Nem foi preciso citar Woody Allen entre os admiradores americanos de Machado de Assis. Outro Allen, o Ginsberg, cumpriu para minha surpresa esse papel, com uma frase de 1961 em que compara o escritor carioca a Kafka – no que discorda de Philip Roth, que prefere o paralelo com Samuel Beckett. A esses nomes bastou juntar os suspeitos de sempre, como Susan Sontag e Harold Bloom, além de algumas vozes brasileiras, e o resultado foi a honesta e otimista reportagem sobre Machado que o “New York Times” (cadastro gratuito, em inglês) publicou na última sexta-feira.
Com o gancho da Semana Machado em Nova York, em que seminários se alternam com exibições de filmes para lembrar o centenário da morte do autor, o título “Depois de um século, uma reputação literária enfim floresce” anuncia um texto em que o correto Larry Rohter, o homem que Lula quis expulsar do Brasil, trata Machado como o gênio que ele é e especula sobre as razões de sua demora em penetrar no cânone internacional – por internacional entenda-se anglófono, of course.
Quando digo que a reportagem é otimista, refiro-me à presunção de que a longa batalha esteja vencida, como se, um século depois, Machado tivesse enfim encontrado o reconhecimento internacional que merece. Não encontrou, longe disso. Com o impulso da efeméride, talvez tenha ganhado uns palmos de terreno. Recuos virão. Não se escreve impunemente numa língua que a Bolsa de Valores Literários internacional situa em algum ponto entre o húngaro e o volapuque, uma posição injusta que, governo após governo, o Brasil não tem movido uma palha para mudar.
É curioso constatar que, mesmo incipiente, a descoberta de Machado por leitores estrangeiros parece incomodar alguns machadianos nativos, mais ou menos como ocorre com os velhos fregueses daquele botequim que de repente entra na moda e é invadido por hordas de forasteiros. É o que se vislumbra nesse trecho da reportagem de Rohter:
Entusiastas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha “estão fazendo Machado se parecer cada vez menos com Machado”, afirmou mês passado o crítico e escritor Antônio Gonçalves Filho num simpósio em São Paulo. “Na verdade, o estão tornando branco, como Michael Jackson. De repente, ele virou um escritor “universal”.
Engraçado, e eu aqui achando que o primeiro a trabalhar no sentido dessa universalização ou, vá lá, “branqueamento” tinha sido o próprio Machado, que Joaquim Nabuco chamou de “grego”.
50 Comentários
É aquela história do perigo de, ao se tornar “pop”, a arte se torne medíocre. Quando, na verdade, tudo o que tem qualidade deveria se tornar “pop”, e as porcarias enlatadas é que deveriam ser underground.
“Engraçado, e eu aqui achando que o primeiro a trabalhar no sentido dessa universalização ou, vá lá, “branqueamento” tinha sido o próprio Machado, que Joaquim Nabuco chamou de “grego”.”
Poxa, Sérgio, aí é demais. Você exige dos outros que conheçam História! Aí é demais!
Muito bom. Acho engraçado como Nós adoramos nos auto sabotar.
Sérgio e demais amigos do TP: Ainda penso que antes dos estrangeiros, Machado precisa ser descoberto pelos brasileiros.
Recentemente, publiquei dois artigos sobre a experiência enxadrística de Machado (Revista Brasileira e Revista de História da Biblioteca Nacional).
Os últimos artigos sobre o tema datavam de muitas décadas. O que me surpreende, pois, em “Esaú e Jacó”, Machado compara, explicitamente, seu processo criativo a um jogo de xadrez. Não foi o único, Nabokov fez o mesmo.
Por falar no autor-enxadrista de ‘Pale Fire” e “Lolita”, leio, atualmente, a tese de Nina Kressova, que compara as obras de Borges e Nabokov. O mesmo seria possível entre Machado e Nabokov ou Machado e Borges, já que a “trinca” remonta aos também enxadristas Tchecov e Cervantes (não por acaso, Carlos Fuentes escreveu o famoso ensaio “Machado de La Mancha”).
