O leitor Igor Felipe, do Recife, gostou da palavra “escambau”, que usei outro dia, e pergunta por seu “significado e origem”. “Desde pequeno escuto essa palavra mas só descobri sua grafia na sua coluna”, diz Igor, acrescentando já ter visto por aí as formas “iscambau”, “uscambau” e “scambau”. “Escambau” – grafada assim nos dicionários – é uma das minhas gírias antiguinhas de estimação. Leva a data de 1950 no Houaiss, mas tem o misterioso poder de conservar um certo frescor. Não faz o falante parecer recém-saído de uma câmara criogênica, como ocorre com “jóia”, “brasa”, “bokomoko”. O sentido de “o escambau” é, como se sabe, “mais um monte de coisas” – uma espécie de “etc.” menos formal e mais enfático. Também é possível encontrar a palavra, com menos freqüência, num papel que costuma ser assumido por palavrões. Exemplo: “Ingênuo, eu? Ingênuo é o escambau!” Sua origem é controversa, mas a tese que soa mais plausível deriva a palavra de “cambada” (porção de coisas, cambulhada). O Houaiss, sempre ele, explica como isso teria ocorrido: “com alteração de sufixo para -al, ‘grande quantidade’, e depois grafado com -u, seguindo a pronúncia do -l final, predominante no Brasil”. Publicado no “NoMínimo” em 28/8/2006.
“Aloprado” é uma palavra exclusiva do português brasileiro que quer dizer “amalucado, desatinado” ou “agitado, inquieto”. Vem de “lorpa”, termo que, como “pascácio”, é hoje pouco usado mas designa com eloqüência cômica um idiota, imbecil, palerma. De “alorpado”, apalermado, se fez “aloprado” por meio de uma operação lingüística conhecida como metátese, que consiste no deslocamento de fonemas ou letras dentro de uma palavra. Esse deslocamento pode ser produzido deliberadamente por um autor em busca de efeito poético – como Camões ao escrever, nos Lusíadas, sobre “ventos contrairos” – ou ser um trabalho anônimo de gerações de falantes, como o que transformou “desvariar” em “desvairar”. “Aloprado” está no último caso. Publicado no “NoMínimo” em 26/9/2006.
A consulta vem do leitor Olney Figueiredo: Dá pra explicar o motivo do uso de “cachê” (do francês, “oculto”) como forma de pagamento de artistas? Na verdade, nosso cachê foi importado do francês cachet, que não guarda relação com o verbo cacher, “disfarçar, dissimular, esconder”. Embora possa sugerir a imagem de um pagamento envergonhado, feito na moita, o cachê não tem nada a ver com isso. A palavra cachet, cujas acepções mais antigas são “sinete, carimbo, selo”, acabou adquirindo em francês o sentido, entre outros, de remuneração dada a um artista por cada uma de suas apresentações. O caminho que percorreu para chegar a esse ponto incluiu carnês – carimbados, claro – que iam sendo destacados a cada pagamento. Publicado no “NoMínimo” em 11/9/2006.
A palavra smoking, nome daquele traje masculino formal, tem uma história curiosa. Nos EUA, onde a coisa foi inventada há 124 anos ao se suprimir a cauda do fraque, o nome da roupa é tuxedo – porque era esse o nome do clube em que foi lançada. Na Inglaterra, é dinner jacket. De onde terá saído o smoking? Veio da expressão smoking jacket, algo como “traje de fumar”. O processo de importar do inglês um adjetivo e tratá-lo como se substantivo fosse é manjado, o mesmo que deu em shopping e outdoor. Mas smoking tem algumas peculiaridades. Em primeiro lugar, smoking jacket, um estranho traje que fez sucesso na Inglaterra vitoriana, não tem nada a ver com o que hoje chamamos de smoking. Lembra mais um robe de chambre curto, com gola e punhos acolchoados. Era usado por fumantes de charuto e cachimbo para proteger a roupa do cheiro de tabaco. Por que se tomou o nome smoking jacket para nomear uma roupa muito diferente é matéria de especulação, mas tudo indica que o mal-entendido – ou coisa que o valha – aconteceu primeiro na França. O primeiro registro desse uso data de 19 de julho de 1890, na revista…
Para se ter uma idéia de como mudou a cabeça da humanidade sobre armas nucleares: há mais de 60 anos, em julho de 1946, o primeiro teste nuclear americano no Atol de Bikini, no Pacífico – o primeiro realizado debaixo d’água – soava tão glamouroso que o lugar batizou uma escandalosa novidade adotada pelas banhistas da Riviera francesa pouco tempo depois. Não é provável que “Coréia do Norte” tenha destino sequer vagamente semelhante. Ah, claro: o poderio – econômico, militar, pop – de quem aperta o botão do detonador também conta um pouquinho. Publicado no NoMínimo em 9/10/2006.
