O leitor Sérgio Luiz Fernandes pergunta: Caro xará, qual a origem desta palavra para designar alguém com o mesmo nome? Parece não haver dúvida de que o brasileirismo “xará” vem do tupi. Os filólogos Antônio Geraldo da Cunha e Silveira Bueno concordam nisso, embora apresentem notações um pouco diferentes: xa’ra, de xe rera, “meu nome”, de acordo com o primeiro; e che-rera-á, “o que é tirado do meu nome”, nas palavras do segundo. Detalhes que não alteram a substância. Publicado no “NoMínimo” em 9/3/2007.
Depois de passar décadas enterrado voluntariamente em vida, J.D. Salinger, autor de “O apanhador no campo de centeio”, está morto. Segundo comunicado da agência literária que o representa, o escritor morreu ontem “de causas naturais” e “sem dor” na casa de campo em que se isolou há meio século, em Cornish, no estado americano de New Hampshire. Salinger é praticamente o inventor do adolescente moderno – ou pelo menos seu maior porta-voz literário – na figura de Holden Caulfield, 16 anos, narrador e personagem principal de seu livro mais famoso, lançado em 1951 (disponível em português, em edição da Editora do Autor, aqui). Polêmico, “O apanhador no campo de centeio” virou um best-seller imediato, especialmente entre jovens, e vende regularmente até hoje. Seu alcance cultural transcendeu os limites da literatura para entrar no terreno do mito – a ponto de, para mencionar um exemplo maluco, o assassino de John Lennon, Mark Chapman, ter declarado que a explicação para o crime podia ser encontrada em suas páginas. Holden Caulfield se expressava de forma coloquial, era desbocado para os padrões da época e desconfiado de tudo o que se referisse ao mundo “fajuto” (phony) dos adultos. Um adolescente-mala como a ficção jamais…
O iPad, tablete da Apple anunciado ontem, está apanhando mais que o Cristo do Mel Gibson na comunidade geek. Sem multitarefa e sem entrada USB, acusam-no basicamente de ser só um iPhone gigante que, para piorar, não faz fotos e nem telefone é. Para o que vem ao caso aqui – a leitura de livros digitais – não se pode negar que é interessante o esforço investido na criação da iBookstore, a associação com grandes editoras e tal. O amadurecimento de um mercado em que absolutamente tudo está se definindo neste momento agradece. O probleminha chato é que, vamos falar sério, sem uma tela de tinta eletrônica (aquilo que o TechEBlog, na brincadeira acima, chama de matte screen, “tela fosca” – valeu, Polza!) não dá nem para se inscrever no páreo contra Kindle, Sony e similares. No meu modo de entender os leitores eletrônicos, o iPad é simplesmente outra coisa, habita outra categoria – no caso específico da leitura de fôlego, uma categoria inferior. Talvez seja mesmo o aparelho perfeito para passar os olhos em jornais e revistas à mesa do café da manhã, certo, mas livros? Nada disso significa que a possibilidade de um sucesso comercial deva ser descartada:…
Seria de imaginar que o rápido despejo da literatura das páginas das revistas comerciais fosse uma bênção para as revistas literárias, especialmente nos ambientes acadêmicos que se tornaram portos seguros para (e mecenas de fato de) escritores cujas obras não vendem o suficiente para gerar receita. Seria de esperar que os leitores leais de escritores estabelecidos promovessem um aumento na tiragem dessas pequenas revistas e que as universidades passassem a enxergá-las sob uma nova luz – não apenas como promotoras do prazer da literatura, mas como promulgadoras de uma nova era de escrita socialmente consciente nesses tempos pós-comerciais. Mas quanto menos comercialmente viável a ficção foi ficando, menos ela parecia se preocupar com seu público, que por sua vez tornou-a ainda menos comercial, até que, como uma estrela moribunda, ela parece à beira de implodir. Na verdade, a maioria dos escritores americanos parece ter esquecido como escrever sobre grandes temas – como se dar a mínima pelota para o mundo fosse algo que ficou esmagado sob a sola da bota do pós-modernismo. As reflexões amargas de Ted Genoways – editor da “Virginia Quarterly Review”, uma pequena e (cada vez menos) prestigiosa revista literária acadêmica dos EUA – merecem ser traduzidas…
Esta é para os leitores do Todoprosa que compartilham com o blogueiro a paixão pelo Kindle, um aparelho que, como se sabe, é tão brilhantemente bisonho e jurássico que não só se mantém cego, surdo e mudo diante do tumulto da internet como ostenta uma tela sem luz própria. Devemos estar mesmo na temporada dos acessórios engenhosos para leitura (pelo menos enquanto não chega o tablete da Apple, que, dizem, pode até dispensar o cidadão de ler, lendo tudo sozinho e apresentando um resumo desenhado depois): suspeito que o Kandle, abajurzinho portátil para Kindle, seja a maior invenção do planeta desde o Thumbthing. (Via Pontolit.)