Os “enigmas” de Machado, o seu olhar oblíquo (como o movimento de um bispo no tabuleiro) são estratégias de jogador de xadrez. E o jogo, senhores, apenas começa (lembro também o recém-lançado livro de Adam Thirlwell).
Um trabalho interessante deve sair ainda este ano: uma atualização da lista de livros que fizeram parte da “Biblioteca de Machado”.
Não é incrível que 100 anos depois de sua morte, cerca de 200 livros ainda estejam sendo encontrados e catalogados à lista do professor Massa, compilada na década de 1960?
Sérgio, vc tem cada uma… Estou morrendo de rir até agora com a intercalação do português, o húngaro e o volapuque… 🙂
quanto a mover palha, acho que tem movido.
Agora esta sendo inventado a UNASUL, ja existe o mercosul (sem muito avanco na pratica, mas existe!), o Brasil pleiteia a vaga no Conselho de Seguranca da ONU. A Morte do embaixador Sergio Vieira de Melo tambem, pode ter sido uma contribuicao (indireta) para que nossa diplomacia leve o Brasil para o grande passo adiante. Vez que ele, dizem as boas linguas, estava cotado para ser o sucessor de Anan.
Ha uma proposta de escolas biligues, ideia oriunda do Mercosul. Ha a comunidade dos lusofonos.
Ha a seccao do PEN club no Rio.
Acho que estamos, mesmo que rastejando como lesmas, avancando milimetros a milimetros o terreno das linguas romanicas sobreviventes.
OFF TOPIC:
Blog do Grande escritor José Saramago:
http://blog.josesaramago.org/
Um abraço.
Larry Rohter, o homem que Lula quis expulsar do Brasil, trata Machado como o gênio que ele é e especula sobre as razões de sua demora em penetrar no cânone internacional – por internacional entenda-se anglófono, of course.
Olha senhor Sérgio, não sou Lulista, nem FHCista, nem Fraquista, nem Dadaísta… mas,o senhor que está mergulhado nas letras acha correto escrever esta frase? Se fosse alguma outra pessoa, um general por exemplo que tentasse expulsar alguém de algum lugar, o que o senhor acharia?
Se há tanta necessidade de ver o Machado de Assis reconhecido lá fora é porque não respeitamos nossa própria identidade humana. Deixe o Machado de Assis em paz. Os estadunidenses que controlam a política internacional merecem um quinhão de Machado de Assis?
Deixe pra essas pessoas que querem controlar tudo e todos pelo amor ao capital e leia seu Machado em paz.
Até mais
Pedro
Professor de Física
Mestre em História da Ciência pela Unicamp
OLha só o que encontrei na net…..
Abraços..
XEXÉU
Salve, Sergio. Belo post. Machado merece ganhar o mundo! Parabéns pelo Blog. Abração!
A obra de Machado é atípica,pois a cada releitura de seus textos a paixão pelo autor só aumenta. Acredito que ainda ele não recebeu ,tanto no Brasil quanto no exterior, o reconhecimento merecido. Espero que isto ocorra muito em breve.
Caro C.S. Soares: sem nada a ver com o fato dos dois serem enxadristas (pelo que me lembro), foi publicado há pouco um brilhante estudo do Professor Luís Augusto Fischer, da UFRGS, que compara a obra de Machado e a de Borges. O livro se chama, justamente, MACHADO E BORGES (e outros ensaios sobre Machado de Assis), é uma edição da Arquipélago Editorial e é imperdível pra quem se interessa por este assunto. Abraços.
João, eu me refiro a divulgação literária. Palhas podem ser movidas, mas são palhas. Um programa de incentivo à tradução de autores nacionais com regras claras e orçamento significativo é coisa que muitos países e até alguns paisecos têm. Não o nosso.
Prof. Pedro, receio não ter entendido bem seu comentário.
Walmor, Xexéu, abraços.
