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E por falar em alta cultura x cultura de massa…
NoMínimo / 31/07/2008

A lista dos 13 finalistas do Booker 2008 (em inglês, acesso gratuito) está provocando algum estupor por incluir “Criança 44”, de Tom Rob Smith, uma história de serial killer ambientada na Rússia de Stálin que a Record acaba de lançar por aqui. Não, o romance – que já teve seus direitos para o cinema comprados por Ridley Scott – não deve ter a menor chance de levar o prêmio. Sim, o favorito é um velho conhecido da casa: Salman Rushdie, com “The Enchantress of Florence”. Mesmo assim, Smith, um estreante de 29 anos, já fez história. É a primeira vez que um thriller assumidão, desavergonhado, penetra nesse clubinho.

Vila dos Confins 2008
NoMínimo / 30/07/2008

Nelson chegou com dois caminhões apinhados. Entregou os títulos: cinqüenta e sete. Entrou na venda a correr, e levou Paulo para o quarto: – Compraram o meu pessoal, deputado! Mais de trinta! Quis acudir, mas foi tarde. Graças a Deus, eu tinha recolhido a maioria dos títulos. Se não, ia tudo de embrulho… Deram dez contos para o Armando da Várzea Limpa. Dez contos por oito eleitores! Soltaram dinheiro mesmo. Mas o pior foi que tive de prometer também; caso contrário, nem a metade embarcava nos caminhões. Estamos perdidos… Paulo ouvia a má notícia resignado. Procurava animar o companheiro: – Se você trouxe estes cinqüenta, podemos garantir mais de trezentos, fora o pessoal que já veio, e o da cidade. Nenzinho chegou com trinta e nove; Bilico ainda não veio, mas deve trazer também uns trinta… e os protestantes não apareceram ainda. Podemos pôr mais uns vinte, por baixo… Ah, e tem o João Soares! Do Fundão vêm mais de cem, com certeza. Mais de trezentos, não, mais de trezentos e cinqüenta! A eleição é nossa, Seu Nélson! Mas o candidato a vereador pelo Brejal estava desanimado: – Sei lá, doutor! Se compraram títulos na minha zona, compraram também nas…

O monstro Banville contra o médico Black
NoMínimo / 29/07/2008

Esta reportagem (em inglês, acesso gratuito) do “Washington Post” de ontem sobre o médico e o monstro que habitam o premiado escritor irlandês John Banville, 62 anos, pode ser lida como pura diversão. Como nunca foi segredo, mas permanece pitoresco, o autor de “O mar” (Nova Fronteira, 2007, tradução de Maria Helena Rouanet), vencedor do Booker 2005, tem duas personalidades literárias. Uma é o próprio Banville, um escritor perfeccionista, angustiado, ambicioso, torturado, um tanto esnobe e, com exceção de “O mar”, pouco lido. A outra é mais recente e atende pelo nome de Benjamin Black, um autor assumidamente comercial, que já está em seu terceiro romance policial – nenhum deles traduzido no Brasil por enquanto. Não chega a ser tão surpreendente que, para Banville, o monstro seja o primeiro, que leva cinco anos para terminar um livro, e o médico o segundo, que o faz em cinco meses. “Tenho orgulho dos livros de Benjamin Black da mesma forma que um marceneiro tem orgulho de uma mesa bem feita”, diz. “Já os livros de John Banville eu abomino, desprezo e odeio. São uma afronta para mim.” Um leitor mais cínico poderia definir assim as duas personalidades de Banville: um autor de…

Viva Ubaldo
NoMínimo / 27/07/2008

Em homenagem a João Ubaldo Ribeiro pela conquista do prêmio Camões, que ele achou merecido e eu também, lembro a vitória de “Viva o povo brasileiro”, seu romance mais importante, na eleição de melhor livro da ficção brasileira em 25 anos – de 1982 a 2007 – que o Todoprosa promoveu em abril do ano passado ouvindo escritores, críticos, editores e jornalistas da área. Aqui, o resultado geral da enquete. E aqui, uma modesta tentativa de entender o encanto duradouro desse romanção.

Começos (ainda) inesquecíveis: Leon Tolstoi

Os começos são bons cada um à sua maneira. Post publicado em 21/8/2006: * Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. A frase de abertura de “Ana Karenina”, obra-prima do romance que Leon Tolstoi começou a publicar na imprensa em 1875 (Editora Nova Aguilar, Obra Completa, volume 2, 2004, tradução de João Gaspar Simões), conseguiu virar aquilo que a maioria dos escritores só ousa perseguir em sonho: máxima, aforismo, provérbio, dito popular, pérola de sabedoria que parece não ter dono, mas brotar diretamente do inconsciente coletivo.

