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P.S. a ‘Você nasceu para escrever. E agora?’
Sobrescritos / 30/11/2011

O esquema escritor A e escritor B (aqui) é, obviamente, uma simplificação. Não duvido que haja infinitas formas, e não apenas duas, de uma pessoa vocacionada para escrever lidar com tal fato, fazê-lo caber em sua vida como um sofá de três lugares na sala. No entanto, quantas dessas formas não serão apenas variações em torno de A e B, sequências A-B? Vamos admitir a verdade: a maior parte dos escritores e candidatos a escritor passa de uma letra à outra, e volta, ou fica, e vai de novo – quando não desiste de vez, claro – ao longo da vida. A é autocobrança, compromisso com desempenho, longas horas empenhadas. B é amadorismo no bom e no mau sentido: o prazer lúdico que é íntimo demais para ter de prestar contas a críticos ou quem quer que seja, e também uma confiança um tanto cândida na mágica da inspiração. Em termos assumidamente tão esquemáticos, é possível que só exista uma alternativa a A e B. Estamos falando, claro, de C – o A que pagou sua dívida, isto é, sente honestamente que pagou sua dívida e aí para, feito um personagem de Vila-Matas, feito um Raduan Nassar. O C já…

Você nasceu para escrever. E agora?
Sobrescritos / 28/11/2011

Acabou que, tanto quebrou a cara por aí, você se viu forçado a reconhecer: não tem nada que saiba fazer melhor nesta vida do que escrever. Construir esculturas de palavras, pequenos objetos, biscoitos ou ensaios para uma futura pirâmide, não importa. De todo modo, escrever. Ficar horas à frente de uma tela em branco e sujar aquela planura, desenhar alguma coisa. Você talvez esteja, quem sabe, até contente com a descoberta disso que gosta de chamar para si mesmo de dom, o que de fato é. Há o que festejar, mas esta mensagem é para quem passou da fase de festa e começa a ficar, hmm, meio preocupado. Você sabe que uma decisão terá que ser tomada logo, uma decisão simples, sim ou não, A ou B. A: Sim, vou encarar isso como a razão de ser da minha vida e me dedicar a escrever tão bem quanto possa, enquanto tiver forças físicas e mentais para tanto. B: Não, obrigado. Fico no amadorismo, o que importa é me divertir, me expressar. Não reconheço valor na corrida insana de vocês, isso que chamam maiusculamente de Literatura. O significado de escrever para mim está acima (ou abaixo, se preferirem, não estou nem…

Pop literário premiado: Jane Austen com ventosas roxas
Pelo mundo / 25/11/2011

httpv://www.youtube.com/watch?v=_jZVE5uF24Q Para não deixar cair mais uma vez no esquecimento a seriíssima série Pop Literário – que aparece aqui no blog às sextas-feiras, ou então não aparece – aí vai o bem produzido, divertido e premiado trailer do mashup “Razão e sensibilidade e monstros marinhos”, de 2009.

Zumbis de Bolãno, choro de Lethem e outros links
Pelo mundo / 23/11/2011

Sim, Roberto Bolaño (foto) escreveu uma história de zumbis – tendo a TV como intermediária, mas escreveu. Clique aqui para ver uma animação (meio desanimada, mas estilosa) baseada em seu conto The colonel’s son, “O filho do coronel”, publicado pela “Granta” inglesa em sua edição de horror. (Via The Book Bench.) * Antes eu me satisfazia com a imagem nebulosa de um novo e persuasivo crítico que deixava todo mundo excitado e nervoso ao atacar apaixonadamente romances em que as pessoas (inclusive eu) apaixonadamente acreditavam; agora eu me via na posição de revisar essa imagem em favor da impressão de um crítico nada convincente cujo ar de amplitude erudita mascarava – mal – um paroquialismo punitivo. O escritor americano Jonathan Lethem conta no “Los Angeles Review of Books” (em inglês, acesso livre) como descobriu que o rei – isto é, o crítico James Wood, de quem até então era fã – estava nu quando este lhe dedicou uma resenha negativa, oito (!) anos atrás. Não se pode negar coragem a Lethem por se expor assim, lambendo em público uma ferida que, tanto tempo depois, ainda se recusa a cicatrizar. Infelizmente, este elogio ambíguo é o único que consigo fazer ao…

