduzido interesse, falei longamente sobre nosso representante solitário no jet-set literário internacional. A conversa começou a degringolar quando a entrevistadora me perguntou por que, com seu enorme sucesso, PC não tinha franqueado as portas do mercado internacional para outros escritores brasileiros – por que, em suma, não contava com um mísero seguidor. – Ah, porque seu trabalho é algo à parte, mais relacionado com Carlos Castañeda ou Richard Bach do que com qualquer coisa feita aqui – respondi. – Não tem ligação absolutamente nenhuma com a tradição da literatura brasileira. Foi quando ouvi a pergunta singela, ofensiva, espantosa: – Mas a literatura brasileira tem uma tradição? Passado o choque que a arrogância imperialista sempre provoca, especialmente quando distraída, espontânea, simpaticíssima (“sua casa tem água encanada, jura?”), a entrevista virou um curso intensivo e meio atropelado de…