A repercussão do caso de polícia que envolveu o craque Ronaldo e o travesti André/Andréa no Rio de Janeiro promete dar cores mais brasileiras a uma palavra francesa que, mesmo sendo um item de nossa pauta de importações lingüísticas, é vista em todo o mundo como coisa nossa, muito nossa. Mais ou menos como ocorre com o futebol.
Travesti nasceu em francês no século 16 como adjetivo, particípio de travestir, verbo que a princípio tinha a grafia transvestir, mais próxima do original latino trans + vestire. A substituição de trans por tra foi uma influência do italiano travestire. De saída, travesti carregava o sentido amplo e ainda não especializado de “disfarçado, vestido com roupas de outra condição, idade ou sexo”. Essa largueza semântica também é possível hoje em português, mas apenas quando se trata do verbo: pode-se falar em “bandido travestido de deputado”, por exemplo. Travesti é outra história.
No início do século 20, quando, já no papel de substantivo, travesti e seus termos irmãos se espalharam por diversas línguas, todos já levavam o sentido estrito de homossexual que se veste com roupas do sexo oposto e, especialmente, o de homem que tenta se parecer com mulher, inclusive recorrendo a tratamentos hormonais. A palavra inglesa transvestite, por exemplo, foi importada com fortes conotações psicopatológicas do alemão Transvestit.
Faz tempo que os travestis brasileiros ganharam fama por sua presença em redes de prostituição internacional. Segundo o lingüista belga Henri Van Hoof, que em 1999 publicou um ensaio chamado Nomes de países, povos e regiões na linguagem figurada, existiu em francês, registrada pela primeira vez no distante ano de 1884, a incômoda – para o orgulho pátrio – gíria brésilienne (“brasileira”), com o significado de travesti. Nessa época, a palavra ainda nem tinha aportado aqui.
Publicado na “Revista da Semana”.
11 Comentários
Caramba, e eu que imaginei que a popularização do travesti brasileiro na França fosse coisa da década de 70 do século passado.
É irônico o travesti brasileiro já se destacar na França antes que a palavra travesti existisse no Brasil.
(nesse caso, como eram chamados por aqui?)
O dono do pedaço que me desculpe, mas achei que o melhor de tudo foi ver o envolvido em questão com aquela cara de bunda na delegacia usando a camisa de uma certa torcida bicolor.
Muito bom, Harpia (caramba, não foi só o Rubem Mauro que, feito um Ronaldo da web, se enganou com seu nick). Ri muito, mas convenhamos que, depois de um 4 x 2, a gente ri à toa. E depois a corrosão da tela é minha culpa…
Por falar nisso……..um amigo do Fenômeno, preocupado com sua depressão pós-escândalo, sugeriu que ele se retirasse para uma ilha distante até poeira abaixar.
– Mas o Robinson Crusoé e o Sexta-Feira vão estar por lá?
Já que ninguém faz perguntas, faço eu, impressionado com o silêncio em torno da informação do lingüista belga sobre a palavra ‘brésilienne’ – com certeza a mais desconcertante já veiculada nesta seção. Será que só eu e o Harpia achamos espantoso que travestis brasileiros já tivessem tanta fama na Europa do século 19? Seria Van Hoof um charlatão? Onde o colunista foi desencavar esse cara? Poderia haver outra explicação para a tal gíria? Qual?
E, acima de tudo, se a quantidade aqui era tanta que já os exportávamos e eles eram famosos, como eram chamados aqui no Brasil antes da chegada da palavra travesti?
Donzelos?
Meninos-Moça?
Harpia, não se trata necessariamente de quantidade. Bastaria um solitário exemplar de sucesso em Paris para justificar o nome. Um ator, talvez. Mas se houve essa figura, onde ficou registrada sua existência?
MAs digam ai pra galera: Ronalducho é A ou P?
ou bate uns “bolões” nas duas?
Oi, Sérgio. Cheguei atrasada para o papo, mas fiquei realmente curiosa pra saber de onde veio essa gíria. (Espero que sua pergunta tenha sido retórica!) Num Google rápido e superficial (onde o Todoprosa apareceu em terceiro lugar), achei um Van Hoof autor de dicionários sobre termos e símbolos médicos, sobre termos bíblicos e jardinagem. Seria o mesmo? Abraço, Isabel
Minha cara Isabel: sim, a pergunta sobre o charlatanismo de Van Hoof era retórica. O estudo que eu citei – não citaria se suspeitasse dele – foi publicado por uma revista acadêmica de prestígio. É provável que seja o mesmo sujeito que você encontrou. Se descobrir mais alguma coisa sobre a origem dessa gíria, não deixe de avisar! Abração.
Sergio, sabes a semelhança entre Ronaldo e o Flamengo?
Os dois são BI! Tá certo é infame, mas o tema lembrou isto. Sorry!