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João Gilberto Noll: ‘A máquina de ser’
Primeira mão / 30/09/2006

O escritor gaúcho João Gilberto Noll chega este ano à categoria dos sessentões tendo uma obra vasta e coerente para mostrar. Nela predominam os romances: “A fúria do corpo”, “Bandoleiros”, “Harmada”, “Berkeley em Bellagio” e outros. Essa predileção pelas narrativas longas – ou relativamente longas, pois a verborragia aqui não tem lugar – sempre me pareceu intrigante. Meu livro preferido de Noll continua sendo o primeiro, de contos, “O cego e a dançarina”, lançado em 1980. O estilo marcante do autor, com sua indeterminação crônica instalada no coração mesmo das frases, das palavras, torna aflitivamente fugidios, estranhos, esgarçados, personagens e cenários. O que me parece bem menos adequado à narrativa longa que à curta, que pode prescindir com mais facilidade de uma arquitetura precisa, de um enredo calculado – ainda que calculado para confundir. Por tudo isso é muito boa a notícia de que, após publicar o volume de minicontos “Mínimos múltiplos comuns” (Francis, 2003), Noll já está de volta ao gênero, e dessa vez em tamanho mais suculento, com as 24 histórias de “A máquina de ser” (Nova Fronteira, 144 páginas, R$ 22), que chega às livrarias no próximo fim de semana. Abaixo, um conto inteiro, um dos melhores…

Cala a boca, heideggeriano!
Posts / 29/09/2006

A história foge do terreno da ficção em que se concentram as obsessões do Todoprosa, mas reúne nomes de peso e um coquetel de política e filosofia que merece atenção: a supereditora francesa Gallimard acaba de suspender a publicação de um livro de filosofia chamado Heidegger à plus forte raison – notícia do “Le Monde”, em francês, aqui. Detalhe bizarro: a suspensão se deu no último minuto, depois que cópias do livro já tinham sido distribuídas à imprensa e algumas resenhas, publicadas. A Gallimard não explicou a decisão. A proposta do livro – de diversos autores, com organização de François Fédier – é provar que o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) não era nazista.

Para calvinistas e não-calvinistas
Posts / 28/09/2006

FERNANDO ARRABAL, espanhol, vinte e sete anos, pequeno, cara de criança com uma barba que parece um colar e franjinha. Há anos vive em Paris. Escreveu peças teatrais que ninguém nunca quis encenar e também um romance publicado pela Julliard. Passa fome. Não conhece nenhum escritor espanhol e os odeia todos porque dizem que ele é um traidor e gostariam que fizesse realismo socialista e escrevesse contra Franco e ele se recusa a escrever contra Franco, ele nem sabe quem é Franco, mas na Espanha, se não formos contra Franco, não podemos publicar nada nem ganhar prêmios literários porque quem manda em tudo é Goytisolo, que impõe a todos o realismo socialista, ou seja, Hemingway-Dos Passos, ele nunca leu Hemingway-Dos Passos, nem sequer leu Goytisolo porque não consegue ler realismo socialista, e deixando de lado Ionesco e Ezra Pound não gosta de muita coisa. É extremamente agressivo, brincalhão de forma obsessiva e lúgubre, e nunca se cansa de me bombardear com perguntas sobre como é que eu posso me interessar por política e também sobre o que se faz com as mulheres. Seus objetivos polêmicos são dois: política e sexo. Ele e os blousons noirs, dos quais se faz intérprete,…

Pau no Capote
Posts / 27/09/2006

“Travessia de verão” é assustadoramente supertrabalhado, cheio daquelas metáforas improváveis que mais tarde Capote diria detestar. É impiedosa a crítica (em francês) que Josyane Savigneau assina no “Le Monde” sobre a tradução francesa do primeiro romance de Truman Capote – sim, tudo indica que se trata realmente do primeiro, embora o crítico brasileiro Silviano Santiago tenha tentado mudar essa cronologia em resenha no “Mais!” (só para assinantes). O rigor francês não surpreende. Curioso mesmo é descobrir que o lançamento do livro por lá, mercado voraz, coincidiu com o brasileiro – veja nota do dia 22, aqui embaixo.