Se nossos podres são tão conhecidos lá fora, por que a vergonha de divulgar o que temos de bom? A literatura ajuda a colorir bandeiras. Que se fortaleça sempre aqui e lá fora a imagem do Machadão. rs.
ps. Michael Jackson foi forte.
Ótima dica, Karan, obrigado. Vou conferir o trabalho do Professor Luís Augusto Fischer. Esqueci de comentar, mas os “machadianos” devem estar atentos, está previsto para este mês o lançamento do “Dicionário Machado de Assis”, do competente e profícuo Ubiratan Machado. Imperdível!
Não.
Machado de Assis não está com essa bola toda; nada do que a mídia internacional propaga; nada do que os intelectuais dizem vale alguma coisa se o colunista da Veja, Diogo Mainardi, disse, entre outras coisas, que o Machado de Assis é brejeiro, politiqueiro, ultrapassado…
Vejam vocês a que ponto se permite chegar a revista mais vendida do Brasil.
nao admiro. veja desceu a ladeira depois de 2000.
acho que o bug do milenio afetou os dirigentes do veiculo.
Amigo Sergio.
Agradeço a ti pelo post maravilhoso, prenhe de razão.
Não sabia que nosso Complexo de Vira-Latas estava às voltas com uma reação anti-Machado, causada pela admiração agora injusta dos estrangeiros.
Elogiado por Roth, Ginsberg, Allen, Bloom e Sontag, comparado a Becket e Kafka, todos caras que esses intelectuais brasileiros deverão passar a detestar a partir de agora.
Deixem Machado para nós, os de opinião menos volátil.
Grande abraço.
Ótima notícia e bem escrita; mas o Rohter não pode ser NORMALMENTE correto e ÁS VEZES infeliz? Afirmar, como você fez, que ele é correto (e ponto) é corroborar com todas as suas ações, inclusive a infeliz matéria em que CULPOU uma SUPOSTA bebedeira de Lula pela situação brasileira, a qual via com infundado pessimismo. Não, o Lula não estava nos seus melhores dias e quase fez uma grande burrada, mas não cabe dizer que o Rohter é um símbolo de correção, por favor. Isenção, por exemplo, passa longe dele.
Abraço.
Prezado C.S.Soares: há também o excelente livro “Memorial de Buenos Aires”, de Antonio Fernando Borges. Até onde sei, Antonio Fernando Borges foi o primeiro, no Brasil, a traçar um paralelo entre a obra do Bruxo de Buenos Aires e a do Bruxo do Cosme Velho.
*
O comentário desse senhor professor mestre Pedro foi uma das coisas mais obscuras que jamais li. É de meter medo!
O tal Pedro Sérgio Rosa, “Mestre em História da Ciência pela Unicamp”, escreve “estadunidense” e vem dizer que não é petralha? Ok…
Quanto ao Machado, que é o que importa aqui, acho que o problema não é torná-lo mais ou menos branco. O grande erro dos críticos de fora, mesmo os melhores, como Bloom e Sontag, é tratá-lo como um milagre, uma aberração, um ponto luminoso solitário em meio a um cenário de pascácios. Como não conhecem o contexto histórico em que Machado viveu, não podem saber que naquele tempo havia também Raul Pompéia, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac e, pouco depois, Lima Barreto e João do Rio. Machado foi a estrela maior, mas também parte de um processo.
Não sou a favor do tal Pedro, mas chamar os “made in USA” de americanos não seria correto, também. Nós somos TODOS americanos, não. Brasileiros, nós. Estadunidenses (na falta de algo melhor), eles.
Errata
“nós somos TODOS americanos, não? Brasileiros, nós. Estadunidenses (na falta de algo melhor), eles”.
Desculpem.
Sérgio, não tem a ver com o assunto, mas isso me lembrou o Acordo Ortográfico, que parece que finalmente vai sair.. você podia no futuro comentar alguma coisa aqui sobre isso(talvez já tenha comentado no passado, nesse caso, perdão). Creio que vai melhorar o status internacional da nossa língua. Mas as regras gramaticais mudadas em si, eu achei uma merda… uma palhaçada, não entendo qual o critério eles utlizaram pra defini-las…
Nosso maior escritor. Não há como contestar. Mainard…daqui a 100 anos…vermes só se ve de perto. Não misture critica literária com politicagem. Simplesmente sejamos todos profissionais.
