Já virou um clichê destacar a falta de interesse da indústria editorial americana por literatura traduzida, que responde por menos de 3% dos lançamentos literários daquele país culturalmente – quase – autista. (Um trabalho de mapeamento mundial como o da boa revista eletrônica “Words Without Borders”, que tem link permanente aqui no blog, é exceção.) A novidade imaginada pela “Quarterly Conversation” é ir além da mera lamentação e perguntar a tradutores americanos e autores estrangeiros quais livros, entre os que nunca foram vertidos para o inglês, eles consideram de tradução prioritária.
O resultado completo pode ser conferido aqui e traz algumas curiosidades. Uma delas é que a maioria dos livros citados também não saiu no Brasil, um país que traduz proporcionalmente muito mais (mesmo porque, embora também autista em muitos aspectos, não anda lá muito interessado em ficção nacional). Outra é que não aparece nenhum autor brasileiro contemporâneo na relação dos entrevistados pela “Quarterly Conversation”. Em compensação, o tradutor Matt Rowe teve a idéia – que não deixa de ser excelente por ser óbvia – de incluir na lista os contos de Machado de Assis, sem dúvida um dos expoentes mundiais do gênero, que até hoje foram lançados em inglês apenas de modo esparso ou pouco criterioso, embora a maioria dos romances do homem esteja disponível por lá. “Os contos de Machado vão da fantasia e do humor de Poe ou Twain às percepções sutis de James ou Tchecov, e merecem ser tão lidos quanto estes”, diz Rowe.
(Via blog de livros da “New Yorker”.)
16 Comentários
Eu adorei a indicação do Vila-Matas, escrita de um jeito que parece mesmo um livro do Vila-Matas. Mas também não tem em português e eu não leio em espanhol…
Algo me diz que os três por cento dos lançamentos literários no mercado americano ultrapassam, com cabeça, pescoço e membros dianteiros, as traduções tupiniquins, ainda que “proporcionalmente” seu número seja maior.
Se tenho dez reais no bolso e acho uma nota de cinco reais, fico “proporcionalmente” mais rico do que aquele que, tendo cem reais no bolso, encontra uma nota de vinte. Que belo consolo…
Rafael, acho engraçado que você tenha interpretado minha observação como uma tentativa de “consolo” (?). Seja como for, se eu não estiver muito enganado, quem está é você.
Este ano, até setembro, haviam sido publicados 330 títulos de literatura (ficção) traduzida nos EUA – numa projeção simples, o número anual ficará em torno de 440.
No Brasil, não achei nos números da CBL nada que permita discriminar com segurança a ficção, mas de cerca de 45 mil títulos editados (todos os gêneros) em 2007, 5.586 eram traduções – 12% do total. Como você vê, basta que um décimo disso seja ficção para ficarmos à frente nesse quesito.
Big f*#* deal, não é? Proporcional e absolutamente.
Sérgio,
Talvez tenha me expressado mal. Não quis sugerir que sua observação seria uma tentativa de consolo; minha intenção era adiantar-se aos nacionalistas de plantão, essa gente aborrecida que comemora qualquer mediocridade do país.
Esclareço que não tinha em mãos os números do mercado editorial americano nem os do mercado brasileiro. Se os números que você cita estão corretos, então equivoquei-me tremendamente.
Confesso, no entanto, que esses números me soam estranhos. Explico: a língua inglesa é, ao lado do espanhol, a minha fonte de traduções de livros estrangeiros. Toda vez que quero ler uma obra escrita num idioma que não domino e que não tenha sido vertida para o português (ou cuja tradução esteja esgotada ou seja uma porcaria) vou atrás de uma versão em inglês ou em espanhol. E, devo acrescentar, normalmente sou bem sucedido na empreitada.
Por isso, é que acho estranho esse número diminuto de traduções…
Aqui no Brasil temos o “Lá où les tigres sont chez eux”?
Rafael, inglês é editado também na Inglaterra, né? Talvez daí venha a explicação….
Sérgio, e os contemporâneos? Quem você acha que deveria ser traduzido? (A Clarice já foi, né, por aquele cara que acabou de lançar livro sobre ela por aqui)
Independentemente dos números atuais, temos que buscar (sempre) o aumento do volume de livros de autores brasileiros no exterior.