Hay, Segóvia, Parati
Posts / 26/09/2006

Em Segóvia há muito mais açougues que livrarias. Consomem-se mais leitões do que livros. Não há tradição de encontros literários, e muito menos existiam antecedentes de pagar para poder ouvir escritores falando de suas obras, seus gostos literários ou suas opiniões sobre literatura ou política. Segóvia não é Hay on Wye, a cidadezinha galesa cheia de livrarias e acostumada a celebrar encontros de escritores há décadas. E, apesar de tudo, em Segóvia o Festival de Hay foi um êxito e uma surpresa. Os encontros literários dos dias ? e das noites ? segovianas demonstraram que há, sim, o desejo de escutar, ler, debater e participar das discussões culturais e literárias. Os locais onde se deram os encontros estavam cheios, as pessoas pagavam pelo espetáculo de ouvir os intelectuais, historiadores ou escritores de tão distinta condição, cultura ou fama que ali compareceram. Havia debates, perguntas e celebrações de manhã à noite na monumental, civilizada, divertida, e de excelente gastronomia, cidade castelhana. Havia filas (!!) para poder ver um escritor. É engraçado ler a embasbacada crônica do jornalista espanhol Javier Rioyo no site literário Boomeran(g) sobre o sucesso do Festival de Hay em Segóvia ? sim, um absurdo equivalente ao do Rock…

Julian, Arthur e George
Posts / 25/09/2006

No “Telegraph” deste fim de semana, Jasper Rees conversa com Julian Barnes sobre seu último livro, que, quem diria, é um relativo sucesso comercial na Inglaterra: “Arthur & George”, uma história de tribunal de leitura grudenta em que o advogado é ninguém menos que Arthur Conan Doyle, o criador do detetive Sherlock Holmes. Surpreendente, sem dúvida, mas não pelo uso do personagem famoso. Barnes escreveu sua obra mais marcante quando transformou sua paixão por Gustave Flaubert numa deliciosa mistura de romance, esboço biográfico e ensaio literário em “O papagaio de Flaubert”. Difícil saber em qual gênero o livro brilha mais. Situando Julian Barnes em sua geração excepcional, Rees anota: “Martin Amis, Salman Rushdie, Ian McEwan – com eles você sabe, há anos, onde está pisando. Mas o tema unificador da obra de Barnes? O fio condutor? Se existe tal coisa, é uma elegante imponderabilidade…”. Imagino que seja um elogio.

Começos inesquecíveis: Franz Kafka
Posts / 23/09/2006

Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto. Eis o primeiro parágrafo de “A metamorfose” (Civilização Brasileira, tradução de Brenno Silveira, 5a edição, 1988), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Sem comentários.

Alfaguara, o epílogo: Truman Capote e Will Self
Posts / 22/09/2006

Para fechar o capítulo do megalançamento brasileiro do selo espanhol Alfaguara (veja as duas últimas notas, sobre os livros de Mario Vargas Llosa e Cormac McCarthy), o Todoprosa destaca outros dois títulos no pacote de meia dúzia que está chegando às livrarias neste fim de semana: “Travessia de verão” (tradução de Fernanda Abreu, 143 páginas, R$ 31,90), o primeiro romance escrito por Truman Capote, e “Grandes símios” (tradução de José Rubens Siqueira, 406 páginas, R$ 59,90), do inglês Will Self. Trata-se de dois livros menores do que seus autores – mas os autores são tão interessantes que isso não é grave. “Travessia de verão” tem uma história curiosa: os cadernos escolares com o manuscrito foram entregues à casa de leilão Sotheby’s em 2004 pelo herdeiro do proprietário de um apartamento em que Capote (1924-1984) morara nos anos 40. O livro foi publicado ano passado nos EUA com a autorização do Truman Capote Literary Trust, embora o autor de “Bonequinha de luxo” – com o qual “Travessia de verão” tem parentesco – e da obra-prima “A sangue frio” nunca tenha demonstrado o menor interesse em lançá-lo em vida. Como documento dos primeiros passos de um grande escritor, é material valioso. “Grandes…

