– Você vai passar o resto dos seus dias numa ilha deserta e pode levar um livro – ela diz.
– Um só?
– Um só. Qual você escolhe?
Ele pensa um pouco.
– Nenhum.
– Como, nenhum?
– Nenhum. Não vou ler, morto não lê.
– Não – ela ri – quê isso, na ilha tem comida à vontade, você não morre. Só fica lá de bobeira, vivendo superbem e… lendo um livro.
– Pode ser que você fique lá, lendo esse livro. Eu não fico porque me mato antes.
– Se mata…
– Mato, mato. Um livro só? Mil vezes a morte.
Ela fica meio desconcertada porque é a primeira vez que um homem bagunça assim o seu teste, mas acaba decidindo que gostou, gostou muito, mais até do que se ele dissesse Estrela da vida inteira, Em busca do tempo perdido ou outra das respostas que ela costumava classificar como “certas”. Olhando para o homem do outro lado da mesa do restaurante, vê alguém que nunca viu antes. Pela primeira vez tem vontade de beijá-lo e pensa, sentindo uma moleza nos joelhos, que a noite promete.
Enquanto isso, ele fica matutando que a idéia de um único livro sobreviver ao fim do mundo deve ser mesmo insuportável. Está até um pouco espantado, quase eufórico: caramba, acho que não dei apenas uma resposta espirituosa, isso é uma tremenda verdade! Um livro só? Melhor morrer. Quer anotar a idéia num guardanapo, depois desiste, distraído com o decote que se descortina do outro lado da mesa. E também pensa que a noite promete.
Agora a promessa já se cumpriu. Na cama dele, sob o lençol amarfanhado, ela ronrona, cabelos espalhados em seu peito, enquanto ele fuma. É o momento daquela volta lenta ao mundo da linguagem articulada, depois da rendição momentânea aos grunhidos da selva. Foi bom, foi muito bom. E ele fala:
– Sabe aquela história da ilha deserta?
– Hmm.
– Eu disse que me matava se tivesse só um livro…
– Ah, eu adorei. Nunca ninguém me respondeu assim.
Ele fica uns segundos em silêncio, espreme o cigarro no cinzeiro.
– E se fosse um game?
– O quê?
– Se em vez de um livro eu pudesse levar um videogame. Um só. Sabe qual seria?
Ela ergue a cabeça do travesseiro peludo do peito dele. Sente frio de repente.
– Hmm.
– Sonic. Sou louco pelo Sonic. É antiguinho, mas eu podia ficar a vida inteira fazendo aquele porco-espinho pular…
Diz isso e, com um sorriso, se deixa levar pelo sono: menos de um minuto depois está ressonando.
Ela pula da cama. Arrepiada de frio, sai andando nua pelo apartamento, que mal teve tempo de ver quando chegaram, ocupados que estavam em se morder, arrancar as roupas e atravessar a sala na direção do único quarto.
A sala tem um sofazinho de dois lugares. Uma poltrona, jornais espalhados pelo chão. Uma estante pequena com prateleiras tomadas por garrafas de cachaça, licor, uísque, canecão de chope com o escudo do Flamengo, CDs. Ah, sim, um livro também. Um livro solitário. Ela se aproxima, temerosa, e lê na lombada, à luz fraca da rua que entra pela janela: Onze minutos, de Paulo Coelho.
Mas já é tarde demais.
*
A reprise deste conto é um mero pretexto para publicar aqui a ilustração, esta sim inédita, do artista gaúcho Gilmar Fraga, responsável por todos os traços da edição de “Sobrescritos – 40 histórias de escritores, excretores e outros insensatos”, que a Arquipélago Editorial lança em março.
57 Comentários
Eu levaria sem duvida PAULO E ESTEVAO livro espirita de Chico Xavier , ditado por Emanuel é simplesmente o melhor livro já escrito
Pô, por que você tirou o “2” de “Sonic 2”? Pode parecer detalhe, mas pra mim, faz a maior diferença na frase! 😉
Paulo Coelho desapaixona até os mais cegos.
