De hoje até o dia 11, com renovação diária, o Todoprosa é dedicado a uma retrospectiva da seção “Sobrescritos” – rubrica sob a qual se agrupam desde a estréia do blog, no já distante ano de 2006, pequenos textos ficcionais, crônicas e rabiscos de gênero indefinido, unificados pelo fato de tratarem de escritores, leitores, de ler e de escrever. Talvez por serem menos perecíveis que o material publicado normalmente em blogs, ou quem sabe por outra razão insondável, os “Sobrescritos” costumam merecer dos leitores pedidos freqüentes de republicação, e alguns dos mais votados (como “A blogueira e o estruturalista” e o conto que lançou o inefável Lúcio Nareba, chamado “A epígrafe”) andaram ganhando uma segunda edição nos últimos meses. A atual retrospectiva se limita aos textos que nunca foram republicados aqui no blog (embora muitos tenham dado voltas por aí, principalmente na revista gaúcha “Norte”) e marca o começo do ano em que, tudo indica, os “Sobrescritos” vão finalmente virar livro de papel. Divirtam-se.
– Você vai passar o resto dos seus dias numa ilha deserta e pode levar um livro – ela diz.
– Um só?
– Um só. Qual você escolhe?
Ele pensa um pouco.
– Nenhum.
– Como, nenhum?
– Nenhum. Não vou ler, morto não lê.
– Não – ela ri – quê isso, na ilha tem comida à vontade, você não morre. Só fica lá de bobeira, vivendo superbem e… lendo um livro.
– Pode ser que você fique lá, lendo esse livro. Eu não fico porque me mato antes.
– Se mata…
– Mato, mato. Um livro só? Mil vezes a morte.
Ela fica meio desconcertada porque é a primeira vez que um homem bagunça assim o seu teste, mas acaba decidindo que gostou, gostou muito, mais até do que se ele dissesse Estrela da vida inteira, Em busca do tempo perdido ou outra das respostas que ela costumava classificar como “certas”. Olhando para o homem do outro lado da mesa do restaurante, vê alguém que nunca viu antes. Pela primeira vez tem vontade de beijá-lo e pensa, sentindo uma moleza nos joelhos, que a noite promete.
Enquanto isso, ele fica matutando que a idéia de um único livro sobreviver ao fim do mundo deve ser mesmo insuportável. Está até um pouco espantado, quase eufórico: caramba, acho que não dei apenas uma resposta espirituosa, isso é uma tremenda verdade! Um livro só? Melhor morrer. Quer anotar a idéia num guardanapo, depois desiste, distraído com o decote que se descortina do outro lado da mesa. E também pensa que a noite promete.
Agora a promessa já se cumpriu. Na cama dele, sob o lençol amarfanhado, ela ronrona, cabelos espalhados em seu peito, enquanto ele fuma. É o momento daquela volta lenta ao mundo da linguagem articulada, depois da rendição momentânea aos grunhidos da selva. Foi bom, foi muito bom. E ele fala:
– Sabe aquela história da ilha deserta?
– Hmm.
– Eu disse que me matava se tivesse só um livro…
– Ah, eu adorei. Nunca ninguém me respondeu assim.
Ele fica uns segundos em silêncio, espreme o cigarro no cinzeiro.
– E se fosse um game?
– O quê?
– Se em vez de um livro eu pudesse levar um videogame. Um só. Sabe qual seria?
Ela ergue a cabeça do travesseiro peludo do peito dele. Sente frio de repente.
– Hmm.
– Sonic 2. Sou louco pelo Sonic 2. É antiguinho, mas eu podia ficar a vida inteira fazendo aquele porco-espinho pular…
Diz isso e, com um sorriso, se deixa levar pelo sono: menos de um minuto depois está ressonando.
Ela pula da cama. Arrepiada de frio, sai andando nua pelo apartamento, que mal teve tempo de ver quando chegaram, ocupados que estavam em se morder, arrancar as roupas e atravessar a sala na direção do único quarto.
A sala tem um sofazinho de dois lugares. Uma poltrona, jornais espalhados pelo chão. Uma estante pequena com prateleiras tomadas por garrafas de cachaça, licor, uísque, canecão de chope com o escudo do Flamengo, CDs. Ah, sim, um livro também. Um livro solitário. Ela se aproxima, temerosa, e lê na lombada, à luz fraca da rua que entra pela janela: Onze minutos, de Paulo Coelho.