Cormac McCarthy: ‘Onde os velhos não têm vez’
Primeira mão / 21/09/2006

É a primeira vez que a seção Primeira Mão aparece aqui dois dias seguidos, mas a ocasião justifica o exagero. No pacote de lançamento do selo Alfaguara no Brasil (veja a nota de ontem sobre o livro de Mario Vargas Llosa), chama atenção outro escritor de primeira grandeza, este, porém, de obra pouco conhecida entre nós: o americano Cormac McCarthy, 73 anos. Em maio deste ano McCarthy teve o livro que costuma ser considerado sua obra-prima, “Meridiano sangrento”, incluído por um júri do “New York Times” entre os mais importantes da ficção americana nos últimos 25 anos (nota da época aqui). “Meridiano sangrento” foi lançado nos EUA em 1985 e saiu aqui pela Nova Fronteira em 1991, mas faz tempo que virou raridade. Depois disso a Companhia das Letras publicou a chamada Trilogia da Fronteira de McCarthy: “Todos os belos cavalos” (1993), “A travessia” (1999) e “Cidades da planície” (2001). Ficou nisso. O que torna mais bem-vinda esta edição de “Onde os velhos não têm vez” (Alfaguara, tradução de Adriana Lisboa, 252 páginas, R$ 38,90), um western moderno – ambientado nos anos 80 – e ultraviolento que a prosa tensa e seca de McCarthy ajuda a tornar mais do que…

Mario Vargas Llosa: ‘Travessuras da menina má’
Primeira mão / 20/09/2006

O romance “Travessuras da menina má” (Alfaguara, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, 302 páginas, R$ 39,90), de Mario Vargas Llosa, saiu há cinco meses na Espanha e marca um momento especial na carreira do escritor peruano de 70 anos: sua obra completa começou a ser editada na mesma época e os rumores de que o Nobel de Literatura – que será anunciado mês que vem – tem lhe piscado um olho andam fortes como nunca desde que ele esteve este ano em Estocolmo, terra do prêmio, para participar de um monumental congresso de especialistas em sua obra. Assumido pelo próprio Vargas Llosa como sua primeira “história de amor”, o livro é divertido a seu modo ligeiro, distante da grandiosidade de, por exemplo, “Conversa na Catedral”. A paixão do protagonista Ricardo pela menina má do título se espalha no tempo – quatro décadas – e no espaço, passando por muitas das cidades em que o autor viveu, para esboçar um painel da segunda metade do século XX: Lima nos anos dourados, Paris no tempo do radicalismo estudantil, Londres quando ela era swinging, Madri na redemocratização. Em cada cidade o pobre Ricardo reencontra sua fria e impiedosa amada num novo…

Vila-Matas e o futuro do livro
Posts / 19/09/2006

Adivinhar o futuro do livro diante da suposta ameaça digital é como especular com o resultado que seu time favorito obterá no domingo. Você não tem como saber, não faz idéia e é melhor que não faça, porque se o seu time, por exemplo, vai perder de goleada, é inútil que você preveja isso, porque não poderá fazer nada por ele, nada para evitar a catástrofe. De modo que o melhor é não se incomodar demais com especulações. Depois de tudo, ocorrerá o que tiver de ocorrer. Mais ainda: na realidade o futuro digital do livro já está escrito, e não creio que em sua escritura eu tenha participado ou venha a participar. Há pouco mais de dois meses, passaram aqui pelo Todoprosa os ecos de uma boa polêmica travada nas páginas do “New York Times” entre o ficcionista John Updike e o jornalista Kevin Kelly, o primeiro declarando-se horrorizado com as previsões do segundo de que o livro como o conhecemos, com autoria, estilo, começo e fim, está prestes a se diluir num grande livro universal sem autor e sem forma, acessado aos pedaços por mecanismos de busca – a própria internet, pois é. A última edição do caderno…

Chávez lê, diz que lê – e manda os outros lerem
Posts / 18/09/2006

Já sabemos que George W. Bush posa de leitor de grandes livros para ficar bem na foto e que Lula, mais autêntico, não tem a menor intimidade com eles (veja abaixo a nota “O que lêem os presidentes”, de 23/8). Mas o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é diferente, garante um artigo (em inglês, mediante cadastro) assinado por Simon Romero no “New York Times” de ontem. Na ficção, as paixões literárias de Chávez incluem “Os miseráveis”, de Victor Hugo, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes – cujo aniversário de 400 anos, ano passado, foi comemorado pelo governo venezuelano com uma edição de um milhão de exemplares para distribuição gratuita. Chávez não se limita a ler, diz Romero: está sempre citando livros em seus longos discursos, o que, juntamente com as escolhas de títulos e autores, sugere uma tentativa consciente de dar dimensão cultural às suas idéias políticas. Mas como o cacique do “bolivarismo” acha tempo para ler tanto? – pergunta-se o articulista. Uma resposta vem de Herma Marksman, que foi namorada de Chávez de 1984 a 1993: segundo ela, Chávez lhe pedia, sempre que estava dirigindo, que ela lesse em voz alta. “Prestava atenção em cada palavra, principalmente se…