Otimista com a internet, eu?
Vida literária / 21/11/2011

Michel Laub foi o primeiro a me chamar a atenção, via Twitter, para uma tensão de ideias entre o ensaio publicado este mês por Bernardo Carvalho na “piauí”, intitulado “Em defesa da obra”, e um post mais alentado que apareceu aqui no início do mês, assim que voltei das férias: Os indies, a morte da crítica e o caleidoscópio. Os dois textos têm aspirações e fôlegos diferentes, mas tratam, no fundo, do mesmo tema, aliás quente demais para que se possa manuseá-lo sem queimar os dedos: o que muda nos velhos paradigmas da literatura – e da crítica – na era da internet. Nessa arena, segundo Laub, Bernardo é “pessimista” e eu, “+ ou – otimista”. Pouco habituado a ver tal adjetivo associado a mim, fui procurar com interesse o texto antípoda, que passei então a recomendar a todo mundo. Bernardo Carvalho confirma mais uma vez ser um dos nossos autores mais antenados, além de talentosos. A certa altura diz o seguinte: Numa entrevista recente ao “New York Times”, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior…

Tesouro de cinemateca: Poe por James Mason
Pelo mundo / 18/11/2011

httpv://www.youtube.com/watch?v=W4s9V8aQu4c O blogueiro retoma a negligenciada série Pop Literário de Sexta com uma bela pepita de cinemateca: o curta de animação The tell-tale heart (“O coração delator”), adaptação fiel do conto de Edgar Allan Poe. Esta é, de longe, a melhor das incontáveis versões audiovisuais dessa obra-prima da literatura de terror disponíveis no YouTube. Lançado pela Columbia no distante 1953, o filmete parece surpreendentemente avançado no manejo ousado de enquadramento, montagem e técnicas pictóricas que antecipam as graphic novels dos anos 1980. E tem, acima de tudo, a narração sublime de James Mason no papel de sua vida: “É verdade, eu sou nervoso. Muito nervoso, terrivelmente nervoso… Mas por que vocês dizem que sou louco?”. Bom fim de semana a todos.

Bíblia chata e Shakespeare falso
Pelo mundo / 16/11/2011

Não dá para derivar personagens muito profundos ou suspense narrativo da convicção de que Jesus salva e tudo vai acabar bem. Até Charles Dickens se atrapalhou. Emérito contador de histórias, ele queria – embora não fosse lá tão cristão assim – que seus filhos soubessem “algo da história de Jesus Cristo”. Em fins da década de 1840, escreveu ‘A Vida de Nosso Senhor’ e a recitou para eles no Natal. “Jamais viveu alguém”, começava, “que tenha sido tão bom, tão amigo, tão gentil e tão piedoso com as pessoas que erram.” Eis uma sentença de abertura ruim por qualquer critério que se adote, mas as coisas pioraram quando Dickens insistiu: “Ele agora está no céu, para onde todos esperamos ir, a fim de nos reencontrarmos após a nossa morte”. Bom humor e alto astral diante da morte não rendem boa literatura, e o autor de ‘Oliver Twist’ e ‘David Copperfield’ deve ter percebido que fracassou. Deu o manuscrito aos filhos, sob a condição de que nunca permitissem que fosse copiado ou retirado de casa; e de fato o texto não achou o caminho de uma edição impressa por quase cem anos. Se um personagem nascido com todas as perfeições é…

No gabinete de Sua Gloriosíssima
Sobrescritos / 14/11/2011

– O Poeta Municipal de primeira classe 738-B33 mandou um requerimento. – O que ele quer? – Ser promovido a Poeta Estadual de segunda classe. – Ah, de segunda direto? Terceira não serve? – É o que está no requerimento, senhor: “…vem solicitar de Vossa Gloriosíssima a promoção deste humilde artista a Poeta Estadual de segunda classe por notório saber, blábláblá”. Anexa um livrinho. – Não me digas que é o Descertezas… – Descertezas convexas, isso. – Rá, mas é cara de pau esse 738-B33! O que tens na mão, 156-T040, é um opúsculo fraquíssimo, quase todo plagiado, uma vergonha. – Aqui na orelha diz que é sampling. – Sampling, tá bom. Quer dizer que o 738-B33 acha que pode ser promovido a Estadual depois de lançar um troço desses? Precisa aprender uma lição, o mané. Vamos rebaixá-lo. – A Municipal de segunda? – Não, vamos rebaixá-lo de categoria. – O senhor diz tornar 738-B33 um… – Poeta Invisível, exato. – Hã, sem querer soar impertinente, senhor, julgo ser meu dever, no papel de Conselheiro Crítico de primeira classe, lembrar que a última vez que rebaixamos alguém a Poeta Invisível foi há mais de dez anos, e o episódio não…

