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Ubaldo: ‘Meu santo não cruza com o de Rosa’

09/07/2011

Foto de Walter Craveiro/Divulgação

Na mesa mais divertida da Flip, como estava previsto, João Ubaldo Ribeiro, 70 anos, contou histórias, cunhou frases de efeito, fez piadas consigo mesmo e com o entrevistador – seu amigo e também escritor Rodrigo Lacerda – e, de forma surpreendente, ousou falar mal do intocável Guimarães Rosa, que já foi apontado como influenciador de “Sargento Getúlio”, um de seus livros mais conhecidos. Em compensação, furou também o balão mitológico em torno de sua própria obra-prima, o romance “Viva o povo brasileiro”, ao dizer que a motivação para escrevê-lo foi apenas a de “fazer um livro grosso”.

A última pergunta da noite, encaminhada por alguém do público, foi um anticlimax que, paradoxalmente, funcionou: “Qual é a importância da literatura na vida das pessoas?” Resposta: “Longos anos de afeto nos unem, Rodrigo Lacerda, pra que eu possa lhe dar uma resposta apropriada”. Seguiram-se aplausos de pé numa Tenda dos Autores lotada, com uma chuva de assobios e gritinhos pontuando a evidência de que, tendo passado anos brigado com a Flip, um dos maiores escritores brasileiros vivos estava fazendo falta em Paraty.

Abaixo, uma lista de seus melhores momentos:

“Em primeiro lugar, acredite se quiser, eu jamais tinha chegado nem perto de um livro de Guimarães Rosa quando escrevi ‘Sargento Getúlio’. Depois cheguei perto de vários, mas Guimarães Rosa não está entre os autores do meu afeto, da minha preferência. Não no sentido de que eu o ache um autor inferior ou secundário, mas não me fala. Num casamento que eu tive, minha ex-mulher era fã de Guimarães Rosa e me deu para ler ‘Primeiras estórias’. Eu sempre tive ódio mortal a essa palavra, ‘estórias’. Abri num conto e comecei a ler: ‘A viagem fora planejada no feliz’. Pronto, eu disse (faz um gesto de fechar o livro), não leio mais nunca. E nunca mais li. Eu sei, porque pessoas da família dele me contaram, que Graciliano Ramos sofria noites em claro para fazer um diálogo verossímil no sertão, mas que não errasse pronomes. Acho que Guimarães Rosa deu um pulo gigantesco nesse sentido, libertou. Uma coisa é o meu santo não casar com o dele, e outra é a avaliação que eu faço da importância dele na literatura brasileira. Eu seria um completo desvairado se dissesse que Guimarães Rosa é um escritor menor.”

“Eu não só era engajado (ao estrear na ficção, em 1963) como mudaria o destino da humanidade em mais três ou quatro anos. Quando comecei, eu não só ia ser um grande escritor imediatamente como ia ganhar em dez anos o Prêmio Nobel. Mas o sucesso e a repercussão são coisas um pouco difíceis de traçar. Às vezes o sujeito é muito bom escritor e não passa de cem ou duzentos exemplares, às vezes é o contrário. Jorge Amado era ateu, mas quando se perguntava a ele o que era necessário para um escritor, ele nunca deixava de finalizar com ‘um pouco de sorte’. Tem sempre algo imponderável.”

“Eu era um sujeito com muita energia, muito ligadão, produzia com uma facilidade enorme. Tinha escrito ‘Vila Real’ e passei na antiga Nova Fronteira, minha editora, e lá estava o Pedro Paulo de Sena Madureira, que me disse: ‘Vocês, escritores brasileiros, só escrevem livrinhos para ler na Ponte Aérea, queria ver escreverem um livro grande’. Eu gostaria que esta fosse uma história mais bonita de contar, mas a gênese do ‘Viva o povo brasileiro’ foi fazer um livro grande pra esfregar na cara do Pedro Paulo, coisa que efetivamente fiz. Antes de entregar, pesei a pilha de originais: seis quilos e setecentos. Às vezes me irrita dizerem que eu quis reescrever a história do Brasil do ponto de vista do oprimido. Eu não quis reescrever nada, eu quis fazer em primeiro lugar um livro grande. Queria um romance bem escrito. E grosso.”