Começos inesquecíveis: Juan Rulfo
Posts / 17/09/2006

Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo. Um dia a dúvida tinha que aparecer nesta seção: será que o começo de “Pedro Páramo” (Record, 2004, tradução de Eric Nepomuceno), romance publicado em 1955 pelo mexicano Juan Rulfo (1917-1986), só é inesquecível porque o livro todo é? Ou existirá alguma coisa na primeira linha dessa obra-prima da literatura latino-americana que a faria reverberar mesmo sozinha, no ar seco de um México mítico, sustentada entre o tema ancestral da busca do pai e a sonoridade estranha de nomes como Comala e Páramo?

Genichiro Takahashi: ‘Sayonara, Gangsters’
Primeira mão / 16/09/2006

Até agora o único livro do japonês Genichiro Takahashi lançado nos Estados Unidos, e também o primeiro a chegar ao Brasil, “Sayonara, Gangsters” (Ediouro, tradução do japonês de Jefferson José Teixeira, 296 páginas, R$ 39,90) é um espanto. Engraçado e perturbador, satírico e ridículo, cínico e bobo, incongruente e brilhante, é tarefa inglória tentar encontrar referências que situem o trabalho de Takahashi, um ex-diretor de filmes pornográficos, em algum tipo de tradição literária ou mesmo antiliterária. O “Japan Times” bem que tentou, falando em “Pynchon com editor” e “Calvino como ele é”. O que talvez tenha sua graça, mas não soa muito condizente com uma história passada num futuro indeterminado em que as pessoas já não têm nomes propriamente ditos, o protagonista é conhecido como Sayonara, Gangsters (sim, o livro leva o nome dele), existe uma sala de aula com um deserto no meio e Virgílio, o poeta, é uma geladeira. O “Japan Times” não teria como saber disso, mas, aqui do meu canto, o escritor mais aparentado com Takahashi em que consigo pensar é o José Agrippino de Paula de “PanAmérica”: cada um a seu modo, os dois refratam a cultura pop num prisma de loucura. O trecho abaixo…

Oriana Fallaci (1929-2006)
Posts / 15/09/2006

A polêmica jornalista e escritora italiana Oriana Fallaci morreu nesta madrugada, aos 77 anos, de câncer, num hospital de Florença. Leia aqui a notícia do “Estadão” e aqui (em inglês) uma entrevista com a autora feita este ano pela “New Yorker” – republicada hoje como homenagem póstuma. Famosa pela combatividade de suas entrevistas assumidamente “parciais”, Oriana dedicou seus últimos anos a uma violenta cruzada contra o fundamentalismo islâmico. Pelo menos dois de seus livros são encontráveis hoje no Brasil, segundo o site da Câmara Brasileira do Livro: “Carta a um menino que nunca nasceu” (Entrelivros Cultural, 2001) e “Inshallah – Como Deus quiser” (Best Seller, 2001).

Hatoum e Ruy ganham o Jabutizão
Posts / 14/09/2006

Nenhuma surpresa. Na entrega do prolixo prêmio Jabuti aos vencedores (divulgados mês passado) de suas 19 categorias, ontem à noite, em São Paulo, foram anunciados os dois livros do ano: na ficção, “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum; na não-ficção, “Carmen, uma biografia”, de Ruy Castro. Cada um deles leva um prêmio de R$ 30 mil.

Hatoum e Ruy ganham o Jabutizão
Posts / 14/09/2006

Nenhuma surpresa. Na entrega do prolixo prêmio Jabuti aos vencedores (divulgados mês passado) de suas 19 categorias, ontem à noite, em São Paulo, foram anunciados os dois livros do ano: na ficção, “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum; na não-ficção, “Carmen, uma biografia”, de Ruy Castro. Cada um deles leva um prêmio de R$ 30 mil.