Pô livro não né, revista, e de mulher pelada, pois se não tem mulher, terei que tocar punh… e se terei que fazer isso que seja com uma boa inspiração. rsrsrsrsrs
Hahaha. Bem engraçado o conto.
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Uma liçao e uma esperança.Na minha vida!
Essa é fácil, ” Lanterna na Popa” , do gênio Roberto Campos
Se bem que a sugestão de levar revista de mulher pelada tb faz todo o sentido….
Eu levaria o livro a Íncrivel Viagem de Shackleton, pois a determinação de Sir Ernest Shackleton fez com que toda a tripulação do Endurance sobrevivesse na mais inóspita região do planeta e, acreditem se quiser, todos sairam com vida, após o incidente que destruiu seu barco.
COm toda certeza “1808” de Laurentino Gomes este sim é de ler. reler e não conseguir parar.
Excelente conto!!
“A Incrível Viagem de Shackleton” é uma boa pedida, mas eu escolheria… hummmm… um só? Essa é difícil.
Seria “Os Catadores de Conchas”, da inglesa Rosamunde Pilcher. Um livro tocante, humano, que poderia trazer bastante cor pra vida, mesmo em uma ilha deserta.
Quando o livro se aproximava do final, eu lia só um pouco por dia, para fazer durar e desfrutar bem devagar…
“escritores, excretores e outros insensatos” é tão… tão… tão Rubem Fonseca! E por que um excretor seria um “insensato”? Insensato é quem precisa mas não excreta: um anal-retentivo, isso sim!
Eu não levaria um, mas alguns, dentre eles Os Sertões de Euclydes da Cunha, O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro, O Holocausto Coloniais de Mike Davis, O Genocídio Americano de José Chiavannatto, As Veias Abertas da America Latina de Eduardo Galeano e outros.
Muiito dez o conto…gosteiii…
Eu levaria sem dúvida (Sidney Sheldon)…
Mas apenas um seria pouco demais 🙁
Pra uma ilha deserta, se só pudesse levar um livro, eu levava algum que tivesse de tudo – comédia, drama, terror, sexo, violência, destruição, redenção, efeitos especiais…
É… acho que com tanto troço assim, só a Bíblia. Sei lá, sequero leitura erótica, vou lá no Sansão e Dalila ou no Gênese. Se quero suspense, vou lá no capítulo da Santa Ceia. Se quero terror, tem endemoniados pra William Peter Blaty nenhum botar defeito. Se quero ação, tem a fuga dos hebreus ou Davi e Golias. Se quero efeitos especiais, tem as pragas bíblicas, o apocalipse. E se quero dar risada, é só ler o mandamento do “não cobiçarás a mulher do próximo”, provavelmente o mandamento menos levado a sério…
são tantos ,mas com certeza algum relacionado com “como sobreviver em uma ilha” vai que um dia o destino resolve mudar de rumo e me presentear com uma bela companhia .
é o que eu penso.
Somente um livro seria realmente útil: Robson Cruzoé!!!
Se pudesse que levar só um livro, eu não iria para a ilha. Só iria se pudesse levar uma biblioteca. Aí, eu não precisaria de mais nada.
Eu levaria livros de auto ajuda e terror. adoro os generos.
Levaria 10 mil leguas submarinas.
Sérgio, fiquei feliz, ao ler seu perfil completo e descobrir que nascemos na mesma cidade, nossa querida Muriaé. Mas hoje estou fora do país e como voce, eu também já escrevi e editei um livro. Parabéns pelo site!
Ahh e se eu tivesse que levar um livro para a tal ilha deserta, seria “A cultura e o problema humano” de Jiddu krishnamurti. Abçs conterrâneos
Eu gostaria de levar o livro “O Mundo de Sofia” de
Jostein Gaarden, e por que não também, alguns
exemplares de Aúdálio Dantas e Moacyr Scliar.
Vai, que me aparece uma Cereia?
Sugeria levar a historia do Bruxo de Benjamin Constant, para isso esperar o livro sair
Eu levaria um livro de receitas de frutos do mar.