Genocídio
A palavra é... / 26/07/2008

As atrocidades que nomeia são mais velhas que a Bíblia, mas a palavra genocídio – extermínio deliberado, total ou parcial, de um grupo étnico, nacional ou religioso – tem apenas 64 anos. Quase a mesma idade de Radovan Karadzic, o ex-líder servo-bósnio que, preso esta semana em Belgrado, aguarda extradição para responder a processo no Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, em Haia. Entre as acusações que Karadzic enfrentará, por crimes de guerra cometidos contra os muçulmanos bósnios no conflito dos Bálcãs nos anos 1990, a de genocídio diz respeito a um crime que ainda não existia no direito internacional em 1945, quando ele nasceu. A palavra acabara de surgir. Um ano antes, o advogado polonês de origem judaica Raphael Lemkin tinha publicado nos EUA um livro sobre a ocupação nazista na Europa em que punha por escrito pela primeira vez um termo cunhado por ele mesmo com elementos do grego (génos, “tronco, raça”, da família de gênese e gente) e do latim (cidium, “ação de matar”). A mesma obra propunha uma definição de genocídio que abrangia não só a perseguição física mas também a cultural, a moral etc. Como costuma ocorrer, a realidade tinha se antecipado à linguagem….

Web 2.0 e literatura, feitos um para o outro
NoMínimo / 25/07/2008

O (ótimo) escritor japonês Haruki Murakami não gosta muito de entrevistas. A revista “Time” conseguiu convencê-lo a responder a perguntas dos leitores e começou a coletar pela internet a preciosa contribuição conteudística do ilustrado público. Alguns exemplos (via Slog e Gawker): Cê é gay né. Por que seus romances são tão horríveis? Como será o seu funeral? Quando está frio e chove fininho, quando o tempo parece congelado numa matéria viscosa e você está se sentindo meio melancólico, talvez recordando um dia da sua juventude em que as condições atmosféricas eram parecidas, tem algum disco específico que você goste de ouvir? Pois é: se até na caixa de comentários do Todoprosa, famoso reduto de uma elite intelectual, o nível às vezes bate no chão, o que esperar da coitada da “Time”?

Littell, o melhor estrangeiro
NoMínimo / 23/07/2008

Até o momento, não havia no Brasil nenhum prêmio que contemplasse os melhores livros estrangeiros. Eis um grande paradoxo no país da literatura “antropofágica”. Cunhambebe (nome de canibal) é esse prêmio. Num mercado em que o fato de ser estrangeiro parece fazer qualquer autor largar com algumas voltas de vantagem sobre a indiada, a iniciativa – mesmo se levarmos em conta o caráter simbólico da premiação – é curiosa. O primeiro vencedor, escolhido por uma comissão julgadora de respeito, é As Benevolentes, de Jonathan Littell (Alfaguara).

O Google está mexendo no seu cérebro
NoMínimo / 22/07/2008

Já não penso da mesma forma que costumava pensar. Percebo isso com maior nitidez quando estou lendo. Mergulhar num livro ou num artigo de fôlego era fácil. Minha mente era conduzida pela narrativa ou pelos contornos do argumento, e eu ficava horas passeando por longas extensões de prosa. Isso raramente ocorre agora. Hoje minha concentração quase sempre começa a se perder depois de duas ou três páginas. Fico inquieto, perco o fio da meada, começo a procurar outra coisa para fazer. Sinto-me como se sempre tivesse que arrastar meu cérebro rebelde de volta ao texto. A leitura profunda que costumava me vir naturalmente tornou-se uma luta. Acho que sei o que se passa. Por mais de uma década, tenho ficado muito tempo online, pesquisando, surfando e às vezes contribuindo para o crescimento dos grandes arquivos da internet. À primeira vista pode não parecer, mas vai muito além do tolo alarmismo anti-web o artigo – “de fôlego” – publicado por Nicholas Carr na revista “Atlantic Monthly” (em inglês, acesso gratuito), com o título O Google está nos deixando burros?. O autor especula sobre como a rede mundial de computadores, ao mudar nossa relação com a leitura, estaria reprogramando nossos cérebros. O…