A chamada Técnica do Deputado Nordestino (denominação em que há inegavelmente uma dose de preconceito, visto que políticos de qualquer latitude dela lançam mão), ou apenas TDN, é a maior aliada do escritor que precisa preencher determinado espaço com suas letrinhas em prazo curto – o que a torna especialmente valiosa para cronistas. Trata-se, em resumo, de uma longa reiteração, de um incansável repisar da mesma idéia, com variações vocabulares, sintáticas e imagísticas engenhosamente dispostas de modo a disfarçar o fato desolador de que o texto não vai a lugar nenhum, limitando-se a bater na mesma tecla e sovar uma única proposição até que ela amoleça, se liqüefaça, desmanche diante do leitor e possa ser sorvida com canudinho – mais ou menos, repare, como se faz aqui, agora. Sabe-se que o movimento é importante para o sucesso de um texto, que deve sair de um ponto A e chegar a um ponto B – ou G, ou X, conforme a capacidade do autor – por meio de um desdobramento dialético em que, não raro, cada passo corresponde a um parágrafo. Infelizmente, sabe-se também que isso dá um trabalho danado. O número de sinapses necessário para ligar esses pontos pode ser…
Um dos segredos mais bem guardados do mundo literário é que, embora possam ser, individualmente, pessoas até adoráveis, escritores em comunidade são tão interessantes quanto dentistas em congresso.
Foram as poucas linhas daquela carta de recusa que fizeram Lúcio Nareba, lenda da blogosfera literária nacional, perder a cabeça. Não fosse o veneno destilado – gratuitamente, gratuitamente! – pela famosa editora Bia Escarpin, o adorável Nareba estaria entre nós até hoje, esvaziando dois engradados e meio de cerveja por dia às custas de seus admiradores mais jovens, fumando pelos ouvidos, coçando a bunda agressivamente como lhe parecia apropriado aos gênios irascíveis e rabiscando nanocontos em guardanapos com nódoas de azeite. Mas aquela carta de recusa… Prezado Nareba, Abri seu manuscrito com grande interesse e, já na primeira página, fui ao delírio com a epígrafe. Genial mesmo, parabéns. Infelizmente, não consegui passar da epígrafe, motivo pelo qual sou obrigada a recusar a publicação de “Sou phodão & outras modéstias”. Como sinal de boa vontade, uma crítica construtiva: a epígrafe é genial mas precisa ser aprimorada. Os versos “Astros! noite! tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!…” são do Castro Alves e não do Chacal. Isso posto, não desista jamais. Ou desista, phoda-se. Bia Escarpin Gratuito, não? Mais que gratuito, humilhante. Típico dessa alta burguesia editorial insensível e decadente que aí está. Mesmo assim, o plano de estrangular Bia Escarpin…
Parece ser sério: uma empresa chamada Sarcasm, Inc. está vendendo (?) um sinal de pontuação chamado “ponto de sarcasmo”. Me lembrei do velho ponto de ironia, uma exclamação de cabeça para baixo, inventado – se não me engano – pelo Ziraldo. Não é difícil entender por que o ponto de ironia não pegou, apesar de sua aparente necessidade, confirmada a cada vez que milhares de leitores deixam de captar a piada e se enfurecem com você pelas razões erradas: avisando, perde toda a graça.
