Acabou que, tanto quebrou a cara por aí, você se viu forçado a reconhecer: não tem nada que saiba fazer melhor nesta vida do que escrever. Construir esculturas de palavras, pequenos objetos, biscoitos ou ensaios para uma futura pirâmide, não importa. De todo modo, escrever. Ficar horas à frente de uma tela em branco e sujar aquela planura, desenhar alguma coisa. Você talvez esteja, quem sabe, até contente com a descoberta disso que gosta de chamar para si mesmo de dom, o que de fato é. Há o que festejar, mas esta mensagem é para quem passou da fase de festa e começa a ficar, hmm, meio preocupado.
Você sabe que uma decisão terá que ser tomada logo, uma decisão simples, sim ou não, A ou B.
A: Sim, vou encarar isso como a razão de ser da minha vida e me dedicar a escrever tão bem quanto possa, enquanto tiver forças físicas e mentais para tanto.
B: Não, obrigado. Fico no amadorismo, o que importa é me divertir, me expressar. Não reconheço valor na corrida insana de vocês, isso que chamam maiusculamente de Literatura. O significado de escrever para mim está acima (ou abaixo, se preferirem, não estou nem aí) disso tudo.
Veja-se que as duas respostas são igualmente corretas, o que significa dizer que são igualmente erradas. Mas têm consequências dramaticamente distintas na vida do cidadão, então convém falar um pouco de cada uma.
Se escolher A, a entrega total, você terá outra bifurcação à frente: virar um doente ou um maluco. O doente sua toda a cerveja que bebeu na vida para construir um barco que não faça água, ou pelo menos um bote, antes de se lançar na caudalosa empreitada. O maluco é maluco o suficiente para, tendo entregado a alma, comprometido tudo, encarar a corredeira confiando só no próprio crawl.
A opção B é a que mais frequentemente conduz a uma vida feliz ou, faltando a felicidade, pelo menos serena. Você escreve e pronto: a ênfase está na ponta do escrever, não na do ler. Você gosta que leiam, claro, de repente tem até um blog, mas não está disposto a se ralar nas ostras da autoflagelação em nome disso.
Em outras palavras: podendo, você que nasceu para escrever deve ficar com B, a resposta mais leve e luminosa, a menos doentia. Mas neste ponto é preciso ter cuidado.
Se você, no fundo, é um caso agudo de A, um A nato de fratura exposta, e por algum motivo escolheu B, não perca tempo: procure acompanhamento médico o mais depressa que puder.
22 Comentários
Tenho feito esse questionamento o tempo inteiro para mim. Não sou louca, disso tenho quase certeza, mas sinto a necessidade impensada de jogar-me nesse penhasco e descobrir se o que escrevo é um dom ou uma paixão que deve ser silenciada. Ainda não sei, infelizmente. Ser poesia hoje em dia, praticamente, é ser como um vento fraco: todos sentem, alguns se importam, nem sempre se perguntam ou comentam, mas ninguém, ninguém o vê.
Boa imagem. Que soprem ventos uivantes nesse penhasco. Abs
Sabe, nem concordo e nem discordo, porém…acho que já superei todos os lados A e também o B. Será que já passei para o lado C? rs
Creio que escrever e ler deve ser inerente a todo ser humano, o problema é que muito pouco arriscam em sair dos 3% que se usam do cerebro.
Para a minha vida, escrever é como surfar para um surfista, tomar uma cerveja para quem é cervejeiro kkkk eu penso…sabe aquele chúlo e antigo ditado? uns gostam dos olhos e outros da remela? rsrsr fico em gostar de ler e escrever, com a possibilidade e com a liberdade de fazer ainda tudo que eu quizer, até tomar uma cevejinha. Prefiro vinho!!!Vai?rs
Beijos
acompanhamento médico urgente.
Muito boa síntese, acho que é por aí a coisa da escrita,
um abraço, boas escolhas,
clara
O diabo é que a gente não escolhe muito, as coisas vão acontecendo e você vai escrevendo sem saber por quê. Depois vem as cobranças, é claro, e você descobre que não te publicam. Então, quando você quer publicar alguma coisa, perdem o teu material todo. Então, você tem que começar do zero novamente, e aí mais maduro, continua escrevendo, sem concessões, e escolhendo a letra B porque não é somente a gente que escolhe, por mais que o penhasco pareça atrair não traindo.
Um breve pensamento para aqueles que “precisam” de tudo certinho. rs
“Não importa se os relogios são moles. Importa que estejam certos.” (SALVADOR DALÍ)
O penhasco afinal pode ser mera ilusão de ótica. É preciso
talento para enchergá-lo e saber voar, do contrário nem o médico
vai dar jeito quando você se esborrachar lá embaixo.
Existe realmente a possibilidade de alguém saber que nasceu para algo e ficar feliz escolhendo não fazer aquilo para que nasceu? Ou a sugestão é que alguém que nasceu para certa coisa poderia exercê-la bissextamente? E isso não seria o mesmo que viver bissextamente? Será?
Difran: Usei a sua imagem do penhasco porque, como já disse o Sérgio,
é muito bonita. Te digo mais: o seu texto é de uma delicadeza que
só mostra o quanto você é mesmo poeta.
Não sei porque me lembrei de Raduan Nassar… (mas isso é outra história)
Um complemento a este “sobrescrito” bem pode ser a coluna “O louco de palestra versus o escritor profissional”, (do Terron):
http://www.blogdacompanhia.com.br/2011/11/o-louco-de-palestra-versus-o-escritor-profissional/ – em se tratando de loucura, basta.
