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‘Todoprosa’, 5 anos: a internet já cumpriu sua promessa
Vida literária / 30/05/2011

Antes que acabe maio, mês de aniversário do Todoprosa, faça-se o registro: este espaço de discussão de literatura acaba de completar cinco anos. Desde sua estreia no extinto site “NoMínimo”, no início de maio de 2006, foram 1.253 posts, todos ainda acessíveis, e um número de comentários arquivados – 24.312 – que deveria ser maior, não fosse a perda de memória de seis ou sete meses ocorrida numa das migrações de servidor, em 2008. Muita coisa mudou em cinco anos na paisagem da blogosfera literária. As caixas de comentários, por exemplo, que chegaram a ser transformadas pela turma da literatura em salas de chat animadas – e muitas vezes até perigosas, com garrafas e ferros de passar riscando o ar – perderam importância com a ascensão das redes sociais. Hoje a repercussão de um post é medida muito mais por meio do Twitter e do Facebook. Mas a mudança mais significativa se deu no próprio formato: blogs que, como este, baseiam seu cardápio em informação e num tipo de opinião mais analítica que idiossincrática eram raridade em 2006. De lá para cá, o processo que talvez se possa chamar de profissionalização – embora ainda inclua franco-atiradores de comovente amadorismo –…

O que a canonização de Franzen diz sobre a literatura atual
Vida literária / 27/05/2011

A revalorização da ficção como arte narrativa por excelência, em ligação direta com a tradição romanesca do século 19, parece ser o pano de fundo para o curioso fenômeno de canonização do escritor americano Jonathan Franzen, um tsunami que varreu o mundo ano passado, quando ele publicou o romance Freedom, e que agora vem inundar a costa brasileira com a previsibilidade dos maremotos a pretexto do lançamento de “Liberdade” (Companhia das Letras, tradução de Sergio Flaksman, 608 páginas, R$ 46,50). O livro é bom? É. Maravilhoso? Longe disso. Em contraste com a maioria da humanidade, não me encantei com ele e expliquei minhas razões aqui, sob o título Freedom: Obama no conteúdo, Bush na forma, pouco depois do lançamento americano. Vejo até algo de cômico num superlativo como “o livro do século” que o sério “The Guardian” pespegou no tijolo: se o epíteto abrange o século inteiro, trata-se de uma leviandade; se a ideia é falar do século até agora, decorrido um décimo dele, o correto seria usar uma medida de tempo mais sóbria. Fica evidente, porém, que elogios desse tamanho vão além de questões menores como coerência numérica. Méritos literários à parte, o que o hype franzeniano parece indicar,…

O poder das metáforas
Pelo mundo / 23/05/2011

A experiência é meio tosca, provavelmente, como costumam ser os produtos da psicologia social americana, mas não tenho dúvida de que aponta para sacadas profundas sobre a mente e a linguagem. No caso, uma comprovação do insidioso poder das metáforas. Diante de uma reportagem que compara o crime a uma “fera que tem a cidade como sua presa”, dois terços dos leitores dizem que a solução é um aumento da repressão policial (enjaular!). Quando a reportagem pinta o crime como “um vírus que infecta a cidade”, a turma que defende reformas sociais (curar!) equilibra o jogo com a galera linha-dura, deixando o resultado perto de meio a meio. Detalhe fundamental: as reportagens, introdução retórica à parte, são idênticas. Mais detalhes neste artigo (em inglês) de David DiSalvo publicado pela “Psychology Today”. (Via blog de livros da “New Yorker”.) * Amanhã à noite estarei em São Paulo para um debate sobre blogs literários com Raquel Cozer, do “Estadão”, e Flávio Moura, do Instituto Moreira Salles, como parte da festa do aniversário de um ano do blog da Companhia das Letras. A mediação ficará a cargo de André Conti, editor da casa. Ainda estou pensando numa boa metáfora para o papel dos…

