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Da arte de ‘acariciar os detalhes’

Então é só isso? Umas poucas palavras bem colocadas e pronto, ali está o leitor na ponta da linha, anzol cravado na bochecha? Sim, mas também pode ser só isso: uma única palavra em falso e o peixe desaparece nas profundezas para nunca mais passar perto do seu bote. O que vai ser? Em qualquer praia estética, esteja ele muito ou nada interessado em ser acessível a um grande número de leitores, acredito que esta preocupação hab...

Dizer que escrever contos é mais ‘difícil’ é paternalismo

Você já encontrou a afirmação por aí: “É mais difícil escrever um conto do que um romance”. É possível até que a tenha encontrado tantas vezes que já a considere uma daquelas profundas verdades contraintuitivas da existência. Algo como o equivalente literário de “o café da manhã é a principal refeição do dia”, falso axioma que também costuma ser repetido sem que se leve em conta a motivação do publicitário ...

Notas sobre a vocação do ‘livro pequeno’ na ficção nacional

Não há nada no Brasil que se possa comparar à epidemia do tijolo que assola a ficção internacional, sobretudo a americana. Aqui “Viva o povo brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro, de 1984, com suas 640 páginas, é considerado um livro longuíssimo, quase uma aberração. Historicamente temos “Os sertões”, de Euclides, e é verdade que “O tempo e o vento”, de Erico Verissimo, daria um cartapácio para lá de exuberante ...

Em defesa da trama: Vonnegut e uma freira em apuros

Na entrevista que Kurt Vonnegut (1922-2007) viagra online usa deu à “Paris Review”, lida há muitos anos, há um trecho que nunca me saiu da cabeça. Nele o escritor americano, autor de “Matadouro 5”, faz com a verve que lhe era característica uma defesa da boa e velha contação de histórias: Garanto a você que nenhum esquema narrativo moderno, nem mesmo a ausência de enredo, dará ao leitor satisfação genuína, a menos ...

O personagem só faz o que quer? Ah, conta outra!

A primeira referência que encontrei à autonomia dos personagens literários me impressionou muito. Era adolescente, começava a tentar pôr de pé o plano insensato de um dia escrever livros e fiquei boquiaberto ao descobrir que um escritor podia se declarar impotente diante do livre-arbítrio manifestado por criaturas que ele próprio tinha criado. Como assim – então não era o autor que mandava? A revelação constava de um dos p...

A eloquência do silêncio

A importância do silêncio numa narrativa de ficção se manifesta de diversas formas, incluindo as óbvias elipses e subentendidos, pois, como disse Erico Verissimo (que cito de memória), “um dos segredos do romancista é nunca explicar demais”. Tudo aquilo que não é dito oferece à imaginação do leitor – coautor pouco comentado de qualquer obra literária – espaço para se espraiar, ligar os pontinhos, produzir e não ap...

Sobre a precisão

Lendo um texto literário, tento decifrar por que ele me agrada tanto e chego à ideia de precisão vocabular. Será isso? Não, claro que nunca é uma coisa só, mas será isso em primeiro lugar – a precisão na escolha das palavras? O fato de as palavras vestirem as ideias como uma malha justa, roupa de mergulhador, segunda pele através da qual a ideia exibe suas formas com perfeição, quase como se já não fosse a ideia de uma c...

Escrever, cortar, escrever: a concisão e a clareza

“Escrever é cortar palavras”, disse Carlos Drummond de Andrade, mas talvez não tenha sido ele: parece que, na ânsia de enxugar, alguém acabou cortando o crédito. Importa pouco a autoria do conselho. Com essas ou outras palavras, o elogio da concisão é a lição mais ouvida por aprendizes das letras há mais de cem anos. Quer dizer que antes disso o poder de síntese não valia nada? Claro que valia. Os poetas da antiga Gréci...

Entre Narciso e o suicídio, a literatura balança

A literatura é hoje um campo que se questiona de modo histérico, com resultados entre o suicida e o narcísico. O discurso literário parece sentir que perdeu o direito à existência. O que quer que o justificasse perante si mesmo não o justifica mais. Entre as atitudes que o discurso literário toma diante disso, destaco duas que me parecem especialmente significativas: deitar no caixão e declarar-se morto, como um personagem de N...