“Encomenda gera livro, cheque gera inspiração.”

“O grande Ubaldo é um sujeito inteligente, simpático, educado, sem grandes neuroses, afável, solidário. O pequeno Ubaldo é um canalha que vive me perseguindo e que eu já tentei botar pra fora de casa várias vezes e ele não vai.”

“Às vezes me perguntam: ‘Como é que você escreveu tão bem aquela cena de homossexualismo (em “O sorriso do lagarto”)? Dei pra responder que treinava com os amigos. Eu não preciso parir para descrever um parto.”

“Tenho medo do ser humano pilotando seu próprio destino. Tenho muito medo. Nós somos uma especiezinha muito criticável. Todos nós somos uma contradição imensa. A nossa ruindade animalesca prevalece, apesar da racionalidade. Nós estamos aqui conversando, convivendo pacificamente, mas um elemento ínfimo qualquer poderia nos transformar a todos em assassinos uns dos outros. Nós vivemos fazendo esse tipo de coisa, não aprendemos nada, continuamos a repetir as mesmas atrocidades.”

16 Comentários

  • EDMUNDO JOSE SANTIAGO 09/07/2011em22:32

    O GRANDE JOÃO UBALDO RIBEIRO, EXCULHANBANDO, ESBANJA ERUDIÇÃO E FILOLOGIA

  • carlos cunha 10/07/2011em06:24

    E viva o povo UBALDIANO.

  • Daniel Martin 10/07/2011em07:50

    Acho que sou um cara de sorte de poder dizer: sou contemporâneo do Ubaldo.

  • maria lima passos 10/07/2011em08:54

    joäo ubaldo foi meu contemporaneo no curso ginasial e eu sempre soube
    que, inteligente e engracado como era, ele um dia seria famoso, célebre
    e reconhecido como um grande escritor. Gosto também demais das suas
    cronicas; morro de rir quando as leio.

  • Heitor Bonfim 10/07/2011em08:57

    Que convers mais nonsese!

  • Heitor Bonfim 10/07/2011em08:58

    Que conversa mais nonsense! (porcaria de teclado)

  • sergio a. hickel 10/07/2011em09:50

    Grande Ubaldo,honesto,sábio,e como tal sabe rir de si próprio.Tem consciencia de sua propria dimensão como ser humano e escritor.
    Não se deixa seduzir pela posteridade,um anti mito.

  • marcelo ac 10/07/2011em18:25

    Quando li “Viva o Povo Brasileiro”, percebi logo que se tratava de um grande escritor. Li o livro com um dicionário do lado, no colo, e não me arrependo. O livro é sensacional e o homem continua dando um show de literatura e humanidade, esses anos todos. No nosso cenário atual, não conheço escritor brasileiro maior do que ele!

  • Norberto 12/07/2011em07:00

    Por causa da FLIP acabei comprando o livro dele: Sargento Getúlio.

  • Anonimo 12/07/2011em22:40

    Até o nome do Diadorim baiano é roseano: RiUbaldo

  • Heitor 13/07/2011em10:58

    Não entendo, Ubaldo diz que escreve livro só para ter um livro grosso no currículo, e leio claramente a mensagem subliminar: “os idiotas compram, então escrevo”. Falta amor próprio para os brasileiros e leitores em geral.

  • Heitor 13/07/2011em11:01

    “Grosso no currículo” saiu sem querer senhor moderador.

  • Paulo Francis 13/07/2011em15:37

    Ruy Castro ou João Ubaldo Ribeiro, quem é melhor?
    Não sei dizer…