Aconteceu de novo. Algum dia um pesquisador terá que investigar por que nós, brasileiros, temos essa incompetência atávica para organizar uma simples venda de ingressos.
Quem não tiver paciência para detalhes escatológicos deve pular este post, breve resumo de uma manhã tensa – no fundo besta – de terça-feira.
O site da Flip anunciava a venda pela Ingresso Rápido a partir de hoje às 9h. Um amigo que ligou antes dessa hora conseguiu, após esperar numa fila de cinqüenta pessoas, ser atendido – “um momeiinnnto!” – pelo call center da empresa, no (11) 4003-1212. Foi informado de que a venda começaria às 10h e o obrigaram a desligar. Depois disso, claro, só encontrou linhas ocupadas.
Observação importante para que o suspense de thriller fique completo: as mesas mais concorridas, como vimos em outros anos, costumam se esgotar em poucos minutos. Nessa situação, cada ligação telefônica que cai é acompanhada de acordes funestos, cada segundo de espera na porta de um servidor superlotado cai como grão de areia na ampulheta do Juízo Final…
Àquela altura, o site ingressorapido.com.br não mencionava Flip nenhuma. Não mencionava às 9h. Continuou não mencionando às 10h. Às 10h31, finalmente, apareceu uma página dedicada ao evento. Uma página secretíssima, sem chamada na home, banner, nada, mas ainda assim era possível a um cidadão muito chato e renitente – eu, por exemplo – encontrá-la pelo sistema de busca do site. Agora, 11h15, vejo que a Flip finalmente chegou à primeira página da Ingresso Rápido. Parabéns, moçada! No mais, é ter calma. O site está lento, certamente congestionado.
Não sei por que estou reclamando. Consegui fazer a compra que queria – quer dizer, acho que sim, embora ainda aguarde um email de confirmação – perdendo menos de duas horas e 90% das reservas semanais de paciência. Já houve anos piores, acho que estou no lucro. Será que quem correu para os velhos postos de venda ao vivo, ingresso de papel contra dinheiro sonante, teve melhor sorte? (Adendo às 13h22: teve nada! A manhã de cão do Fernando Molica, que ele relata com riqueza de detalhes em seu blog, foi bem pior.)
Mas a pergunta mais pertinente nem é essa. Na verdade, são várias. Por que, ano após ano, a Flip obriga seus empolgados fregueses a passar por situações tão kafkianas? Será que é isso mesmo, uma sutil homenagem performática ao grande autor tcheco? Ou só uma cavalar incompetência?
27 Comentários
Fantástico o texto, Sérgio!
Ri bastante (certamente porque não me aventurei nesta epopéia)!
Boa sorte a quem pretende ir.
É só uma cavalar incompetência…
é só uma cavalar incompetência brasileira…
O que eu acho mais bizarro é essa comoção toda em um país onde ninguém lê. Para essas pessoas, a Flip é só uma butique, um lugar para ir reclamar porque o Coetzee foi “antipático”, não sorriu e não tirou fotografias com nenhum turista de camisa florida, Havaianas e livro do Contardo Calligaris debaixo do braço…
Sérgio, entre homenagem kafikiana e pura incompetência brasileira… bem, é de longe o segundo ítem.
Se bem que a incompetência brasileira para organizar eventos de uma modo geral beira os absurdos de Kafka em termos de surrealismo, absurdos e loucuras burocráticas do nosso mundo administrado… mal e porcamente administrado, diga-se…
Boa sorte e divirta-se por lá.
Pura incompetência da organização. Mas depois de 4 horas de fila(Modern Sound), consegui os ingressos que queria! Flip, aqui vou eu!
É uma incompetência sem tamanho, ao lado de uma arrogância sem tamanho. Eu fui à primeira Flip. Comprei os ingressos por telefone. Paguei com depósito bancário. Cheguei lá e fui informada de que, “por engano”, eu teria que ver o Hobsbawn pelo telão, e não na sala para onde tinha comprado os bilhetes. Na segunda Flip, madruguei no telefone para conseguir os ingressos que queria (consegui). Na terceira, segui a seqüência funesta que o Sérgio descreve. Depois disso, desisti.
Não vou dizer que o problema seja incompetência (técnica ou administrativa), mas antes uma imprudência. É preciso considerar a ansiedade do público. O problema seria evitado se colocassem no ar a estrutura de vendas on-line, antes de divulgarem o dia tal, hora tal etc.
