Crash, evidentemente, não tem a ver com um desastre imaginário, embora iminente, mas com um cataclismo pandêmico que a cada ano mata centenas de milhares de pessoas e fere milhões. Será que enxergamos, no desastre de carro, um sinistro presságio de um casamento de pesadelo entre o sexo e a tecnologia? A moderna tecnologia nos proporcionará meios até hoje não sonhados de dar vazão a nossas próprias psicopatias? (…) Ao longo de Crash, usei o carro não apenas como uma imagem sexual, mas como uma metáfora total da vida do homem na sociedade de hoje. Assim, o romance tem um papel político bem separado de seu conteúdo sexual, mas eu ainda gostaria de pensar que Crash é o primeiro romance pornográfico baseado na tecnologia. Quando peguei ontem o romance “Crash”, lançado em 1973 pelo inglês J.G. Ballard (Companhia das Letras, tradução de José Geraldo Couto, 240 páginas, R$ 42), com a tranqüila disposição de lê-lo, o livro tinha muito a seu favor: o rasgo de imaginação perverso e possivelmente brilhante de retratar desastres automobilísticos como experiências cheias de tesão, reputação cult, adaptação para o cinema (chatíssima, mas…) assinada David Cronenberg e o diabo. Sobretudo o diabo. Infelizmente tinha também, logo…