Mas já é tarde demais.
6 Comentários
Coitada.
(Feliz Ano-Novo)
Não li Onze Minutos. Quando estava no Ensino Médio e ainda não sabia ler, degluti Diário de um Mago e O Alquimista. O último foi Verônica Decide Morrer, que privilegia a loucura e o sexo em prejuízo da magia, o que me agradou.
Mas se hoje deparasse com um livro de Coelho, de Augusto Cury ou de qualquer outro autor de auto-ajuda e baboseiras afins, na estante da parceira, certamente broxaria.
Vida longa aos Sobrescritos e ao Todoprosa!
Bruno, no ensino médio também tive de ler Diário de um mago e O alquimista, que, junto de A ilha perdida, de Maria José Dupré, e milhares de HQs (DC, Marvel, Bonelli, Valiant), para mim foram o início de tudo na literatura. Os dois do Paulo Coelho eu devo a uma professora fantástica, chamada Sonia Terra, que nem era ligada às disciplinas de língua portuguesa e afins.
Olho para minha estante e conto: um, dois… nove livros de Paulo Coelho. Todos foram comprados e lidos por minha esposa. Eu só li um: “O Monte Cinco”. Mas lá não está o “Onze Minutos”. É bom? É ruim? Não sei. Na minha época o ensino médio era chamado de “Científico” e estes livros ainda não existiam. Fui obrigado, por exigência escolar, a ler muitos “clássicos” que considerei, e alguns ainda considero, intragáveis. Também li, por conta própria ou indicado por amigos, muitos livros que eram considerados baboseiras, mas que eu adorei. Sonhei em me tornar escritor e ainda tenho contos e poesias nunca publicados guardados. Queria ser “intelectual” e por isto blasfemei contra estas “baboseiras” na base do “não li porque não presta”. Hoje sou mais liberal e leio apenas o que me agrada, sendo ou não um clássico. Vivendo em um país com pouco hábito de leitura, acho que o importante é ler, ler e ler. Não importa a qualidade do livro, ele sempre vai te trazer algum aprendizado. Depois do hábito formado, cada um vai, de acordo com sua capacidade, saber separar o que presta do que não presta. O importante é não ficar, como o rapaz da história, com “um livro solitário” na estante.
Um abraço a todos e feliz 2009 .
Marcio Renné.
http://blig.ig.com.br/otariocidadao
No momento leio dois livros.
1- Parapsicologia atual- MILAN RYZL.
2-Deus um delirio Richard Dawkins.
Pensamentos:
Sinto a presunção e a sobranceria de alguns gentis.
Que se propalam ser de raças especiais.
E defendem com intensidades pueris.
Raças e povos de passados bestiais.
Apegam-se a molambos e farrapos ardilosos.
E manuscritos encontrados em catacumbas.
Tentando usar de argumentos cavilosos.
Para manter a humanidade tola e moribunda.
Este seu Deus de mim quero distancia.
Ele aparta, extingue, aniquila e destrói.
E em nome da paz prejulga com arrogância.
E assassino em série transforma-se em herói.
Com alegria declaro que não sou cristão.
E nem muçulmano com grande regozijo.
Sou ATEU declaro com exultação!
Porque este Deus nefasto que agora corrijo.
Não existe, é uma farsa é um Deus bandido.
Que só prega a maldade sendo Deus ou Alá.
E promove a desgraça no mundo dividido.
Que cada dia cria um novo inimigo.
E confunde os ingênuos tanto lá como cá.
Não quero pertencer a estas castas atrevidas.
Que briga há séculos e espalha o ódio pelo mundo.
Prefiro seguir os passos do Jesus ‘O VAGABUNDO’
Que na inteligente parábola do bom Samaritano.
Que salvou o inimigo e curou as feridas.
‘O VAGABUNDO’ falou e ninguém entendeu.
Jogou pérolas aos porcos que chafurdam na lama.
Pois as pérolas são palavras por ele proferidas.
E discernir as palavras do cristo Judeu.
Com o coração inerme e com pura razão.
Só mesmo um homem desprovido de ira.
Este homem só pode ser um simples ATEU.
Que fluência! Um curta e tanto! Onze minutos? Nah, nah, num é comigo! Passo, amigo!
Um Feliz 2009!
Hélio