“O espírito da prosa – uma autobiografia literária”, de Cristovão Tezza (Record, 224 páginas, R$ 34,90), é um livro corajoso e único no cenário brasileiro: um longo ensaio em que um ficcionista de sucesso reflete sobre sua formação, sonda motivações ocultas, esmiúça referências, defende teoricamente suas escolhas no quadro histórico da prosa de ficção e, ao mesmo tempo, expõe as próprias dúvidas e pontos fracos com franqueza desconcertante. Ex-professor universitário e estudioso do linguista russo Mikhail Bakhtin, Tezza não facilita as coisas para o leigo menos ligado no tema: nem tanto pela linguagem – “Este não é um trabalho acadêmico”, avisa na primeira frase do livro – quanto por um tom singularmente fervoroso, “O espírito da prosa” dirige-se a um leitor no mínimo apaixonado por literatura. No trecho abaixo, depois de destroçar os três primeiros livros que escreveu – e que nunca publicou –, Tezza faz uma defesa enfática de algo que grande parte da inteligência literária brasileira tem gostado de tratar como defunto, muitas vezes com a superficialidade apressada de quem já não precisa reafirmar o óbvio: a ficção realista e seu lugar único, que obviamente não é o de uma linguagem em que o autor insufle uma verdade…