Não, Roth não abandonou sua arte, não enterrou sua varinha como Próspero. Foi a arte que lavou suas mãos diante desse escritor irremediavelmente trivial e constrangedor. Tomando de empréstimo o título do primeiro livro Roth, a coletânea de contos ‘Adeus, Columbus’: Adeus, Philip! E, olhe, a porta da rua é a serventia da casa. O artigo publicado pelo crítico americano Lee Siegel no “Estadão” de domingo, chamando de “absurdo sem tamanho” a comoção em torno da aposentadoria de Philip Roth, afoga um ou dois argumentos interessantes num caldeirão tão cheio de ódio e amargura que a coisa acaba por entornar inteira em seu colo. Siegel, vale lembrar, é um notório defensor da tese de que o romance está morto. Descobrir que o público ainda se importa tanto com o que um romancista faz ou deixa de fazer deve ser mesmo muito frustrante. * Ano passado, poucos dias depois de se tornar o maior fenômeno de popularidade instantânea da história da Flip, o escritor português Valter Hugo Mãe me disse, numa longa conversa que se transformou nesta reportagem: “Muitas coisas na vida são momentos. Eu não me admirava nada de vir aqui no próximo ano e saber que ninguém mais se…
Primeiro livro do autor português de origem angolana Valter Hugo Mãe a ser lançado no Brasil, “o remorso de baltazar serapião” (editora 34, R$ 37,00) é um romance cercado de atributos que podem despertar a desconfiança do leitor. Certamente despertaram a minha: regionalismo, tiradas próximas do realismo mágico, linguagem de sabor arcaico e sintaxe peculiar sugerindo intenções rosianas, abolição das maiúsculas como uma espécie de bandeira (velhusca) de modernidade… Hmm, sei. Ao fim da leitura, todos esses preconceitos estavam avacalhados (o adjetivo é escolhido a dedo) e reduzidos ao que são: preconceitos, só. Mais uma prova de que não há no mundo da literatura nenhum estilo, tema, vereda, recurso, expediente, truque, absolutamente nada que se possa excluir de antemão do campo da novidade artística. Estranho e memorável, o livro de Mãe tira sua força justamente do fato de trilhar caminhos perigosos. Está menos para Guimarães Rosa do que para Raduan Nassar em sua fusão de linguagem e história num magma violento de pulsões quase pré-humanas, no marco zero do humano. Seu tempo pode ser situado tanto na Idade Média – uma Idade Média “cravada no coração da letra”, nas belas palavras da crítica brasileira Claudia Nina – quanto, como em…