Eis a praga do politicamente correto invadindo a caixa de comentários, que saco!
Faz dois séculos que os americanos são chamados americanos. Dois séculos! Cito uma crônico do próprio Machado de Assis:
“Quando Vítor Hugo, procurando a mão que há de empunhar neste século o archote do progresso, aponta aos olhos da Europa a mão da eterna nação yankee, como dizem os americanos, presta indiretamente uma homenagem à memória do grande homem que dotou o XV século com um dos feitos mais assombrosos da história.”
Não é à toa que o sistema educacional não presta. Os professores de História não sabem História…
Jomar, Rohter foi infeliz, sim, na matéria da quedinha do Lula pela garrafa. Não porque isso, um fato da vida, não pudesse ser dito lá fora quando era dito abertamente aqui dentro, mas pelo equívoco de tentar dar foros de crise ao que não passava de fofoca leve. Quando digo que Rohter é correto, longe de lhe dar carta branca, apenas digo que ele é um jornalista sério, competente dentro das limitações naturais de um correspondente americano nos trópicos. Aquela ameaça de expulsá-lo foi uma burrice e uma vergonha – tanto que o Marcio Thomaz Bastos deu um jeito de desfazer a besteira rapidinho.
Quanto à palavra estadunidense, usa quem quer, mas não tem esse negócio de “correção”. A forma americano, além de ser a usual, é pelo menos igualmente correta – foram eles, não nós, que tiveram a idéia de incorporar “América” ao nome do país. Como já discorri sobre isso em outras oportunidades, não vou me alongar aqui, mas basicamente é o seguinte: quem quiser defender o uso de estadunidense por um critério político pode ter um argumento; pelo aspecto lingüístico, não.
Jonas, não tenho a menor dúvida de que Bloom e Sontag ignoram mesmo o contexto em que surgiu Machado e que a tese do milagre tem algo de depreciativo a gente muito boa. Só fico pensando se Carlos Fuentes, que também disse coisa semelhante, também ignora, ou se a grandeza de Machado não será mesmo de tal ordem que justifique esse pasmo todo. Quando Bloom usa um superlativo como o de maior escritor negro do mundo em todos os tempos, não estará justificada no discurso dele a idéia de milagre?
Abraços a todos.
Leonardo: já andei falando da reforma, mas falarei de novo em breve. Basicamente é o seguinte: sou a favor por uma questão de princípio, embora o elenco de mexidas, após passar por todas aquelas comissões, seja mesmo uma decepção – mais para camelo que para cavalo, como na velha piada.
Milton: obrigado pelo comentário. Abraços a todos.
O que mais nos aponta de interessante nesta reportagem que se ajoelha aos pés de Machado é exactamente isso: o fato do reconhecimento da brilhante mente de um intelecto que desceu os morros e atingiu todos os pilares e as estrelas de um infinito azul de americanos que se vangloriam de maior nação leitora do mundo e pode-se dizer de passagem que se o são ou não o importante é a rendição ao bruxo que Come Velhos Tabus…viva a genialidade de um Machado reluzente que derrubou as fronteiras de um mundo racista
Larry Rohter ? Correto ?
Nunca restou nenhuma d´puvida de que o macxhado de Assis é um gênio.Agora, pode ser que a gente se dê conta disso. Como já disse um internauta. A gente gosta de desfazer de nós mesmos. Só nos damos o devido valor quando o reconhecimento vem de fora. Se os caras tão gostando do Machado, que ótimo. Vamos vibrar, torcendo para que eles descubram outros romancistas nacionais da mesma qualidade do Machado.