Textos com franjinha

Num dos curtos ensaios de crítica cultural que escreveu entre 1954 e 1956, reunidos no livro “Mitologias” (Difel), o semiólogo francês Roland Barthes se detém com especial crueldade nas franjinhas exibidas por todos os personagens masculinos do filme “Júlio César”, de Joseph L. Mankiewicz, adaptação hollywoodiana da peça de William Shakespeare, com Marlon Brando (foto) no papel de Marco Antônio e James Mason no de Brut...

Três histórias de fim
Antologia , Sobrescritos / 19/09/2015

Este post, minha despedida do portal Veja, fica apenas como registro. O fim lá é um recomeço aqui, no velho Todoprosa de sempre. Seja bem-vindo(a)! A MULHER DE BOTERO João Pontes, o escritor, olhou um dia pela janela ao lado de sua mesa de trabalho, no nono andar de um edifício na Gávea, e viu na cobertura do outro lado da rua, bem à sua frente, entre vasos de planta, uma mulher de Botero. A visão o desagradou, como o desagradav...

‘A garota na teia de aranha’: há vida após a morte?
Resenha / 12/09/2015

Com mais de 80 milhões de exemplares vendidos e uma adaptação hollywoodiana de sucesso, a trilogia de suspense e ação Millennium, do escritor e jornalista sueco Stieg Larsson, ganha agora um quarto volume: “A garota na teia de aranha” (Companhia das Letras, tradução de Guilherme Braga e Fernanda Sarmatz Akesson, 472 páginas, RS 44,90). Se a notícia é boa ou má para sua legião de fãs, eis um mistério que, como nos bons ...

Que cena! Joyce entra com Bloom na casinha
Destaque , Que cena! / 29/08/2015

A cena abaixo é uma das mais famosas – e infames – de “Ulisses”, do irlandês James Joyce (“Ulysses” na edição da Penguin-Companhia, tradução de Caetano Galindo, 1112 páginas, R$ 50,00). Parte do que a fez tão especial pode escapar aos leitores de hoje, habituados a todo tipo de indiscrição literária: o escândalo provocado nas primeiras décadas do século XX pelo fato de Joyce ter acompanhado o personagem...

Adjetivos são legais
Vida literária / 22/08/2015

Sempre achei que a campanha de difamação movida contra os adjetivos, como se eles fossem responsáveis por toda a subliteratura do mundo, errou a mão e avançou alguns quilômetros pelo terreno da injustiça. “Quando conseguir agarrar um adjetivo, mate-o”, aconselhou Mark Twain, naquele que é um dos mais famosos na longa lista de insultos dirigidos à “palavra de natureza nominal que se junta ao substantivo para modificar o se...

‘Nora Webster’: a grandeza das coisas pequenas
Resenha / 15/08/2015

É fácil reconhecer que “Nora Webster”, do irlandês Colm Tóibín (Companhia das Letras, tradução de Rubens Figueiredo, 398 páginas, R$ 54,90), é um grande romance. Difícil é explicar por que é assim. Em outras palavras, a rendição do leitor às artes e artimanhas do autor é imediata, garantindo uma leitura imersiva e um interesse apaixonado pela protagonista e pelas pessoas que lhe são caras, mas o crítico tem tarefa ...

‘O vento que arrasa’, uma aquarela argentina
Resenha / 01/08/2015

Um carro tem defeito no meio do nada, numa estrada deserta na província argentina do Chaco. A bordo dele vão um pastor evangélico itinerante e sua filha adolescente. Rebocados até a oficina de beira de estrada de um mecânico solitário e grosseirão, que vive ali na companhia de um garoto silencioso, também adolescente, e um número indefinido de cachorros, pai e filha terão que esperar que o carro seja consertado para seguir via...

Que cena! Coetzee e o estupro que talvez não tenha sido
Que cena! / 25/07/2015

“Para um homem de sua idade, cinquenta e dois, divorciado, ele tinha, em sua opinião, resolvido muito bem o problema de sexo.” A frase inicial do romance “Desonra”, livraço lançado em 1999 pelo escritor sul-africano J.M. Coetzee (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira), é tão lapidar quanto enganadora. Não, o professor de literatura David Lurie, especializado em poesia romântica e funcionário de uma un...