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As lições da senhora Ros, ‘a pior escritora do mundo’

É possível que a romancista e poeta Amanda McKittrick Ros (foto), uma professora nascida em 1860 na Irlanda do Norte, não tenha sido a pior escritora do mundo. Com certeza foi a escritora ruim que mais sucesso fez justamente pela ruindade de sua literatura. Esbarro em sua história fascinante no ebook Epic fail (Fracasso épico), de Mark O’Connell, que teve um trecho (em inglês) reproduzido há poucos dias na revista eletrônica Slate. O surrealismo involuntário da prosa absurdamente artificiosa de Ros já foi apontado por sua legião de admiradores-detratores – com hífen porque são as mesmas pessoas, a admiração sendo no caso uma forma de gozação. A novidade do enfoque de O’Connell é lançar a hipótese de que Ros também tenha inventado sem querer o pós-modernismo ou pelo menos um de seus traços mais marcantes, a elevação irônica da ruindade galopante a uma forma de arte. Não se trata de fenômeno isolado. Ros está para as letras como Ed Wood está para o cinema e Pedro Carolino, autor do hilariante “Novo guia da conversação em portuguez e inglez” (Casa da Palavra), para os estudos linguísticos. Mestre insuperável da purple prose, como os anglófonos chamam o estilo empolado típico da subliteratura,…

Que cena! A xícara de café de ‘Dom Casmurro’

Lanço hoje uma nova seção no Todoprosa, chamada “Que cena!”. Durante alguns anos, os “Começos inesquecíveis” – posts em que eu apresentava trechos iniciais marcantes de grandes romances, acompanhados de breves comentários que davam pistas sobre o porquê de sua permanência – foram os mais visitados e linkados do blog. O sucesso, imagino, teve tanto a ver com a qualidade dos começos em si quanto com a sede de informação de um país que, em grande parte, mal começa a aprender a ler. Os “Começos inesquecíveis” passaram a ser tomados por muita gente como indicadores de leitura, com a vantagem de já virem com amostras do estilo de cada autor. A seção chegou ao fim naturalmente, de puro cansaço. Seria absurdo sugerir que esgotaram-se os bons começos disponíveis na literatura universal. O que passou perto de se esgotar foi a reserva dos começos que marcaram minha memória de leitor – e a ideia sempre foi partir da experiência pessoal, tentar compartilhar um prazer a quente em vez de ensinar uma matéria a frio. A seção “Que cena!” se baseia numa ideia semelhante: publicar pequenos trechos especialmente marcantes de grandes livros, agora extraídos de qualquer ponto, começo, meio ou fim. Trata-se…

Concentração dividirá o mundo entre senhores e escravos

Até o fim da Copa do Mundo, que estou cobrindo para VEJA, o blog traz uma seleção de posts de outras jornadas. O artigo abaixo foi publicado em 29/6/2011. . Antes do tsunami digital, o poder pertencia aos detentores da informação. Agora, com a informação mais desvalorizada que cruzados e cruzeiros nos anos Sarney e Collor, a moeda em alta será cada vez mais a capacidade de concentração – aquela exigida por exemplo de quem mergulha na primeira página de um livro para emergir na última, sem parar dez mil vezes no meio do caminho para conferir o e-mail ou se divertir com vídeos virais no YouTube. Parece um paradoxo, mas não é. O turbilhão das informações online é superficial para quem o consome, não para quem o produz. Toda horizontalidade tem uma dimensão vertical que a sustenta: o vídeo viral que se engole em um minuto e meio exigiu tempo e concentração de seu autor ou autores. A capacidade de imersão atenta e refletida que o mundo digital parece disposto a aniquilar é, no fundo, um dos pilares de sua linha de produção. Uma pesquisa feita no mês passado nos EUA pela Nielsen apurou números interessantes: a maior parte…

A internet é uma máquina de fazer idiotas?

De hoje até o fim da Copa do Mundo, que cobrirei para VEJA, o Todoprosa trará uma seleção de colunas de outras jornadas. As duas abaixo foram publicadas em 9 e 11 de janeiro de 2012. . “A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital. O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado “O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz, horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de extinção. Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue manter no…