Gostei do conto.O anticlímax foi demais….brocharia até Robinson Crusoe , com ou sem Sexta-Feira.
levaria qualquer coisa do campos de carvalho!
Machado de Assis, trinta melhores contos, pela Nova Aguilar
Levaria SERVIDÃO HUMANA de William Somerset Maugam… Parabéns pelo blog…
William Somerset Maugham…maravilhoso!!!!
Reler Servidão Humana de William Somerset Maugham numa ilha…….O dia amanheceu cinzento e frio….
Quando estou conversando com alguém e descubro que meu interlocutor é daquelas pessoas que, nas tardes de ócio, fica especulando sobre o livro (o único!) que levaria a uma ilha deserta, eu, muito sensatamente, procuro uma desculpa qualquer (quanto mais inverossímil, melhor) e saio de perto rapidinho. Vai que é contagioso…
Eu não aguentaria ler um livro só…
Pelos comentários dá para ver que o nível dos leitores do blog caiu bastante, tem gente falando em Sidney Sheldon…
Bom conto, Sérgio. E boa sacada, Rafael. Mas, de longe, a melhor resposta a esse clássico do naïve continua sendo aquela atribuída ao saudoso Chesterton: “Guia Prático Para A Construção De Navios”.
Ótimo conto, realmente.
Valeu a pena pela reprise do conto; e o desenho é mesmo ótimo!
Se os únicos livros fossem os de Paulo Coelho, eu iria fazer uma fogueira com eles, pq não vejo outra utilidade.
Aiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! Que merda!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Coitada da figura. Eu ia querer me matar. E não teria coragem de contar pra ninguém, só depois de velhinha e sem libido, pras minhas amigas também sem libido. srsrsrsrs
Adorei Sr Ridrigues.
Abraço.
Por razões absolutamente práticas, levaria para uma ilha deserta o portentoso clássico “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, do genial Dale Carnegie.
Continho bacanudo.
Pra uma ilha eu levaria Cem anos de solidão. Não pelo clichê, adoraria decorar a genealogia completa dos Buendía e reescrever, em mente, as biografias de cada personagem do livro.
O comentário mais útil desse conto, interessante a estrutura, mas finalzinho besta e batido. Posso não gostar de Paulo Coelho, mas respeito alguém que vende tanto…melhor do que fingir que gosta de Proust…e alguém que gosta mesmo de ler não faria uma pergunta besta dessas no primeiro encontro…e se a f** foi boa, onze minutos só melhoraria ;D
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Sexta-feira ou os limbos do pacífico, do Tournier, eis um excelente livro para se ler numa ilha deserta.
Com a devida licença do Sergio,
Antonio Xerxenesky escreveu Areia nos dentes e está sendo uma grata surpresa na copa de literatura. Eu o entrevistei no De Bar em Bar, com direito a zumbis, faroeste e Alone In The Dark. Leiam e divirtam-se: http://esooutroblogue.wordpress.com/
“Os Trabalhadores do Mar” e “Servidão Humana” são meus favoritos. Mas levaria um do Joyce para ler, reler, reler de novo…até, quem sabe, conseguir entender as migalhas compreensíveis que ele teve a bondade de espalhar aqui e ali em suas páginas. Ler Joyce é empreitada de uma vida inteira.
A D O R E I !!!!!!!!!!! E ri muito no final!… Deve ter dado uma raiva imeeeeennnsa!!! Tomara ao menos que a noite tenha valido a pena!
muito boa ilustração!….o conto….é um conto ou é uma piada extensa?
quanto à ilustração,é assim que idealiso o Férmim de ” A sombra do vento ” de Zafón .
Eu levaria uma G Magazine…
Adorei! rsrsrs
Adoro o Sonic, mas acredito que ela não ia se decepcionar com a minha prateleira, rs.
Levaria um livro em branco. E uma caixa de lápis.
aham! com tanta coisa para ver nos primeiros dias…meses, maybe anos…
É bom porque é maldoso.
Uma ilha, um livro « Prosa com Cultura