Nos anos 1970, a pauta literária nacional se refugiou na universidade. (…) Se criou ali de certa forma o ‘pior’ de dois mundos. Surgiu a figura do professor-escritor. Eu fui um.
O discurso da universidade tem a pressuposição de verdade. A universidade é um lugar de organização do pensamento. A perspectiva de quem cria na literatura é substancialmente diferente. A verdade não interessa para a criação literária.
A ligação com a universidade brasileira criou essa relação esquizofrênica entre o discurso da ciência e o da arte, como se fosse uma coisa só. Isso teve um efeito devastador sobre a prosa brasileira. A prosa romanesca se apagou ao longo dos anos 1970 e 1980.
Achei boa e – mais uma vez – corajosa a entrevista do escritor e ex-professor universitário Cristovão Tezza à “Folha de S.Paulo” de ontem. Houve quem visse ali preconceito contra a universidade, mas fará algum sentido falar em preconceito quando quem emite tais juízos teve uma intensa vivência de mais de duas décadas no meio acadêmico?
O autor de “O filho eterno” pode se enganar no diagnóstico, naturalmente, e um certo exagero argumentativo me parece inegável em suas afirmações, mas seus conceitos nada têm de predeterminados. E são um bem-vindo contraponto ao barulho feito nos últimos tempos por críticos acadêmicos que apregoam – com evidente volúpia e não sem espírito marqueteiro – o fim da literatura em geral e da literatura brasileira em particular. Para gáudio de boa parte da imprensa cultural, aliás, pois esta é uma história de vícios compartilhados.
(A propósito: a leitura do conto de Michel Laub que abre a famigerada “Granta” dos jovens autores brasileiros, chamado Animais, basta para dar uma ideia da vertiginosa dimensão do equívoco cometido pelos apocalípticos.)
É curioso que a velha gramática prescritiva esteja em baixa enquanto, nos mesmos departamentos de Letras, uma aberração como a crítica prescritiva – “assim não pode, aquele autor nunca será bom, é preciso fazer assado” – goza de crédito. Eis por que “a verdade não interessa para a criação literária” é uma grande frase. A literatura instaura sua própria verdade, a crítica que se vire depois para dar conta dela. Ou não se vire, e torne-se irrelevante.
De resto, parece-me claro que essa conversa nada tem a ver com a baixeza do corporativismo ou da reserva de mercado profissional. Qualquer professor universitário – ou jornalista, médico, engenheiro, tatuador, stripper, gari etc. – que se dedique também à literatura sabe que esta é uma atividade fundamentalmente distinta daquela com a qual ganha a vida. Os que confundem as bolas não vão a lugar nenhum. Os que não as confundem, em sua maior parte, também não, mas quem disse que a brincadeira seria fácil?
8 Comentários
Olá Sérgio, como vai?
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Buscamos assessores, parcerias, indicações, ombro amigo, e qualquer coisa que o valha!!
http://www.droovindjazz.com
Valew demais,
Abs
Lis
Caro Sérgio, esclareça uma coisinha pra mim. Algumas palavras em seu post me aparecem sublinhadas e com propagandas. Eu peguei algum vírus ou esses anúncios estão ai mesmo? Desculpe o incômodo e obrigado!
Caro Marcel, nunca houve propaganda nem palavras sublinhadas por interesse comercial em nenhum de meus posts (no caso deste, há o negrito do link para a entrevista da Folha, de interesse jornalístico). Não sei a que você se refere, mas acredito que seja um problema da sua máquina. Um abraço.
Em “O espírito da prosa” o Tezza se mostra um pouco ressentido com a academia; ele se coloca como um estranho dentro dela, um “camponês xucro” com “uma juventude e anos de formação radicalmente não acadêmicos”. Ele repete diversas vezes frases assim. Acho que ele nunca se sentiu à vontade ali. Sobre a crítica prescritiva: o próprio “O espírito da prosa” prescreve a escola realista, não é mesmo? Toda essa generalização me parece muito infrutífera.
Sérgio,
mais sobre a Granta, por favor. Que tal?
Abraço.
Mais sobre a Granta… Ótima ideia. Estou no meio da leitura, no momento. Espantado, até agora, com a absoluta falta de sal da maior parte dos contos. Felipe Charbel escreveu uma boa resena no Globo… Seria bom ler mais por aqui tb
Gostei bastante do conto de Laub. Disseram-me que é um trecho de romance, mas ainda teimo em não acreditar.
“É curioso que a velha gramática prescritiva esteja em baixa enquanto, nos mesmos departamentos de Letras, uma aberração como a crítica prescritiva – ‘assim não pode, aquele autor nunca será bom, é preciso fazer assado’ – goze de crédito.” Spot on.
Sérgio, você está sendo maledicente? (sorry, é que li primeiro o post posterior, então não resisti em ser maledicente… também ;o)