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Twitter: como ser conciso e prolixo ao mesmo tempo

18/06/2012

O fato de escrever sobre literatura neste blog há seis anos, sem interrupções, me leva a ser convidado com frequência para tratar de um assunto que deve ter grande apelo para o público interessado em literatura, a julgar pela vaga cativa que os curadores lhe destinam na programação de feiras e congressos: o da convergência entre o velho mundo das letras e o novo mundo digital. Sempre que me perguntam em tais ocasiões se a internet mudou ou vai mudar nosso jeito de escrever, respondo que sim, claro que mudou, está mudando, mas não tão depressa nem tão inequivocamente quanto se costuma imaginar. Estamos, como é típico da contemporaneidade, apalpando o caminho numa sala escura. Este artigo (em inglês, via Arts & Letters Daily)) que acaba de sair no último número da revista literária americana “n+1” acende algumas luzes no breu, como se pode ver nos trechos abaixo:

Nos seus melhores momentos, o Twitter diverte e instrui. Alguém, frequentemente alguém de quem você não esperaria isso, condensa o Espírito do Tempo numa ótima anedota, epigrama ou sacada. (…) Olhe para sua página do Twitter no momento errado, porém, ou mande você mesmo um tweet idiota, e de repente um infinito de ruindade se desdobra sobre os picos do narcisismo. Qual é mesmo aquele tweet que pulsa subliminarmente sob todos os outros? Em exatos 140 toques: “Preciso tanto de atenção que não posso prestar atenção em você, a não ser que isso atraia atenção pra mim. Sei que você sente da mesma forma”. Assim, pessoas em grande quantidade – 40% de usuários a mais do que no ano passado – se desvalorizam umas às outras em nome da autovalorização mútua.

A Ascensão do Tweet ocorre em meio a um barateamento da linguagem – tanto no bom como no mau sentido – induzido pela internet.

A economia baratinha da publicação digital democratizou a expressão e forneceu um público necessário a escritores e tipos de literatura que, do contrário, ficariam confinados ao disco rígido ou à gaveta da escrivaninha. No entanto, a suprema facilidade de jogar palavras na rede abriu um vasto espaço para o desleixo, a confusão, o qualquer-notismo. Fora do Twitter, um blogueirismo opressivo, um relaxamento paradoxalmente obrigatório, ameaça a prosa de toda uma geração (não, espere, a nossa também!). Você não consegue soar contemporâneo e verdadeiro a menos que pareça estar escrevendo de bate-pronto, sem pensar muito. (…) Todas as publicações contemporâneas tendem a se aproximar da condição de blogs, e logo vai parecer – se é que já não parece – pretensioso, elitista e antiquado escrever qualquer coisa, em qualquer lugar, com paciência e cuidado.

O progenitor acidental do estilo blogorreico é David Foster Wallace. O que distingue a prosa de Wallace daquela que ele gerou é uma fusão do escrupuloso com o tagarela em que todos os nossos coloquialismos, com a névoa de vagueza que projetam sobre o mundo, são postos a trabalhar em prol da exatidão. Para toda uma geração de escritores, o estilo de DFW tornou-se a própria sonoridade do verdadeiro e do sincero, como – de forma oposta – tinha ocorrido com as afirmativas secas e o vocabulário simplificado de Hemingway para outra geração. Mas um estilo individual, seja ele palavroso ou conciso, pode acabar gerando um maneirismo generalizado, e o que um dia foi um caminho para dizer as coisas bem e de modo verdadeiro torna-se uma pista cheia de obstáculos. No caso do estilo blogorreico, as pressões institucionais e tecnológicas coincidiram com o exemplo de Wallace. Os blogueiros (o que equivale mais ou menos a dizer os escritores) tinham que lidar com pouca ou nenhuma instância de edição e, caso blogassem por dinheiro, precisavam produzir muito. Essa combinação desencorajou as virtudes estilísticas da concisão, da seletividade e da impessoalidade.

É aí que entra – ambiguamente – o Twitter. O limite estrito de 140 toques (ou menos, se você quiser ser retuitado) definiu o serviço desde seu lançamento, em 2006. O tweet é uma forma literária cuja arbitrariedade é digna do Oulipo, e a camisa de força da forma determinou a esquizofrenia do conteúdo. Um tweet é tão curto que você deve ir direto ao ponto – mas tão curto que, pensando bem, por que precisaria ter um ponto? As propriedades formais do Twitter se inclinam assim, simultaneamente, em direções opostas: no sentido do essencial mas também do supérfluo, do conciso e ao mesmo tempo do verborrágico.

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