Em 1961, Wayne C. Booth, professor da Universidade de Chicago, publicou “The Rhetoric of Fiction” [Retórica da Ficção]. Esta obra, durante algumas DÉCADAS, foi usada nos cursos de pós-graduação em literatura em língua inglesa das universidades americanas, como o texto básico de Teoria Literária. De certa maneira, ela influenciou bastante os teorizadores franceses, que fizeram e fazem escola no Brasil. A curiosidade: seu mais importante capítulo, intitulado “Tipos de Narrativa,” tem epígrafe retirada das “Memórias Póstumas.” [NOTA – O artigo de Rohter chama atenção para um programa bastante amplo sobre Machado (“Machado 21: A Centennial Celebration”), que está tendo lugar agora em Nova York e New Haven (Universidade de Yale).
olá amigo doque voce mais gosta de esreve na sua página?? Abraços..
Concordo com você Sérgio a respeito da falta de ação do governo na divulgação da literatura brasileira. A falta de ação do governo em tentar fazer nomes da literatura e mesmo da produção cultural brasileira mais conhecidos no País. E com isso, o mundo perde uma visão do País e insiste em estereótipos ditados por um conhecimento preconceituoso e distorcido sobre o Brasil. Só pra se ter uma idéia, a última tradução do Grande Sertão: Veredas para o inglês é de 1967. A promoção de debates sobre autores fundamentais de nossa literatura com Graciliano ou José Lins do Rego é próxima do zero e, se Machado é pouco conhecido, Lima Barreto é uma nulidade no debate internacional. Isso sem contar a falta de espaço de grandes autores como Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Caio Prado, entre outros. Poesia então, nem se fala, se aqui já é difícil…
Concordo com você Sérgio a respeito da falta de ação do governo na divulgação da literatura brasileira. E com isso, o mundo perde uma visão do País e insiste em estereótipos ditados por um conhecimento preconceituoso e distorcido sobre o Brasil. Só pra se ter uma idéia, a última tradução do Grande Sertão: Veredas para o inglês é de 1967. A promoção de debates sobre autores fundamentais de nossa literatura com Graciliano ou José Lins do Rego é próxima do zero e, se Machado é pouco conhecido, Lima Barreto é uma nulidade no debate internacional. Isso sem contar a falta de espaço de grandes autores como Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Caio Prado, entre outros. Poesia então, nem se fala, se aqui já é difícil
Olá, Sérgio!
“Não se escreve impunemente numa língua que a Bolsa de Valores Literários internacional situa em algum ponto entre o húngaro e o volapuque, uma posição injusta que, governo após governo, o Brasil não tem movido uma palha para mudar.”
Fala inspirada e irretocável. Congratulações.
Sérgio: Nem Fuentes, nem Reyes (e nem Borges) ignoravam o contexto. Obrigado Carlos Eduardo pela lembrança do interessante livro de Antonio Fernando Borges. E, segundo o Babelia (El Pais), “La autoficción domina la narrativa en castellano”… Machado trouze o leitor para dentro da ficção, Borges, como autor, trouxe a si próprio. Mas, essa “nova tendência”, parece-me mais influência dos “reality shows” impregnando a literatura. O escritor (e a literatura) agonizam (em praça pública)… ou seria uma ressurreição?
Na prática, não consigo ver diferença entre as certezas apregoadas pelos críticos americanos, franceses ou brasileiros. Esse é o trabalho deles. Machado é um milagre, não há como discordar. E o foi, deve-se enfatizar, sem praticamente ter tirado os pés do solo carioca. Machado nos mostrou que precisamos ser globais sem jamais esquecermos de ser locais. Se não pensarmos o Brasil, quem o pensará por nós? Suas histórias, se passam no Rio, falam do Rio, descortinam o Rio de Janeiro, por isso Machado (como outros mestres que, por exemplo, mostravam o Sertão) é um verdadeiro escritor brasileiro. As opiniôes de Sontag e Bloom (a intenção, não creio ter sido pejorativa) nos ajudam a refletir que devemos tentar mudar algumas coisas por aqui. Por causa de Machado (aqui, concordarei com Nélida Piñon), o Brasil, um grande Brasil, não somente em tamanho, talvez seja possível. Machado é um milagre que une todos os escritores brasileiros, de todas as gerações, os que gostam e os que não gostam de seu estilo. Machado é um símbolo. Saibamos ler o símbolo.