Diálogo com pastinha de hadoque
Sobrescritos / 21/07/2008

Você gostou? Hein? Gostou do livro? O livro é legal. Legal o bastante para ganhar capa? Hahaha, calma, as coisas não funcionam desse jeito. Primeiro, não gostei tanto assim. E mesmo que tivesse gostado, a minha opinião é só a minha opinião. Não basta. Como não? Você não é o editor da revista? Escuta, querida. Você quer me ensinar a fazer o meu trabalho? Não, eu… Eu só aceitei este almoço, no meio de uma semana complicadíssima para mim, porque a gente sempre teve uma boa relação profissional. Acho você uma menina bacana, competente. Mas não confunda as coisas. Desculpe. O livro que você está tentando me empurrar é ingrato. Melhor desistir. Poupe sua munição para quando valer a pena. Certo. É só que você disse que achou legal… Estava sendo educado. Na verdade eu nem li. Ah. Não precisei ler. Leram por mim. Alguém da sua equipe… Mais ou menos isso. Vamos pedir? Para mim, a truta com arroz de amêndoas. Você pode me dizer quem da sua equipe leu? Taí, eu vou na truta também. Hein? Quem da sua equipe não gostou, você pode me dizer? Aqui entre nós? Não. Entendo. Parece que não entende, não. Garçom! Olha,…

Começos (ainda) inesquecíveis: Jeffrey Eugenides

Como esquecer as irmãs Lisbon? Post publicado em 9/7/2006. * Na manhã em que a última filha dos Lisbon decidiu-se também pelo suicídio – foi Mary dessa vez, e soníferos, como Thereza –, os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficavam a gaveta das facas, o forno, e a viga no porão à qual era possível atar uma corda. Saíram da ambulância, como sempre andando mais devagar do que gostaríamos, e o gordo disse entre dentes: “Isso não é a TV, gente, mais rápido não dá.” Carregava o pesado equipamento cardíaco e o respirador, passando pelos arbustos que haviam crescido de forma monstruosa, pisando o gramado transbordante que fora liso e imaculado treze meses antes, quando os problemas começaram. Assim, entregando o fim para garantir desde a primeira linha que o leitor só abandonará o livro antes da hora se for ruim da cabeça, tem início a viagem poética e mórbida – praticamente neo-simbolista, pensando bem – de “Virgens suicidas” (Rocco, 1994, tradução de Marina Colasanti). Para quem se interessa pelas engrenagens da escrita, o belo romance de estréia do americano de ascendência grega Jeffrey Eugenides merece destaque ainda por um recurso inusitado: a narração é toda feita…

Charge
A palavra é... / 19/07/2008

Ao mostrar o casal Barack Obama encarnando os boatos que circulam contra o candidato democrata em setores conservadores dos EUA, a capa da revista “The New Yorker” tenta, pelo exagero da cena, expor tais boatos ao ridículo. Se a estratégia corre o risco de incompreensão que sempre acompanha a ironia, o que ninguém pode negar é que toda boa charge tem isso em comum: agressividade e exagero. Ou o gênero de desenho jornalístico que filtra o noticiário pela lente do humor não teria esse nome. O francês charge, de onde veio nossa palavra, quer dizer apenas carga, mas nesse caso com o sentido de crítica contundente. Trata-se de uma extensão metafórica da acepção militar de ataque – presente numa expressão como carga de cavalaria – adaptada ao vocabulário da imprensa e especialmente ao trabalho dos desenhistas cômicos. O italiano caricatura (inicialmente, ato ou efeito de carregar) partiu do mesmo ponto e chegou a resultado parecido. Tão parecido que é lícito supor que um vocábulo tenha surgido como tradução do outro. Nesse caso, há indícios de que a caricatura veio antes: segundo o Houaiss, o primeiro registro de sua acepção moderna (fins do século 16) aparece quase cem anos à frente…

Escritores e zumbis
NoMínimo / 18/07/2008

Toda semana, desde o início do mês passado, um capítulo do romance The living, uma história de zumbis, é publicado nesse site (em inglês, acesso gratuito), terminando com algum gancho típico de folhetim ou telenovela – uma bifurcação no enredo. E aí, o cara vive ou morre? Como estamos na internet, quem decide de que forma a pergunta será respondida no capítulo seguinte é o leitor. Só depois de computados os votos é que o autor, o americano Kealan Patrick Burke, pode dar prosseguimento à história, e assim começa tudo de novo. (Dica do blog de livros do “Guardian”.) A coisa é tão singela que tem sua simpatia, e o charme para quem vive buscando exemplos de casamento entre web e ficção é evidente. Mesmo assim, devo admitir que acho cada vez mais difícil entender o fascínio exercido por esse tipo de interatividade. Uma coisa é a experiência com histórias abertas, tridimensionais, que permitam ao leitor navegar em diversas direções – um modelo narrativo prenunciado por Julio Cortázar em “O jogo da amarelinha” e que a web parece equipada para levar a conseqüências interessantes um dia, embora ainda esteja longe disso. Algo bem diferente é submeter o próprio processo de…

