Corte, montagem, simultaneidade, monólogo interior. A literatura teria inventado o cinema sem se dar conta disso? E depois, conscientemente, teria se voltado para o que inventou para se reinventar (escrevendo adaptações literárias de filmes)? Para deslocar seu ponto de vista para a sudação interior dos rostos?
Ou o cinema inventou-se a si mesmo? Fez-se a si mesmo, tal como a literatura, a poesia, a música, a pintura? E se assim foi (a invenção continuando a se inventar), as artes no século XX inventaram com o cinema novas formas de percepção do espaço e do tempo? Ou, como propõe Carlos Fuentes, apenas desenvolveram outros instrumentos para prosseguir “la pugna del arte desde el Renacimiento”?
A notícia da morte do cineasta sueco Ingmar Bergman (leia mais no blog irmão do Calil, aqui) me pega às voltas com as provocações do crítico cinematográfico José Carlos Avellar – um dos ídolos da minha geração aspirante a uma vaguinha no jornalismo cultural, lá se vai um quarto de século – no recém-lançado “O chão da palavra – cinema e literatura no Brasil” (Rocco, 438 páginas, R$ 48,50).
Além de ser leitura recomendada a todos os interessados em literatura, cinema ou ambos, o livro também deve agradar a quem não se dedica a nenhuma dessas artes em especial, mas sabe apreciar ensaios inteligentes que insistem em sondar as profundezas de tudo aquilo que a cultura contemporânea, com estranha volúpia, garante ser mais superficial e chapado que propaganda de cerveja.
O que o genial Bergman tem a ver com isso? Tudo. Inclusive o fato de não me ocorrer, assim de estalo, um exemplo de cineasta mais literário e cinematográfico ao mesmo tempo.
20 Comentários
Pois é, como também escrevi, o Bergman tinha questionamentos metafísicos muito próximos da literatura e da filosofia. Uma grande perda.
Esse livro está em catálogo, Sérgio?
Curiosamente, ontem me lembrei de Bergman enquanto via o anti-Bergman – Seinfeld. Saudades das piores e das melhores sensações que Bergman me proporcionou – todo aquele sangue de Gritos e Sussurros, toda aquela estrada de Morangos Silvestres. Belo post, Sérgio.
“Corte, montagem, simultaneidade, monólogo interior. A literatura teria inventado o cinema sem se dar conta disso?” Ambos são representações da consciência. Oliver Sacks, o neurologista e autor, escreveu um artigo magistral sobre o tema, intitulado “In the River of Consciousness”.
Marcelo, o livro acabou de sair.
fico feliz que tenhas gostado, dom. alguma crítica?
imagino o quanto não tá sendo brabo pro teu lado essa história do mínimo fora do ar..
mas continua-se.
vamos nos falando.
abraço
R.I.P. Ingmar Bergman, um daqueles gênios raríssimos que produziu muito. Do ponto de vista literário, era mais ligado à dramaturgia.
Cinema e literatura se recriam e uma a outra.
‘Gritos e sussuros’ me ensinou que há erostismo sem sexo, e erotização nos afetos.
E tem filme mais solar que “Fanny e Alexander”?
Era um poeta, sobretudo.
Cineasta literário e cinematográfico? Tarkovsky.
A notícia da morte de Bergman me deu uma suprpresa triste essa manhã. Mas a sensação posterior foi de carinho. Ele morreu em casa, aparentemente uma morte tranquila. deixou uma obra maravilhosa, produzida até o último momento. Fico feliz por ele.
Xeque-mate…
obrigado pelos filmes…
obrigado pelos filmes… [2]
pelo comentário de Welles, a vida dele não deve ter sido muito fácil, não? pelo menos hoje, se quisesse, poderia configurar o computador para “bater palmas” para ele…
Nao me recordo de ter visto algum filme dele, mas prometo no futuro, se conseguir, ver alguns destes ai mencionados pelo povo que esta sempre inside of cult.
Repórteres mencionaram o filme “O Sétimo selo” como algo muito impressivo. Uma partida de xadrez com a Morte, salvo engano. Talvez valha realmente a pena ver.
Espero que respeitem minha confissao.
E o Antonioni hem?? Fará Falta?
Puta merda, no mesmo dia se vão Bergman e Antonioni. Os outros bons, como o Kubrick, já se pirulitaram faz tempo. Vamos ter de ficar com os Piratas do Caribe pra sempre?
Se continuarmos nesse ritmo, vai ser Rohmer na quarta, Resnais na quinta e Godard na sexta.
Bergman, Antonioni… infelizmente, a indesejada das gentes não perdoa genialidades. E pensando bem, é bom que seja assim mesmo. Cada um tem ou cria o tempo que pode para dar seu recado ou não dar recado nenhum, o que também não é nenhum demérito.
Bergman e Antonioni são exemplos de criadores que não contemporizavam com o público. Sem serem pedantes ou obscuros, faziam seus trabalhos de acordo com aquilo que imaginavam e com os meios que dispunham. Quem quisesse que se virasse pra “entender”…
São exemplos de honestidade intelectual.
Este livro do Avellar, eu ainda nem sabia que existia, mas o que esse cara escrevia nos áureos tempos do Caderno B da melhor fase do JB era de se babar: o melhor crítico de cinema do Brasil, escreve bem e não se comprometia com o “gostei” ou “não gostei”, apenas oferecia modos de se aproximar dos filmes, botando o leitor para pensar. E escrevia muito bem sobre Bergman, dentre outros grandes autores que já se foram.
Cineasta literário e cinematográfico? James Ivory, com toda a ponta e circunstância que um certo tipo de literatura pressupõe. Ou Nelson Pereira dos Santos…
Há momentos de Bergman que são puro cinema, e é isso que o tornou grande.
Não concordo com o literário e cinematográfico ao mesmo tempo. As artes não se misturam. Apenas há uma certa preguiça de análise mais profunda dos generos e suas possibilidades nos diversos meios. Vera