A amiga Marina Lemle pergunta como e por que “espinafrar” virou, na linguagem informal brasileira, sinônimo de repreender duramente, passar uma descompostura em alguém, ou ainda criticar de forma arrasadora. O que o inocente espinafre, verdura imortalizada pelo marinheiro Popeye e tão valorizada pelas mamães, tem a ver com isso? Segundo o etimologista Silveira Bueno, nada. Vejam o que ele diz sobre espinafrar: “Palavra da gíria onde entra a idéia de espinho, na forma espina, sendo obscura a segunda parte frar. Nada tem com espinafre”. Mas tudo indica que Silveira Bueno se enganou. O próprio sentido que ele atribui ao verbo, o de “amolar, apoquentar, massar, irritar”, não bate bem com o que se encontra em outros dicionários. Houaiss e Aurélio concordam que espinafrar deriva mesmo de espinafre, e o primeiro registra uma curiosa acepção portuguesa que bem pode ser a explicação que faltava para o sentido da gíria brasileira: “tornar(-se) semelhante ao espinafre”. De fato, segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, “espinafrar” nasceu com um significado preciso: “Fazer ficar ou ficar alto e magro como um espinafre”. Diz-se, por exemplo: “Sabe aquele rapaz? De um ano para cá, espinafrou”. Nenhuma relação com a gíria brasileira, como…
O leitor Alexandre Telles pergunta pela origem da palavra “chiste”, que quer dizer gracejo, dito espirituoso, piada curta. Segundo o Houaiss, o termo foi importado do espanhol chiste, forma regressiva do verbo chistar. O curioso é que a formação de chistar parece ser onomatopaica, ou seja, imitativa do som – não é gratuita, portanto, a semelhança sonora de “chiste” com a interjeição “psit”. Chistar é, na origem, “falar em voz baixa, sussurrar gracejos”. Embora tenha nascido ao pé do ouvido, o chiste já não guarda esse caráter de cochicho – “cochicho” que também é uma onomatopéia. Publicado no NoMínimo em 28/11/2006.
Gringo é um termo de conotações pejorativas que os mexicanos, no século XIX, tornaram praticamente sinônimo de americano. Nem sempre foi assim. “Gringo” é uma variação do espanhol griego, “grego”, e surgiu na Espanha – consta que primeiro em Málaga, depois em Madri – para designar de forma jocosa qualquer estrangeiro que falasse “enrolado”, especialmente os irlandeses. Vê-se entre nós a permanência da idéia do grego como algaravia na expressão “falar grego”, que significa “expressar-se de forma ininteligível”. Um provérbio latino medieval está na origem de tudo isso: Graecum est; non potest legi, ou seja – “É grego; não se consegue ler”. A origem espanhola da palavra está registrada no Diccionario Castellano, de P. Esteban de Terreros y Pando, publicado em 1787. Muitas décadas, portanto, antes da guerra entre México e EUA (1846-1848) em que “gringo” se firmou no Novo Mundo. Segundo o Merriam-Webster, o verbete de 1787 desmente uma lenda etimológica de ampla circulação, a de que o termo teria nascido de uma canção escocesa tradicional que os soldados americanos cantavam na guerra contra os vizinhos do Sul, “Green Grow the Rashes, O!”. Isso teria levado os mexicanos, interpretando ao seu modo as duas primeiras palavras do verso de…
Sempre me intrigou que o presépio, singela representação do nascimento de Jesus Cristo numa estrebaria, tenha tido na língua brasileira filhotes pejorativos como “presepada” (palhaçada) e “presepeiro” (fanfarrão). Vinda do latim praesepium, que quer dizer apenas curral, cercado onde se guardam animais, a palavra “presépio” existe no português desde o século XIV, com sentido exclusivamente religioso. Quem passa mais perto de uma explicação é o etimologista Silveira Bueno. Depois de afirmar que a tradição do presépio foi iniciada por São Francisco de Assis, ele registra no verbete “presepista”, sinônimo menos comum de presepeiro, que a palavra se aplica tanto a quem monta presépios quanto aos “farsantes que tomavam parte nos autos de Natal”. Isso joga uma luz nova sobre uma das acepções de “presepada” no Houaiss: “espetáculo ridículo”. A péssima qualidade dos atores dos presépios vivos, seus prováveis maneirismos, para não mencionar a cenografia e os figurinos toscos – tudo isso pode ter criado as condições para o nascimento de “presepada”. Publicado no “Nomínimo” em 22/12/2006.