A biografia mal escrita de Martin Amis e outros links
Pelo mundo / 11/11/2011

É cruelmente divertida a resenha de Geoff Dyer (no “Financial Times”, acesso livre) sobre a recém-publicada biografia de Martin Amis (foto), escrita por Richard Bradford. Dyer defende a tese de que Amis rompeu com seu biógrafo não por desaprovar as revelações do livro (não há nenhuma, segundo ele), mas por ser alérgico a textos mal escritos. Depois de listar mais um de muitos exemplos de prosa pedregosa, observa: Seria possível argumentar que isso é só um deslize, um momento infeliz de descuido, e que é injusto, ao resenhar um livro cujo propósito é fornecer fatos, deter-se em defeitos de estilo. Se Bradford estivesse escrevendo a história da vida de um almirante reformado, talvez tal atenuante funcionasse. No entanto, como já apontou seu biografado, o estilo não é algo que se acrescente posteriormente ao texto, como um bonito papel de embrulho. É a própria coisa, o dom em si. E quando as frases começam a escapar do autor, todo o resto vai junto – a impaciência do escritor se transmite ao leitor. Estamos perto daquela famosa frase provocadora de Vladimir Nabokov, não por acaso um favorito de Amis: Estilo e Estrutura formam a essência de um livro; idéias grandiosas são besteira….

Amós Oz e o poder dos livros: ‘Vale a pena tentar’
Pelo mundo / 07/11/2011

Pouco perguntam sobre literatura ao israelense Amós Oz, 72 anos, embora ele seja um baita escritor. Oz costuma falar muito mais de política, o que é compreensível. Desde 1967, quando começou a se pronunciar publicamente a favor da criação do Estado palestino, ele vem sendo a face progressista mais constante de Israel, alguém com quem o diálogo é possível mesmo nos momentos de maior recrudescimento do conflito israelense-palestino. Seu mais recente feito político foi presentear com um exemplar autografado de seu livro de memórias o líder palestino Marwhan Barghouti, preso em Israel sob acusação de terrorismo. Isso reavivou um velho hábito da direita israelense: enviar-lhe cartas com ameaças de morte. Apesar de crítico da política israelense, Oz é um intransigente defensor do Estado de Israel, alguém que, filho de imigrantes sionistas oriundos da Europa oriental, viveu a história de sua criação como parte da infância e morou por décadas – inclusive depois de casado – num kibbutz. E que, quando saiu de lá, se mudou para uma casa no deserto de Negev. Oz está no Brasil para duas palestras sobre o tema “Literatura e guerra: perspectivas israelenses”, num dos eventos comemorativos do aniversário de 25 anos da Companhia das Letras,…

Sobre livrões, tijolos, mamutes e afins
Pelo mundo / 04/11/2011

O novo livro de Haruki Murakami, “1Q84”, tem 928 páginas. O estouradíssimo George RR Martin, resposta americana a Tolkien, escreveu para a série “Crônicas de gelo e fogo” cinco tijolos de muitas centenas de páginas cada um, que na soma das tiragens dariam para construir metrópoles inteiras de casas robustas, com paredes à prova de som. Estamos na terra dos gigantes, em que o último título megahypado da literatura americana, “Liberdade”, de Jonathan Franzen, com suas 761 páginas, parece de porte não mais que mediano. Os dois romances mais recentes do velho Stephen King têm, respectivamente, 1074 e 740. Roberto Bolaño compareceu há pouco tempo com “2666”, que não chega a ter tantas páginas quanto o nome sugere, ficando em 856, e que de todo modo é um coletivo de romances e não um. Mas na estante ocupa quase tanto espaço quanto outros mamutes, de “Infinite Jest”, de David Foster Wallace (1079), a “As benevolentes”, de Jonathan Littell (912). Diante de tudo disso, o novo Jeffrey Eugenides (que já baixei no Kindle e que seu tradutor Caetano Galindo me disse ser muito bom) nem parece exatamente um romanção. O anterior, “Middlesex”, tinha 544 páginas. O novo, “The marriage plot”, para…

Os indies, a morte da crítica e o caleidoscópio
Vida literária / 02/11/2011

Mesmo de férias – que decidi, num lance ousado, estender às redes sociais e parcialmente ao email, pois do contrário não seriam bem férias – eu não pude evitar que me chegassem ecos de uma polêmica cultural paulistana moderadamente interessante, aquela deflagrada pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior ao criticar o clima de compadrio que ele acredita dominar a cena musical dita indie da cidade. Sim, eu sei que o assunto ficou velho, que o jornalista já bateu e apanhou o suficiente. E não, o Todoprosa não voltou das férias transformado em blog de música. Acontece que comecei a pensar no que o episódio revela, por afinidade ou por contraste, sobre nossa província das letras. O mote para essa ampliação de foco é dado pela professora universitária Ivana Bentes, que, num breve artigo sobre o caso, tomou enfaticamente o partido das bandas atacadas: O debate e a polêmica (se tem uma) é a própria crise da onipotência da critica tradicional. Por que hoje o que ‘qualifica’ não é ‘a critica’ é o processo todo. Quanto mais bandas iniciantes, mais circuitos indies, mais gente pensando o ‘processo produtivo’ mais chances de surgir uma nova cena e grupos realmente interessantes. Só que agora…