Lauro Mesquita: concordo que o governo brasileiro, até hoje, não tem feito NADA pela divulgação da cultura brasileira. Mas há um pequenino ponto sobre o qual ninguém tem falado: o governo está promovendo um concurso sobre Graciliano Ramos, ao qual podem concorrer apenas estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior. O ensaio concorrente deve ter cerca de 30 páginas e o prêmio principal é de 20 mil dólares. As inscrições se encerraram em agosto.
Machado é o cara.
E a ABL (que não serve pra nada mesmo) não poderia servir pelo menos pra divulgar a obra daquele que deveria ser seu autor mais importante? Um projeto de publicação de suas obras completas – em português mesmo, já que não temos nenhuma edição pelo menos decente – seria pedir muito?
O Antônio Gonçalves Filho não está fazendo mais do que reproduzir o asneirol costumeiramente dito por Roberto Schwarz, que você mesmo ficou incensando aqui no blogue. Basta ver a reação de jumento bravo que Schwarz esboçou contra o português Abel Barros Baptista no congresso recentemente promovido pela Unesp no Auditório do MASP. Aliás, foi este tal de Antônio Gonçalves Filho que reproduziu, entusiasticamente, as palavras de Schwarz contra leituras estrangeiras em reportagem no Estadão.
Não sei o que vocês acham, mas este comentário abaixo me lembrou muito aquele comentário bêbado do Vanucci depois de o Brasil perder a Copa de 2006. Senti falta do “comida de leões”…
“Nosso maior escritor. Não há como contestar. Mainard…daqui a 100 anos…vermes só se ve de perto. Não misture critica literária com politicagem. Simplesmente sejamos todos profissionais.”
Uma vez, perguntaram a Carpeaux o que mais o surpreendeu quando chegou ao Brasil. Ele respondeu que já imaginava que por aqui houvesse um Machado e um Euclides. O que ele não contava é que houvesse uma frase como a seguinte, escrita por Machado:
” No meu tempo, já existiam velhos, mas poucos.”
Aí está o texto a que me referi, de onde o Harry Potter – digo, Larry Rohter – tirou a citação de Antônio Gonçalves Filho. O Gonçalves está apenas resumindo – grosseiramente – os argumentos do Schwarz:
O Machado universal e o punhal de Martinha
Antonio Gonçalves Filho
O Estado de S. Paulo – 27/8/2008
Era para ser uma saudação cordial aos estudiosos e críticos estrangeiros da obra de Machado de Assis, mas a abertura do Simpósio Internacional Caminhos Cruzados, promovido pela Unesp, segunda à noite, no Masp, virou uma advertência aos candidatos empenhados em formular novas teses sobre o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Logo após a saudação inicial, a cargo do escritor Milton Hatoum, o professor de Literatura Roberto Schwarz confrontou a interpretação “universalista” de Machado por um segmento da crítica internacional, que insiste em ignorar as críticas do escritor à sociedade brasileira, desprezando suas análises sobre o contexto político e social que ajudaram a construir uma obra sólida, independente de seu reconhecimento fora do País.
Desde que a feminista e tradutora norte-americana de Machado, Helen Caldwell, identificou em Dom Casmurro ecos do Otelo de Shakespeare, em The Brazilian Othello of Machado de Assis (publicado nos EUA em 1960 e traduzido no Brasil só 40 anos depois), acadêmicos de todo o mundo perseguem, assanhados, o bruxo de Cosme Velho. Buscam aqui e ali traços denunciadores da influência literária de Lawrence Sterne, da filosofia de Pascal e da ironia de Jonathan Swift, fazendo Machado cada vez menos parecido com Machado. Tornam o escritor, enfim, branco como Michael Jackson. De repente, ele virou “universal” – leia-se caucasiano do Hemisfério Norte. Mas, disposto a provar que Bentinho não é Otelo e Capitu não é Desdêmona, o professor Roberto Schwarz foi buscar numa antiga crônica de 1894, O Punhal de Martinha, as provas de que necessitava para mostrar que, antes mesmo dele, Machado já havia previsto sua apropriação indébita, escrevendo sobre o despropósito da comparação entre o que se passa abaixo do Equador e acima dele.