Yankees, go home! Hoje usada indiscriminadamente, e muitas vezes com sentido negativo, como sinônimo de nativo dos EUA, yankee é, curiosamente, uma das palavras mais misteriosas da língua inglesa. Ninguém sabe de onde veio, embora ao longo da história não tenham faltado teses etimológicas – algumas cômicas. Acredita-se que, de início, yankee (que aportuguesamos com a grafia “ianque”) era um termo usado pejorativamente pelos holandeses de Nova York para designar os habitantes de Connecticut. Em seguida, os colonizadores britânicos o adotaram como sinônimo de qualquer colono americano. Em sinal de desafio, mais tarde foi o pessoal da terra que reivindicou orgulhosamente o nome, num percurso semelhante ao cumprido pela palavra “brasileiro”, que de início também tinha conotações depreciativas. Hoje, os dicionários nos informam que o sentido mais restrito de “ianque” é habitante da Nova Inglaterra, na região Nordeste dos EUA, que inclui entre outros o referido estado de Connecticut. Na Guerra de Secessão, porém, ianques eram todos os nortistas – que venceram. Isso significa que, numa das acepções restritas da palavra, o texano Bush não era exatamente um deles. Mas faz tempo que qualquer americano é chamado de ianque. Confuso? Ainda não vimos nada. Segundo o Merriam-Webster etimológico, em que…
“Gandaia” – vadiagem, esbórnia, orgia, pândega, bandalha, folia – é palavra antiga e misteriosa. O Houaiss registra duas teses principais sobre sua origem: Bluteau (1713) registra assim: “Gandaya, Gandáya (como quando se diz) Andar à gandáya. He andar buscando no lixo, & nas enxurradas, ferrinhos, & outras cousas, que a agoa leva”. E ainda: Corominas, s.v. gandaya ‘especie de redecilla para el cabello’, ‘tuna, vida holgazana’, dá como do cat. gandalla, de igual sentido, “probablemente porque los bandoleros catalanes de los SS. XVI y XVII llevaban el cabello recogido com gandalla“, acrescentando que o étimo é incerto… (Legendas: D. Raphael Bluteau é autor do clássico “Vocabulario Portuguez e Latino”, publicado de 1712 a 1720; Joan Corominas é um importante filólogo catalão do século XX; redecilla é “redezinha”; tuna, vida holgazana, “vadiagem, vida folgada”.) Silveira Bueno dá crédito a Corominas. Antônio Geraldo da Cunha se cala. O Houaiss acrescenta que Nei Lopes, paladino da ascendência africana de palavras duvidosas, sugere origem banta. E Antenor Nascentes, depois de registrar teses variadas – inclusive a que deriva a palavra do árabe gandur, “peralta” – aumenta o volume do delírio: Candaya será, quem sabe?, uma aproximação arbitrária da Catai misteriosa e desejada, e coloca-se…
O leitor Daniel Brazil pergunta de onde vem o arco-da-velha, hoje presente quase exclusivamente na expressão “do arco-da-velha”, que significa “inacreditável, inverossímil, fantasioso”. Bem, arco-da-velha é simplesmente um dos nomes tradicionais do arco-íris. É sinônimo de arco-da-aliança, arco-celeste, arco-da-chuva e arco-de-deus. Como todos esses termos, anda em desuso. E por que da velha? O que uma senhora idosa tem a ver com o bonito fenômeno meteorológico? “Ainda não se deu explicação suficiente”, anota o filólogo Silveira Bueno, para em seguida apresentar uma explicação: “A maioria pensa que seja em referência do fato bíblico: após o dilúvio, quando Noé oferecia um sacrifício a Deus, apareceu o arco-íris, sinal do termo da velha aliança e do começo da nova aliança”. Embora no cristianismo, diferentemente do que afirma Bueno, a expressão “nova aliança” seja empregada em relação ao Novo Testamento (a de Noé era, portanto, a velha), é verdade que as alianças referem-se aos pactos que, segundo as Escrituras, Deus estabelece com os mortais. Registre-se que arco-da-aliança é um dos sinônimos de arco-da-velha. Quanto ao sentido de coisa inverossímil, fantástica, bem – mesmo que se deixe de lado a própria história de Noé, o arco-íris, com sua beleza impalpável e fugaz, sempre se…
O leitor Sérgio Luiz Fernandes pergunta: Caro xará, qual a origem desta palavra para designar alguém com o mesmo nome? Parece não haver dúvida de que o brasileirismo “xará” vem do tupi. Os filólogos Antônio Geraldo da Cunha e Silveira Bueno concordam nisso, embora apresentem notações um pouco diferentes: xa’ra, de xe rera, “meu nome”, de acordo com o primeiro; e che-rera-á, “o que é tirado do meu nome”, nas palavras do segundo. Detalhes que não alteram a substância. Publicado no “NoMínimo” em 9/3/2007.