Está provado: a literatura muda o mundo
Pelo mundo / 20/05/2011

É um lugar-comum dos últimos cento e tantos anos, inclusive ou sobretudo entre escritores, reconhecer que a literatura não tem o poder de transformar a realidade e que sua relevância, se houver, deve ser buscada apenas dentro do círculo simbólico que ela instaura, e só enquanto o instaura. Uma relevância virtual, portanto. O impacto sobre a consciência do leitor individual, e olhe lá, seria o máximo a que uma obra literária tem o direito de aspirar, e mesmo esse impacto estaria restrito ao campo das iluminações efêmeras, raramente capazes de influenciar as ações do tal leitor no mundo. Papo furado. As provas de que a literatura, como qualquer construção simbólica, interfere na chamada realidade concreta estão por toda parte. O erro é imaginar que esse impacto teria que se dar de forma previsível, programada, como acreditavam por exemplo os (será que ainda existentes?) cultores da ficção politicamente engajada. Os efeitos são sempre imprevisíveis. É possível que Jorge Amado não tenha conquistado um único leitor para a causa stalinista com seus panfletários romances da série “Subterrâneos da liberdade”. Já o impacto de Gabriela e Dona Flor sobre as carreiras de Sônia Braga e Bruno Barreto foi monumental, para não mencionar a…

Vila-Matas e o paradoxo de Hanna-Barbera
Vida literária / 18/05/2011

E o Brasil finalmente acerta o passo com o escritor catalão Enrique Vila-Matas. O lançamento do romance “Dublinesca” (Cosac Naify, tradução de José Rubens Siqueira, R$ 55,00), hoje à noite, em São Paulo, com a presença do autor, marca o momento em que sua obra tão prolífica quanto festejada passa a chegar aos leitores brasileiros em tempo real ou quase isso: o livro saiu ano passado na Espanha e ainda nem está disponível em inglês. É verdade que Vila-Matas, o anti-Bartleby por excelência, já enfileirou outros dois títulos (recapitulando escritos antigos) desde então, mas sobre isso, tradução simultânea à parte, não há nada que se possa fazer. É a primeira vez que a defasagem entre lançamento original e edição brasileira fica tão curta desde que, em julho de 2004, com “A viagem vertical” (de 1999), a mesma Cosac Naify começou a introduzir os leitores brasileiros à obra daquele que é um dos principais autores da literatura contemporânea e talvez o mais desavergonhadamente metaliterário – de uma metalinguagem lúdica que é o oposto da pompa e da sisudez – da história. Dois meses depois da publicação de “História abreviada da literatura portátil” (tradução de Júlio Pimentel Pinto, R$ 39,00), o mais…

A ficção contemporânea é mesmo tão medíocre?
Pelo mundo / 16/05/2011

A pergunta do título, que parece pairar no ar do mundo globalizado, foi feita pelo “Los Angeles Review of Books” a Mark McGurl, autor de um livro recente sobre a importância dos cursos universitários de “escrita criativa” para a literatura americana das últimas décadas, chamado The program era. Sua resposta, da qual transcrevo os trechos abaixo, não poderia deixar de ser uma defesa dos tais cursos, que nos EUA são o bode expiatório preferido dos que – numa atitude de “oportunismo desesperado”, segundo McGurl – apregoam a morte da literatura (o equivalente nacional seria a “profissionalização do escritor”, a “ciranda dos festivais” ou algo do gênero). Vale a pena ler a entrevista inteira, em inglês, aqui. Ouve-se essa ideia no ar o tempo todo. Virou um truísmo entre pessoas culturalmente sofisticadas (…), que aconselham os que estão procurando por uma instigante “justaposição de narrativa pessoal com os fatos do mundo” a ouvir rádio ou ler livros de memórias em vez de perder tempo com uma obra contemporânea de ficção literária. A não-ficção lida com “algo real no mundo”, enquanto a ficção contemporânea tem a ver com – o quê? Com quase nada, conclui-se, uma vez que “algo real no mundo”…

O amor nos tempos do códice
Sobrescritos / 13/05/2011

Não fazia tanto tempo que costumavam chamá-la de promessa vigorosa da nova literatura brasileira. Flipou, flopou, fliportou, festpoou, e por cinco ou seis anos, se não foi famosa, existiu inquestionavelmente, carta no baralho das antologias igrejísticas e nome no caderninho dos repórteres de metrópoles e grotões, a fazer aparições frequentes em telas e papéis a pretexto de polêmicas culturais aguadinhas que, sustentadas pelo acordo tácito de que o rei nu exibia vestes de alta costura, às vezes abriam caminho para a republicação daquela sua fotinho de dez anos atrás em que luz chapada, rímel e lábio inferior levemente mordido compensavam a escassa beleza de nariz adunco e pele áspera. Ele, sim, era bonito, talvez até lindo, mas era um menino, um fedelho de cabelo desgrenhado e barba por fazer, quando se aproximou dela no fim do coquetel com jeito de fã encabulado e a presenteou com dois livrinhos que traziam na capa o logo de um desses selos editoriais inacreditáveis porque inexistentes, marca patética do amadorismo que agora brotava feito capim por todas as gretas do solo calcinado. Ela sorriu um sorriso de grande dama benevolente, ele se inflamou com o ímpeto kamikaze dos tímidos e, num sussurro ao pé…