Alho-poró é um eufemismo que parece ter conquistado a preferência dos falantes brasileiros. Acontece que porro e alho-porro, formas tradicionais de chamar em português a erva Allium porrum ou ampeloprasum, ganharam ressonâncias desagradáveis pela associação com “porra”. Uma associação que, longe de ser fortuita, vai fundo na história das palavras. Segundo Corominas, o filólogo eminente, tudo começou no latim, quando o alho-porro emprestou seu nome em caráter adjetivo a um tipo de maça (arma, porrete) com cabeça redonda e haste alongada, lembrando o formato da apreciada erva: a maça virou porrea, de porrum (alho). Pois é essa porra-clava, mãe do diminutivo porrete, que vamos encontrar na boca de Bocage no fim do século 18 significando um tipo bem específico de cacete: o membro sexual masculino (“Que esse monstro, que alojas nos calções,/ É porra de mostrar, não de foder”, versejou Manuel Maria, o desbocado). Só mais tarde “porra” se tornaria uma palavra-ônibus de largo emprego, inclusive como interjeição e pontuação enfática. Mas será que veio por essa via bocagiana, numa espécie de expansão, digamos, ejaculatória, a acepção – brasileiríssima – de esperma? Ou fará algum sentido a tese, citada por Márcio Bueno em “A origem curiosa das palavras” (José Olympio),…
Num momento em que a humanidade está mesmerizada pela leitura eletrônica, uma surpreendente e rudimentar invenção mecânica para quem ama os livros de papel (que não, NÃO vão desaparecer): o Thumbthing, que o blog de livros da “New Yorker” chama de “revolucionário” – meio de brincadeira, mas só meio. A idéia, claro, é segurar confortavelmente o livro com apenas uma mão, mantendo abertos aqueles volumes que insistem em se fechar sozinhos, enquanto com a mão livre se executa outra ação qualquer, como adoçar o café. Como um admirador do Kindle que valoriza sua capacidade – ainda pouco louvada – de ficar “aberto” sem precisar de nenhum tipo de calço (o que acabou com meus velhos problemas para ler às refeições), respeito quem se preocupa com os aspectos mais triviais, físicos, da leitura, e fiquei contente com esse contra-ataque do mundo analógico. Ah, o fabricante lembra que a coisa funciona também como marcador. Se vai pegar, não sei, mas achei bacana. Bobagem, certamente. Mas não mais do que a maioria dos aplicativos para iPhone.
Como no romance original, nossa história acompanha dois relacionamentos: o trágico caso de amor adúltero entre Anna Karenina e o Conde Alexei Vronsky e o casamento mais esperançoso de Nikolai Levin e a Princesa Kitty Shcherbatskaya. Esses personagens vivem num mundo de inspiração punk-retrô cheio de mordomos robóticos, autômatos desajeitados e aparelhos mecânicos rudimentares. Mas quando essas máquinas revestidas de cobre começam a se revoltar contra seus senhores humanos, nossos personagens contra-atacam usando tecnologia de ponta do século 19 – e um sofisticado novo modelo de ciborgues ultra-humanos que não se parece com nada que o mundo já tenha visto. Depois que juntaram Jane Austen com zumbis, abriu-se um filão que parece longe de se esgotar: Android Karenina (obrigado, Cris), com lançamento previsto para junho, é a novidade do momento. Confesso que não sei o que fazer disso: parei de rir cinco minutos depois da primeira notícia, mas a piada não acaba. Quando será que o Brasil, sempre atrasadinho, vai pular no bonde dessa vibrante forma de vanguarda literária? Seguem algumas pautas para autores/editores intrépidos: Grande sertão: aliens – ETs gelatinosos de meio metro de altura pousam no sertão numa nave de prata e, num pacto fáustico, ensinam o tímido…
– Tu tuíta? – Tuíto, e tu? – Tuíto, too.