Alho-poró é um eufemismo que parece ter conquistado a preferência dos falantes brasileiros. Acontece que porro e alho-porro, formas tradicionais de chamar em português a erva Allium porrum ou ampeloprasum, ganharam ressonâncias desagradáveis pela associação com “porra”. Uma associação que, longe de ser fortuita, vai fundo na história das palavras. Segundo Corominas, o filólogo eminente, tudo começou no latim, quando o alho-porro emprestou seu nome em caráter adjetivo a um tipo de maça (arma, porrete) com cabeça redonda e haste alongada, lembrando o formato da apreciada erva: a maça virou porrea, de porrum (alho). Pois é essa porra-clava, mãe do diminutivo porrete, que vamos encontrar na boca de Bocage no fim do século 18 significando um tipo bem específico de cacete: o membro sexual masculino (“Que esse monstro, que alojas nos calções,/ É porra de mostrar, não de foder”, versejou Manuel Maria, o desbocado). Só mais tarde “porra” se tornaria uma palavra-ônibus de largo emprego, inclusive como interjeição e pontuação enfática. Mas será que veio por essa via bocagiana, numa espécie de expansão, digamos, ejaculatória, a acepção – brasileiríssima – de esperma? Ou fará algum sentido a tese, citada por Márcio Bueno em “A origem curiosa das palavras” (José Olympio),…
Parece gíria de malandro da Lapa carioca, talvez dos anos 20 do século passado, não parece? Alguma coisa com “gringo” no meio. Não é nada disso. O verbo – que quer dizer, como se sabe, “decair, desandar, deteriorar rapidamente” – é importado em linha direta do francês dégringoler, que por sua vez, ensina o Houaiss, saiu do holandês kringeln, “cair em círculo”. Tudo muito tradicional e, sim, globalizado: o inglês foi buscar na mesma fonte o substantivo – pouco usado, mas por isso mesmo expressivo – degringolade, “declínio rápido, colapso”. Tradução óbvia, e nesse caso também a mais correta: degringolada. Pronto, o mundo já pode degringolar em uníssono. Publicado no “NoMínimo” em 12/12/2005.
Do latim testa, vaso de barro cozido, a testa é uma urna de argila. A testa é uma talha para vinho – apropriada, esta. A testa é também tijolo, ladrilho, telha, ou seja, a casca, o casco, a crosta. A escama. A carapaça, eis a testa. A concha. Lá dentro da concha-testa, o bicho dorme. Acorda, bicho-da-testa. Segunda-feira é fogo. Publicado no “NoMínimo” em 9/4/2007, que também caiu numa segunda-feira.
Etimologia pitoresca e sóbria ao mesmo tempo: despautério provém de “Despautère, nome afrancesado de J. van Pauteren, ou talvez latinizado Despauterius (gramático flamengo, 1480?-1520), cuja obra Comentarii gramatici (1537), confusa e rica de dislates, foi muito difundida na Europa entre os sXVI-XVII”. Tá no Uais. Despautério era um gramático cretino, gostei de saber disso. Depois, consultando Silveira Bueno, descubro que Despautério talvez não tenha sido o bobo da corte dos gramáticos que imaginei a princípio. SB cita a Larousse: “Embora difuso, obscuro e cheio de declamação, (Despautère) gozou de não pequena voga até que foi destronado pela Gramática, muito mais simples, de Lhomond”. Despautério não falava despautérios, afinal? Era apenas verboso, talvez meio obtuso, mas chegou a fazer sucesso em seu tempo? Nesse caso, quando terá surgido no caminho da palavra seu sentido tão agudo de disparate, de absurdo, do que não tem cabimento? Publicado no “NoMínimo” em 10/11/2005.