Conclusão: a Flip é uma roubada!
Qualquer lugar cheio de gente, pra mim, é roubada. Flip, show em estádio ou shopping center, tanto faz…
A Classe Média brasileira é tão babaca, merece mesmo ser tratada dessa forma. Se fossem pessoas com vergonha na cara, não comprariam o ingresso, boicotariam a FLIP. A Classe Média é que nem mulher de bandido: quanto mais apanha, mais gamada fica. Eu nunca fui à FLIP e nem pretendo. A cidade de Paraty, já de si normalmetne cara, vira uma arapuca financeira. Além disso, detesto cheiro de maconha. Enquanto a Classe Média corre pra cima e pra baixo sobre as pedras de Paraty, num afã incontrolável de ver, ser vista, ver, ser vista, ver, ser vista, ver… Eu fico em casa, lendo um livro qualquer. Infinitamente mais produtivo.
Vejam vocês que o rapaz ali do outro blog conta com um timing digno de Dan Brown suas desventuras para conseguir os ingressos (ver, ser visto, ver, ser visto, ver, ser visto, ad infinitum, ad nauseam), mas no fundo de tudo há um gôzo, um prazer melado em ter passado por tudo isso, por finalmente conseguir entrar na arapuca. Afinal, um ingresso para a FLIPelândia, a Terra Prometida da Literatura do lado de baixo do Equador, é garantia segura de um verniz hype.
Há algo de masoquista (ou de complexo de vira-lata, como diria o velho Nelson) na vontade de atribuir toda incompetência ao fato de sermos brasileiros. Será que os americanos são incompetentes quando formam filas de madrugada para assistir à final de basquete da Champion League? Quando os franceses tentam ver filmes no festival de Cannes e enfrentam filas quilométricas? Quando os ingleses penam por 48 horas na porta das lojas de CDs para adquirir um ingresso para a última, derradeira, definitiva turnê mundial dos Rolling Stones?
Caro Daniel, em primeiro lugar, bem-vindo de volta. Em segundo, seus argumentos são respeitáveis, mas acredito haver, sim, uma grande diferença entre as situações expostas. Fazer fila porque a procura é maior do que a oferta é do jogo. Ser desrespeitado sistematicamente em relação a horários e regras da brincadeira, num Calvinbol em que os pontos vão sempre para o lado de lá, me parece infelizmente um traço bem brasileiro. Ou, se não apenas brasileiro, característico de sociedades em que as pessoas se submetem a ser tratadas como gado. Não é em qualquer lugar que isso acontece, eu posso te garantir. Não há, de minha parte, o menor traço de masoquismo ou complexo de vira-lata nesse reconhecimento. Há exatamente o oposto – inconformismo, cobrança. Faço a minha parte. Se mais gente estranhasse não estaríamos nesse pé. Um abraço.
Podia mesmo era chegar o dia em que essa fila se formasse nas livrarias e os blogs congestionados fossem os de literatura…
Parati não combina com essa odisséia e fila por fila, vou encarar a do Maraca pra ver o Flu na final da Libertadores…
Boa sorte aos insistentes aventureiros!
Oi, Saint-Clair, eu gosto muito de ler seus comentários. Mas esse achei um pouco exagerado… Quando puder, vá à Flip para ver que sua idéia do evento passa um pouco longe da realidade. Claro que sempre vai haver gente do tipo “ver e ser vista” (tive a infelicidade de me sentar ao lado da Marisa Orth durante o Hanif Kureish e precisei pedir para a mulher fechar a matraca pra poder escutar o que o outro dizia). A Flip é legal porque, além de respirar literatura nas tendas, você saca que a maioria das pessoas está ali pelos livros, sim, pelos escritores, sim. E compra livros, e troca idéias, e tira fotos com os caras, e se interessa pelo que eles dizem. Olha, eu sei que é piegas, mas dá gosto de ver. Abraço!
É isso aí, Isabel. Nem sei se essas pessoas são a maioria, mas são mais que suficientes para fazer o mais empedernido cético voltar de lá com as baterias recarregadas. Com todos os problemas, é sempre bonita a festa, pá. Um abraço.
O que a Isabel escreveu e o Sergio ratificou é o que estou esperando encontrar em Paraty. Estou curiosa e cheia de vontade de conhecer essa festa literária.
Olá Sérgio,
Gostei do “um momeiinnnto!” do centro de atendimento (11) etc. Sutil.
