Devo a uma repórter que teve recentemente a desfaçatez de me fazer uma pergunta batida – “Qual foi o primeiro livro inesquecível da sua vida?” – o retorno de uma memória poderosa que se encaixa bem na discussão que andou rolando na caixa de comentários do último post, sobre a importância da embalagem e dos apelos extraliterários na descoberta dos livros. Porque foi exatamente isso, uma descoberta, o que eu fiz quando, aos sete anos de idade, decidi subir numa cadeira para alcançar aquele portentoso volume de capa dura na estante de meus pais, chamado “A Divina Comédia”.
Calma, não vou dizer aqui que li Dante aos sete anos. Imagino que tenha no máximo passado os olhos pelas palavras, sem nada entender. O que me fisgou – e me fez voltar repetidamente ao livro, anos a fio – foram as ilustrações do francês Gustave Doré (1832-1883), principalmente as do Inferno. O Inferno de Dante segundo a visão gótica e romântica de Doré revelou aos meus olhos um território estonteante de terror e sensualidade. Imagino que o impacto não seria o mesmo para as crianças de hoje, com seu acesso mais ou menos livre a imagens fortes, mas, naquele finalzinho dos anos sessenta, eu não tinha a menor idéia de que uma coisa daquelas pudesse existir. De repente meus sonhos ficaram mais atormentados, o mundo mais perigoso – e mais excitante.
Hoje percebo que, embora os versos de Dante não tenham entrado no jogo, o que se deu ali foi mesmo uma descoberta da literatura. Porque depois daquilo eu estava vacinado por trezentos e oitenta anos contra essa balela tão difundida de que livros são coisas chatas.
14 Comentários
eu também, sérgio. a única diferença é que eu tinha quinze anos, e não sete, como você.
contemplei as gravuras e li também o texto. a partir daí, começou o paraíso dos livros.
grande abraço.
Sérgio, falando de Inferno e crianças (não tão crianças, espero), vi esses dias o projeto Livroclip, justamente com a “propaganda” do inferno. Achei uma iniciativa muito interessante. Link abaixo, caso não conheça: http://www.livroclip.com.br/index.php?acao=hotsite&cod=18
No início da década de 50, com uns 10 anos de idade, li O Morro dos Ventos Uivantes em quadrinhos, dentro da coleção de revistas “Edição Maravilhosa”. Uma frase dizia que uma mulher tinha tido um filho, mas morreu de parto. Fui perguntar à minha mãe que doença malvada era essa, chamada parto, que matou o neném. Horrorizada, ela queria saber onde eu tinha lido aquilo e esclareceu que parto era uma doença que só dava em senhoras casadas. Fiquei contente de saber que a criança não tinha morrido. Daí para a frente a Edição Maravilhosa foi proscrita e eu tinha de ler às escondidas. Assim começou uma paixão pela Literatura. Lina Vianna
diante das polêmicas que surgiram nas últimas semanas nesse blog, estou no aguardo de um evangêlico fervoroso deixar suas impressões sobre o Inferno de Dante na caixa de comentários.
Olha, também tenho uma lembrança bem impactante da primeira vez que pus no colo uma versão ilustrada da mesma Divina Comédia. E o interessante – principalmente para o debate que tem sido travado aqui – é que cheguei no livro, pasmem, através de uma revista do X-Men, em que os heróis eram levados às profundezas do inferno descrito por Dante!
Como já disseram antes, literatura é, antes de tudo, referência.
Muito justo, Carlos. E sob o mesmo (e outro) aspecto, compartilho esta lembrança de Nabokov; “Entre os 10 e 15 anos, em São Petersburgo […] meus heróis eram o Scarlet Pimpernel, Phileas Fogg e Sherlock Holmes”. Muitos os considerarão literatura de baixa qualidade (por sua popularidade). Em suas “aulas de literatura” Nabokov também analisa “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. Quem sabe o “Crepúsculo” não tenha ainda alguma chance?
Já que estamos no tema, essa vai para o Tibor (ele entederá): amanhã, o jornal britânico The Daily Mail, começa a serialização de “The capture of Cerberus“, um conto perdido (e reencontrado) de Agatha Christie.
Depois de mais 3 décadas, Poirot volta à vida.
Eu tinha mais ou menos a mesma idade quando passei os olhos pela primeira vez em A Divina Comédia. As ilustrações me causaram a mesma impressão. Ainda hoje tenho esse volume, guardado e preservado. Trata-se de uma edição de 1962.
mostrei ao meu filho de 6 anos as gravuras de A Metamorfose adaptado por Peter Kuper e ele parece ter gostado muito. será que se lembrará disso daqui há 30 anos???
Meu primeiro e inesquecível livro foi Jeca Tatu, um livreto, na verdade, do Biotônico Fontoura, que, aos oito anos, li e reli inúmeras vezes na fazendo de meu avô no Paraná.
Infelizmente não posso recomendar por que acho que é edição, senão esgotada, perdida definitivamente na memória dos porões tempo e nos entremeios das estantes do pseudo literário. É sério!
pasmei! me reconheci agora. eu também “estive no inferno criança”. e olha, foi muito similar… foi o primeiro livro marcante da minha vida, curiosa que sou, devia ter uns 10 anos, peguei o livro no alto da estante da sala, abri-o e me interessei pelo mesmo fato: as ilustrações de Diego Goldberg , principalmente as do inferno. incrível, não?
Me senti um lixo agora… (ou é senti-me um lixo agora?).
Seis anos? Sete anos? Dez anos? Meu Deus…
Vocês são o que? Até os 18 anso eu só lia HQs… Meus primeiros livros foram “A metamorfose” de Kafka e “A paixão segundo GH” de lispector. Dezenove anos povo… e vocês abaixo dos Dez?
Eu li a “Comédia” com 22 anos…
Hoje tenho 29…
🙁
A propósito, os capítulos da Divina Comédia vão virar game.
O primeiro game será Dante’s Inferno, obviamente inspirado nos circulos infernais criados pelo poeta Dante.
Sai para PC, Xbox 360 e PS3 em 2010.
É da Capcom.
Primeiro livro??? Bom, foram primeiros livros – do Orígenes Lessa, com todas as suas deliciosas e lambuzadas aventuras. E também Os Meninos da Rua Paulo, que a propósito eu reli na semana passada. Me disseram que tudo o que a gente precisa na vida podemos encontrar neste livro. Será???
Realmente, lembrei q em casa também tínhamos uma edição com essas ilustrações. Ficava apavorado/fascinado com aquelas figuras padecendo nos infernos… mas não nos esqueçamos dos rostos, das fisionomias que nos faz nos arrepiar de medo.