O romance perdido de Karl Marx e outros links
Pelo mundo / 11/05/2011

Está certo que o pós-modernismo andou abusando do truque, mas não é espantoso que ninguém tenha ainda construído um romance em torno do romance perdido de Karl Marx? Skorpion und Felix, Humoristischer Roman (Escorpião e Félix, romance humorístico) foi escrito em 1837, quando o então futuro autor do “Manifesto comunista” tinha 19 anos, e aparentemente destruído por ele mesmo – com exceção de uns poucos fragmentos, que chegou a publicar. Humor filosófico e provável influência do “Tristram Shandy” são atributos que costumam ser associados a esse livro, o que parece mais que suficiente para fazer de Marx um irmão espiritual de… Machado de Assis! Se alguém se habilitar, aviso logo que me terá como leitor. E que me contento com um agradecimento em corpo 8 no fim do volume. * Close reading de tweets? Isso mesmo. E ainda inclui um glossário de pés métricos dos nomes de rappers: iambos, troqueus etc. Pode, Arnaldo? * E por falar no Twitter: a “Wired” fez uma antologia de comediantes profissionais que se dedicam a fazer rir em menos de 140 caracteres. Alguns conseguem. * O neonazista americano educava o filho de 10 anos entre armas e relíquias nazistas. O filho aprendeu bem a…

A volta dos Começos Inesquecíveis: D.H. Lawrence

Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente. O cataclismo já aconteceu e nos encontramos em meio às ruínas, começando a construir novos pequenos habitats, a adquirir novas pequenas esperanças. É trabalho difícil: não temos mais pela frente um caminho aberto para o futuro, mas contornamos ou passamos por cima dos obstáculos. Precisamos viver, não importa quantos tenham sido os céus que desabaram. Era esta mais ou menos a posição de Constance Chatterley. Para marcar a volta da sumida seção Começos Inesquecíveis, nada como um começo do tipo epigramático, que prega já na porta de entrada da narrativa uma frase que nem parece ter autor, de tão entranhada numa certa sabedoria coletiva – à moda daquela famosa abertura de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”, uma dos campeãs de audiência do gênero: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. É esse o caso do começo de “O amante de Lady Chatterley” (Penguin/Companhia das Letras, 2010, tradução de Sergio Flaksman), o sexualmente escandaloso romance publicado em 1928 por D.H. Lawrence (1885-1930). “Nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a vê-la tragicamente” é uma frase marcada pelo…

Sabato morreu em baixa. Borges e Kirchner venceram?
Vida literária / 02/05/2011

A morte do escritor argentino Ernesto Sabato (1911-2011) no último sábado, a menos de dois meses de completar cem anos, motivou os elogios fúnebres de praxe. Pena que o necrológio, esse gênero cheio de superlativos que precisa dar ao leitor a ilusão de que o redator tem os olhos marejados, não seja bom condutor de inteligência e senso de perspectiva histórica. É porque Sabato merece ambos que o artigo publicado ontem no jornal espanhol “El País” pelo escritor argentino Jorge Fernández Díaz, sob o título “Os claro-escuros do túnel” (em espanhol, acesso gratuito), se torna mais notável na exposição dos fatores que levaram o autor de “Sobre heróis e tumbas” a morrer com seu prestígio literário em queda livre. Para resumir os argumentos de Díaz, enunciados no trecho abaixo, são dois os inimigos da reputação de Sabato. Um é estético-mundano, o outro é político. Um é de direita, o outro é de esquerda. Ambos são poderosíssimos: Jorge Luis Borges e o kirchnerismo. Literária ou não, jagunçagem é sempre um assunto triste, mas mantê-la na sombra do não-dito só lhe agrava o potencial de injustiça. Quem pode garantir saber o que dirá a posteridade, que para Sabato mal começou? Como Díaz,…