Abraço.
Oi Isabel,
Pode ser que eu tenha exagerado. Mas, embora não tenha nunca ido à FLIP (nem pretender ir em um futuro a médio prazo), um monte de amigos vão e eu peço os detalhes, claro. Daí a imagem que formei na minha cabeça.
Abraços!
Já fui a Flip e adorei temos que valorizar mas os eventos feito pra família pois temos tão poucos levei meus filhos e eles tb gostarão..
Estive na primeira FLIP e o evento não tinha nada a ver com o de atualmente. Após a segunda edição, ele se transformou em “business” e badalação. É uma pena que agora a gente não possa nem chegar perto…
Ei! Não fui eu que escreveu o comentário anterior; aliás, nunca fui à Flip, nem à Flap, nem à Flop.
Será que tenho um duplo?
“Já fui a Flip e adorei temos que valorizar mas os eventos feito pra família pois temos tão poucos levei meus filhos e eles tb gostarão..”
G-Zuis!
contemporânea » Blog Archive » De malas prontas para a Flip
Caro Sergio Rodrigues, muito bom o post. Mantenho um site de divulgação da FLIP. É pura incompetência. Ou despreparo. Ou descaso. Estive num dos pontos de venda à primeira hora. A moça da ingresso rápido nem sabia que as vendas para a FLIP começariam naquela manhã. Não é culpa dela, foi tudo feito em cima da hora. Na véspera, a Ingresso Rápido ainda não sabia nem como seria a venda aos patronos. Tenho certeza que centenas de pessoas compraram ingressos para a conferência do Swarcz (ingressos da tenda do telão esgotados, quando ainda havia até para o Neil Gaiman na dos Autores) achando que valiam como entrada para o show do Luiz Melodia. No ingresso do Swarcz estava escrito: “show de abertura”. Mas são ingressos distintos. Os para o show do Luiz Melodia só começaram a ser vendidos após às 11h30, depois que liguei para a Assessoria de Imprensa da FLIP relatando o problema, da minha insistência e colaboração da atendente da Ingresso Rápido que após vários telefonemas, começou a vender os ingressos para o show. A história está lá no http://flip2008.recorte.org
Um abraço
Fui à FLIP no ano passado.Fiquei num albergue e comi num kilo.Assisti e gostei da abertura.Vi palestrantes no telao e Chacal e Olbao in living,mas nao vi diferença.Ouvi Nelson Rordrigues numa pedra do lado de fora da barraca.Adoro ler,nos intervalos ia à Livraria da Vila e ficava lendo os livros em pé.Nao cheguei perto de nenhuma estrela.Fiquei com dó dos moradores da cidade.Nao pretendo voltar.
Isso é uma vergonha, como diria Boris Casoy. Também não entendo. Desde 2004, quando fui pela primeira vez à Flip, os dias de comprar os ingressos sempre foram tensos. No primeiro ano fiz a compra por telefone, depois de horas tentando, mas não consegui todas as mesas que queria. No segundo, passei seis horas em uma fila imensa na Americanas do shopping Iguatemi. Ridículo! Nos outros anos, as filas se repetiram, inclusive este ano. No dia 10 minha amiga Chele foi para a porta da Fnac Pinheiros às 8 da manhã, sofrendo com uma gripe infernal, mas crente de que assim iríamos garantir os tão sonhados ingressos. Eu, em casa, tentava pela internet e telefone. Nada! Resolvi fazer-lhe companhia. Ela foi descansar e eu fiquei junto de mais um monte de gente na fila. Às 10 horas, quando abriram a loja, os computadores deram pau, depois as impressoras. Já passava da uma da tarde quando consegui comprar ingressos para três míseras mesas. Voltei desolada para casa. À tarde, numa última tentativa, resolvi entrar no site e aí sim os ingressos estavam disponíveis. Consegui as salas que mais me interessavam, mas deparei com um detalhe: comprando mais de 10 ingressos só poderia efeturar o pagamento pelo Bradesco Visa Electron! Só depois de tirar minha amiga do repouso merecido – pois só ela tem conta no citado banco – consegui fechar o pedido. Realmente é uma gincana sem sentido. Por que precisamos ser penalizados? Será que não existe um jeito de corrigir isso? Uma idéia seria assim que você faz a reserva na pousada ganharia uma senha, algo assim, que lhe garantisse um mínimo de ingressos. Enfim…