As quinhentas palavras de Nooteboom
NoMínimo / 17/07/2008

Passou a Flip, passou a ressaca da Flip, e eu me pego pensando insistentemente em algo que, no calor da hora, julguei trivial demais para comentar aqui no blog: o limite de quinhentas palavras por dia que o escritor holandês Cees Nooteboom se impõe. Convém deixar claro: o que me impressionou não foi a disciplina de Nooteboom, o fato de que ele se obriga a escrever todo dia, em qualquer estado de espírito. Isso é rotina de escritor. O que me impressinou foi ele escrever tão pouco. “Se por acaso perco a conta e chego a seiscentas palavras, fico nervoso”, disse. Ir além disso, para ele, seria correr o risco de perder qualidade, densidade literária. Fiz umas medições: quinhentas palavras equivalem a cerca de 45 linhas ou 3.000 toques com espaços. Em linguagem de velho jornalista, uma lauda e meia. Mesmo considerando a hipótese – delirante, porque não entendo nada de holandês – de na língua de Nooteboom as palavras serem mais compridas, mesmo que ele use uma única palavra composta para dizer, sei lá, “céu cinzento com nimbos a oeste”, ainda assim parece pouco. Mas se todas as quinhentas forem boas, dá um livro por ano. Dos gordos.

O melhor livro e o pior sexo
NoMínimo / 16/07/2008

Sim, eu sei: Salman Rushdie levou dias atrás o prêmio de melhor Booker entre os Bookers, no aniversário de quarenta anos do prêmio, por “Os filhos da meia-noite” (Companhia das Letras, tradução de Donaldson M. Garschagen). Quem sabe agora eu perco o preconceito, tiro da cabeça que ele é só um epígono de “realista mágico” e dou uma chance ao homem. Alguém aí se anima a deixar na área de comentários uma recomendação convincente que vá além de “ganhou o Booker dos Bookers”? Bacana, importante e tal, mas esses premiozões costumam ter alguma coisa de entediante, não? Basta dizer que o mesmo livro já tinha vencido a eleição de 1993, quando se comemorou o 25.° aniversário do galardão britânico. Puxa. Deve ser só um estado de espírito momentâneo, mas, prêmio por prêmio, os que demarcam o outro lado da apreciação crítica – o lado de baixo, o fim da picada – têm me parecido mais relevantes. Em termos de balizamento estético, não dá para negar que a função do “pior“ é tão indispensável quanto a do “melhor”. Com a vantagem de nos fazer rir um pouco. Excelente exemplo é o Bad Sex Award, concedido todo ano pela Literary Review de…

Enfim, o MacLivro Eletrônico
NoMínimo / 15/07/2008

Quem se lembra da esnobada que Steve Jobs, da Apple, deu no livro eletrônico depois que a Amazon lançou o Kindle? Disse o homem que sua empresa não se interessava por esse mercado porque “as pessoas não lêem mais” – e não estava falando da classe média brasileira. Na época, comentei aqui no Todoprosa que Jobs podia estar disfarçando, enquanto se preparava para lançar um aparelho matador. Acho que me enganei. Tudo indica que o aparelho já estava no mercado àquela altura, embora só agora comece a ficar mais clara sua vocação – entre muitas outras – para a leitura. Acaba de ser lançado o eReader Pro for iPhone, algo que os fãs do iPhone aguardam faz tempo. O vídeo demonstrativo disponível no endereço aí atrás é promissor, ainda que meio mambembe, mas convém esperar para saber como a novidade passará pelo teste de fogo a que a temida brigada dos blogueiros de tecnologia a submeterá nos próximos dias. Tamanho da tela, superfície brilhante x fosca, disponibilidade de títulos para baixar em cada um dos formatos, são muitas as variáveis que precisam ser levadas em conta. Uma coisa parece certa: é bem mais condizente com o espírito do tempo ter…

Começos (ainda) inesquecíveis: Marguerite Duras

Depois de um domingo flípico, esta retrospectiva volta ao lugar que é seu. O post abaixo foi publicado em 21/1/2007. * Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: “Eu a conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado.” Penso freqüentemente nessa imagem que só eu ainda vejo e sobre a qual jamais falei a alguém. Está sempre lá no mesmo silêncio, maravilhosa. É entre todas a que me faz gostar de mim, na qual me reconheço, a que me encanta. Muito cedo na minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais. Assim, de forma bela e estranha, começa o belo e estranho “O amante” (Nova Fronteira, 1985, tradução de Aulydes Soares Rodrigues), pequeno – na extensão – romance memorialístico com o qual Marguerite Duras (1914-1996) conquistou o prêmio Goncourt de 1984 e o sucesso comercial em escala planetária.