Lorie Ishimatsu, que escreveu o melhor estudo que existe sobre a poesia de Machado de Assis, publicou, em colaboração com Jack Schmitt, no fim da década de 1970, uma EXCELENTE coleção de contos de Machado de Assis, em tradução para o inglês: The Devil’s Church and other stories [The Bonzo’s secret.–Those cousins from Sapucaia.–Alexandrian tale.–The Devil’s Church.–A strange thing.–Final chapter.–A second life.–Dona Paula.–The diplomat.–The companion.–Evolution.–Adam and Eve.–Eternal!–A celebrity.–Mariana.–A canary’s ideas.–Pylades and Orestes.–Funeral march.–Wallow, swine! ]. Há também, “in print,” um volume com a parte machadeana da antologia publicada, em 1921, por Isaac Goldberg: “Brazilian Tales.” Isto só citando o que há no mercado dos EUA.
Caro Pedro, a boa notícia é que este livro, embora velho de tantas décadas, ainda pode ser comprado via Amazon. Quanto à seleção, eu não chamaria de excelente uma antologia de Machado que não tem O alienista, O espelho, Um homem célebre, Missa do galo, A cartomante e alguns outros. Acho que Rowe está certo: seja pela velhice da edição, seja por suas muitas lacunas, a porta continua aberta.
CLARICE LISPECTOR
Livros de Clarice Lispector, em inglês, à venda na Amazon:
Selected Cronicas: Essays
The Stream of Life
Foreign Legion
Soulstorm
Family Ties
Passion According to G.H.
Near to the Wild Heart
NB – Gregory Rabassa, o mais respeitado tradutor americano de literatura latino-americana, alguns anos atrás, traduziu e publicou “A Maçã no Escuro.”
Lembrando que há traduções e traduções. Dizem que saiu por lá uma tradução do Guimarães Rosa que foi horrorosa. Deixo a questão: é possível traduzir o Guimarães para o inglês? Alguém sabe alguma tradução dele que obteve sucesso?
Pois eu conheço um professor universitário que está fazendo a tradução de Guimaraes Rosa para o alemão! Não consigo pensar em nada mais bizarro.
Sucesso é um coisa um pouco relativa né, mas uma vez eu procurei pelo título de Grande Sertão em inglês (The Devil to Pay in the Backlands) e descobri que há um verdadeiro culto ao livro entre leitores americanos.
Claro que tudo é uma questão de proporção, mas coisas “cult” não têm mesmo um público muito amplo. Nesse caso que eu mencionei achei vários comentários de leitores em “sites de relacionamento literários” (tipo Skoob) falando que o livro era uma maravilha.
Mas parece que a tradução não é lá aquelas coisas mesmo.
A edição americana de “The Devil to Pay in the Backlands,” feita por pelo lexicógrafo James Taylor (com ajuda de Harriet de Onís), com prefácio auto-promocional de Jorge Amado, lembra um pouco a tradução do “Ulisses” feita pelo lexícografo Houaiss. A versão literal de Taylor é tão clara que, às vezes, pode esclarecer certos significados do original, até mesmo para um brasileiro. Tudo muito certinho mas sem absolutamente nada da energia original. Uma boa parte da “apresentação” feita por Amado defende a idéia de que Rosa, REALMENTE, não deve ser considerado como autor MINEIRO mas sim BAIANO! E lembra, ao seu lado, nomes de escritores, quase todos nordestinos, como Dalcídio Jurandir, Herberto Sales, James Amado, Josué Montello, Hernani Donato, Adonias Filho, José Condé. Quando da publicação de “Grande Sertão” em inglês (1963), Orville Prescott, em sua resenha no “The New York Times,” comparou-a à recente tradução de “Gabriela, Cravo e Canela,” demonstrando tacitamentre clara preferência pela obra de Amado. Ao mesmo tempo, ele liga as aventuras de Riobaldo ao que aconteceu no Oeste americano. O conhecimento de Guimarães Rosa, no mundo anglo-americano fora da área acadêmica, se dá através de alguns de seus contos, principalmente “A terceira margem do rio.”
[Uma curiosidade: a Amazon anuncia à venda um exemplar de “The Devil to Pay in the Backlands,” através de um sebo canadense, pelo que corresponde a R$1.119.69! Em 1963 o livro custava US$5.95. Meu exemplar está à venda, por um preço um pouquinho mais accessível que o da Amazon (-: ]
Costuma ser elogiada a tradução italiana do Grande Sertão. Parece que o próprio Rosa aprovou.
E a tradução de Ulisses por Houaiss ? Existe algum trabalho crítico (de autor ingles) a respeito ?