Nessa crônica, Machado parodia a prosa clássica, comparando um homicídio praticado na Bahia pela suspeita Martinha ao suicídio da virtuosa Lucrécia, ultrajada por Sexto Tarqüínio. Se, em Roma, o punhal da violada Lucrécia serve tanto a um propósito particular como a uma causa pública, provocando uma revolução contra a realeza, em Cachoeira, Bahia, o punhal enferrujado de Martinha apenas abrevia a vida do canalha João Limeira, a pedra no sapato da anônima brasileira. Entre a desconhecida Cachoeira e a universal Roma, observa Schwarz, prevalece o espírito de troça do satírico Machado, “cronista que deplora a sorte obscura dos compatriotas pobres e provincianos”.
Schwarz , antes de começar sua análise da crônica machadiana, fez referência a um texto do professor de Literatura Comparada Michael Wood, publicado no The New York Review of Books em 18 de julho de 2002, A Master Among Ruins (Um Mestre entre Ruínas). Como outros críticos estrangeiros, Wood vê Machado como autor universal, “como se a sua reputação tivesse crescido sem o apoio do Brasil”, observou o palestrante, concluindo que o escritor fez literatura “às custas de seu país”, cabendo o leitor perceber seu ressentimento contra a falta de repercussão de nossas coisas lá fora. Pode ser que ele não tenha garantido a Martinha o mesmo lugar de honra que Tito Lívio reservou a Lucrécia, mas seu posto na literatura terá de ser considerado por ensaístas e críticos dispostos a analisar a obra de Machado.
De certo modo, a introdução de Milton Hatoum ao tema do Machado universal mostrou que até mesmo para os portugueses o brasileiro representa uma “ameaça” à supremacia de seus monstros literários. O autor de Dois Irmãos contou uma história pessoal, a de uma aluna catalã que queria aprender português para contestar o amante lusitano, disposto a provar que Eça de Queiroz era superior a Machado. Um autor que, segundo o tal Soares, só sabia escrever sobre adultérios e imitar Almeida Garret.
Esse paralelo entre Tito Lívio e o Machado de Assis é engraçado. Será que não ocorreu ao autor (do artigo, esclareço) que Tito Lívio não tinha outra preocupação senão escrever a crônica de Roma? Tito Lívio não tinha a pretensão de ser “universal” (conceito, aliás, estranho aos romanos). Tornou-se ele “universal” porque seus pósteros o tomaram como base para suas reflexões sobre a História e os Homens. Fico aqui imaginando um Roberto Schwarz contemporâneo de Augusto, amigo de Tito Lívio, se indignando com a infame ousadia dos escritores do futuro, que tiveram o desplante de se apropriar do historiador romano, fazendo-o um modelo para suas reflexões. Só os romanos podem compreender Tito Lívio; só os brasileiros podem compreender Machado de Assis.
Todos aqui concordam que o juízo de Goethe sobre Shakespeare é inteiramente equivocado: somente os ingleses, com descedência britânica por, pelo menos, cinqüenta gerações, é que podem compreender Shakespeare.
O Schwarz sempre confunde europeu com universal, e mitifica a modernidade européia, que seria de verdade, em relação à modernidade brasileira, que seria capenga. Ou seja, não entende lhufas de história… E quer fazer análise histórica de Machado.
Aliás, se alguém se der ao trabalho de ler a crônica “O Punhal de Martinha”, vai descobrir, coisa de espantar, que o Schwarz não sabe ler.
Grande sacada Otto!