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Vêm aí os romances customizados?

01/11/2010

Há poucas semanas, perguntaram a Don DeLillo como as novas tecnologias digitais estão interferindo na literatura de ficção. Conhecido por sua paranoia e seu pessimismo, o autor de “Submundo” e “Ruído branco” se saiu com a seguinte previsão, que leva o festejado potencial de interatividade dos leitores eletrônicos para dar uma voltinha no inferno:

Os romances serão gerados pelo usuário. A pessoa não só apertará um botão que lhe dará um romance adequado a seus gostos, necessidades e estados de espírito particulares, como também poderá projetar seu próprio romance, muito possivelmente tendo a si mesma como personagem principal. O mundo está ficando cada vez mais customizado, modificado segundo especificações individuais. Esse contexto de encolhimento mudará necessariamente a linguagem que as pessoas falam, escrevem e leem.

A frase de DeLillo, que tinha me parecido apocalíptica demais e até meio tola quando a li, voltou-me à cabeça agora como contraponto a uma opinião de Alberto Manguel citada no artigo “A utilidade da ficção”, assinado por Carlos García Gual no caderno Babelia do último sábado:

Alberto Manguel destaca a importância dos relatos de ficção para uma compreensão autêntica e panorâmica do mundo e de nossa existência acidental. Uma vez que vivemos em um tempo e um espaço histórico muito limitados, a leitura de textos literários nos abre janelas para experiências e mundos de outros horizontes; nos convida a entender, imaginar e viver outras aventuras, dramas e realidades, e assim aprofundar-nos no conhecimento do humano, ou seja, de nós mesmos, para além de nossa circunstância casual e exígua.

A ideia que está por trás da defesa da ficção feita por Manguel – que de resto nada tem de nova – é a do Outro: outras experiências, outras formas de compreender o humano, tudo aquilo que nos faça transcender “nossa circunstância casual e exígua”. Tudo aquilo, vale notar, que DeLillo imagina condenado à extinção numa era digital que, como muitos estudiosos já apontaram, consagra o solipsismo, o mergulho no eu, a reiteração infinita daquilo que já se sabe e a satisfação monótona de sensações familiares.

Para usar uma imagem da física, o movimento da literatura seria centrífugo, para fora, e o do meio digital centrípeto, para dentro. No encontro dessas forças opostas, qual prevalecerá? Foi aí que comecei a achar que o mau agouro do escritor americano pode até ser exagerado, mas nada tem de tolo.

3 Comentários

  • Claudio Soares 01/11/2010em21:25

    Sérgio, nos últimos anos, tenho lido com frequência a seguinte assertiva “o código (da computação) é a nova linguagem”. Romances configuráveis serão realidade, mas “autores” contribuirão com os “building blocks”. À “horizontalização” do romance, proporcionada pela tecnologia, acompanhará a sua “verticalização”, um aprofundamento maior nos temas, no universo dos personagens e uma tentativa maior de entendimento das causas e consequências (através da exploração de cenários) daquele universo ficcional.

  • Foguete de Luz 05/11/2010em19:39

    Eu penso que haverá muitos finais felizes…

  • Alexandre Boure 06/11/2010em20:02

    De qualquer modo se deixa de existir, A customização de espíritos retrocede no que a literatura construiu por décadas e décadas. E isso
    é o que vem mesmo, para trsnsbordar a taça, esculhambar com tudo. Para os verdadeiros escritores restaráa solidão ( o que será cada vez mais difícil de adquirir) ou o suicídio. Esse sim, não cai em modismos.