Sérgio Rodrigues sobre o ato de escrever: conselhos medíocres para pessoas imbecis.
Acho que encontramos uma A que escolheu B.
P.S. a ‘Você nasceu para escrever. E agora?’ | Todoprosa - VEJA.com
Enquanto as pessoas inteligentes conseguem freqüentemente simplificar o que é complexo, um tolo tem mais tendência a complicar aquilo que é simples.
O que falo não é poesia, apenas o que não se fala e nem o que se ouve diáriamente.Sei que sou uma pessoa de gostos finos e de atos simples, conheço muito bem o que é bom e uso na minha simplicidade, humildade não generalizada e principalmene na minha realidade.
Escrever pra mim é ser claro e objetivo, dizer o que outros sentem e entendem é também compartilhar o mesmo.Prefiro não acreditar que poesia é isso: arroubo juvenil,uma dor-de-cotovelo,sonhos impossiveis,emoções descontroladas.Infelizmente confundem verdades com bobagem.
Beijos.
Links da semana « Blog da Companhia das Letras
em alguns dias acredito ter escolhido A, em outros acho que sempre viverei no B, querendo ser um A, mas nunca me dedicando o suficiente para ser um A real. Às vezes tenho a loucura do A, me vejo mais como um dos que tenta fazer o barco, por mais que eu confie em meu crawl. às vezes eu só queria ser um B e ser feliz com aquilo que escrevo cada vez mais raramente. mas o que eu amo mesmo, talvez mais do que escrever, já que isso quase nunca me frustra, é ler.
MEU LADO ANARQUISTA GRITA QUE PRECISO LER…ESCREVER…FALAR…NOUTRAS PALAVRAS, SOU A INTERPRETAÇÃO DO DRAMÁTICO MECANISMO HUMANO.SOU A OBSERVAÇÃO DO MOMENTO ATUAL.AFINAL…QUERENDO OU NÃO AS PÁGINAS CONTINUAM E CONTINUARÃO A ESCREVER E DEFINIR ATÉ CERTO PONTO AS ATITUDES HUMANAS.SOU SOCIAL, ANTISOCIAL, POLITICA, RELIGIOSA, ARTISTA…POSSO SER O QUE O MEU EU QUER.NÃO NA MANEIRA FISICA MAIS EM ;LIBERDADE!LIBERTA! SEM AMARRAS, DEFINIDA, EU COM MEU EU.rs
POSSO TAMBÉM SER APENAS UMA ARTE POÉTICA EXPRESSA SOB EFEITO DAS CONQUISTAS E O APRENDIZADO EM CIMA DAS QUEDAS E DAS VITÓRIAS QUE SÃO ROTATIVAS NA VIDA DE QUALQUER MORTAL.TODOS SENTEM ALEGRIAS E ALGUM DESCONFORTO TAMBÉM, DIGAMOS DESCONFORTO POIS “TRISTEZA” NINGUÉM MERECE. rs
SOU TREVA, POR ADORMECER E NÃO SABER DO MEU EU;NESSE MOMENTO EM QUE DURMO.SOU LUZ,QUANDO DESPERTO, CAPAZ DE CRIAR O MEU CAMINHO.ENTRE A PRIMAVERA E O OUTONO SOU O VERÃO,CALOR, VIDA!
Não acho que loucos escrevem, acho que os loucos ( todos somos em menos ou maior grau )se mostram.
Eita cantinho bão esse aqui rsrs MARAVILHA!
No ofense, mas vc se considera A ou B?
Vejamos, mdv. Tive meu tempo de achar que B é que era bom, mas foi no século passado. Nos últimos 12 anos publiquei seis livros (dois deles também no exterior), mas acho que o sétimo é que vai ser o tal. Ah, e fiz da conversa literária (e metaliterária) meu ganha-pão. Algo como AA, talvez? Um abraço.
Eu sempre senti um pouco esta dúvida, mas chega um ponto em que o desejo de por adiante nossos escritos fala mais forte. Tenho um livro publicado pela Editora Multifoco chamado “As Trigêmeas” que me deu percepção suficiente de que o importante não é escrever para guardar no baú e sim para conseguirmos provocar discussões, reflexões e pensamentos em nossos leitores.
Acho que sou muito romântico, pois o A é o que mais me fascina. Acho que legal mesmo é viver intensa e incansavelmente pela obra, pela criação artística. Seja Literatura, Música, pintura etc. Acho que você está de acordo que esse dilema não diz respeito apenas aos aventureiros das palavras, não, Sérgio? Penso em Flaubert, um beneditino das letras, em Balzac, que acompanhava as 15 horas de escrita diária com inúmeras xícaras de café, penso no divino Bach, que morreu quase inteiramente cego devido aos intensos estudos musicais mal iluminados por uma precária luz de vela. Temos, por outro lado, figuras como Sthephanie Meyer, que optaram pelo B, não são de modo algum consumidas pela ‘arte’ que fazem, vivem bem, ganham milhões de dinheiro… O que concluo de tudo isso? Que a opção “A” é para poucos, para pessoas fortes e extraordinárias. Porém eu acredito que há ainda algo bem mais confuso e conflitante do que poder escolher entre o A e o B. É quando não se pode escolher. Quando a criatura se dá conta da cruz que lhe foi imposta e vê que lhe não resta nada senão carregá-la.
Aliás, acho mesmo que as pessoas citadas por mim se encontram justamente aí.
rs. Escolhi insanamente a 1a opção. http://garotadistraida.wordpress.com/