Antes de ler “Flores azuis” e “Galiléia”, eu me perguntava por que as livrarias reservam uma parte toda especial, geralmente escondidinha e acanhada, para a literatura nacional. Confesso, envergonhado, que eu via isso com alguma revolta. Um resquício de patriotismo que não saiu no banho, talvez. “Flores azuis” e “Galiléia” me deram uma explicação para este fenômeno que não é só comercial. Na verdade, tudo é muito simples: literatura brasileira, em geral, não é livro que se queira ler. É livro que se pretende estudar, analisar, discutir. Aquilo que parece um romance é, na verdade, um objeto de estudo — um livro praticamente didático. Logo, convém mesmo deixar a literatura brasileira bem separadinha daqueles livros que a gente compra porque quer lê-los à noite, antes de dormir, ou na praia. Minha sugestão é que o mercado editorial comece a lançar promoções do tipo “Compre este livro e ganhe uma tese”. Pode dar certo. Paulo Polzonoff chuta o pau do ombrellone na partida final da Copa de Literatura 2009, em que “Flores azuis”, de Carola Saavedra, derrotou “Galiléia”, de Ronaldo Correia de Brito. Disputada por livros lançados em 2008, a competição termina em 2010, mas não creio que essa morosidade crítica…
Parece gíria de malandro da Lapa carioca, talvez dos anos 20 do século passado, não parece? Alguma coisa com “gringo” no meio. Não é nada disso. O verbo – que quer dizer, como se sabe, “decair, desandar, deteriorar rapidamente” – é importado em linha direta do francês dégringoler, que por sua vez, ensina o Houaiss, saiu do holandês kringeln, “cair em círculo”. Tudo muito tradicional e, sim, globalizado: o inglês foi buscar na mesma fonte o substantivo – pouco usado, mas por isso mesmo expressivo – degringolade, “declínio rápido, colapso”. Tradução óbvia, e nesse caso também a mais correta: degringolada. Pronto, o mundo já pode degringolar em uníssono. Publicado no “NoMínimo” em 12/12/2005.
A coisa explodiu. São tantos os e-readers e tabletes sendo apresentados por estes dias no Consumer Electronics Show, em Las Vegas, que este blog, depois de acompanhar o tema do livro digital com algum interesse por tanto tempo, entrega oficialmente os pontos. Está tudo muito bom, mas vocês realmente esperam que eu me informe sobre tudo aquilo? Exerço o meu direito de Bartleby: prefiro não. Que, não por coincidência, pode ser justamente o direito fundamental que a avalanche internética tem nos feito esquecer: prefiro não. Tentarei explicar. Mas para tanto peço desculpas e cito, depois de dizer que não o faria, uma das tais engenhocas recém-lançadas, que leva o insuportável nome de “enTourage eDGe” e pode ser conferida neste vídeo. Trata-se da primeira máquina que combina e-reader com netbook – tela de tinta eletrônica de um lado, tela de cristal líquido do outro. Para que você possa, até que enfim!, ler tranquilamente seu “Guerra e paz” com o olho esquerdo enquanto, com o direito, confere emails, comenta um status ou outro no Facebook e se diverte com aquele último vídeo imperdível no YouTube. Ah, você prefere não fazer isso? Bem-vindo ao clube. Ando apaixonado pelo Kindle, e de repente fica…
A grande revista eletrônica “Words Without Borders”, a melhor fonte para literatura estrangeira em inglês, começa o ano de cara nova. Bonita e altamente navegável. Vale conferir.