FERNANDO ARRABAL, espanhol, vinte e sete anos, pequeno, cara de criança com uma barba que parece um colar e franjinha. Há anos vive em Paris. Escreveu peças teatrais que ninguém nunca quis encenar e também um romance publicado pela Julliard. Passa fome. Não conhece nenhum escritor espanhol e os odeia todos porque dizem que ele é um traidor e gostariam que fizesse realismo socialista e escrevesse contra Franco e ele se recusa a escrever contra Franco, ele nem sabe quem é Franco, mas na Espanha, se não formos contra Franco, não podemos publicar nada nem ganhar prêmios literários porque quem manda em tudo é Goytisolo, que impõe a todos o realismo socialista, ou seja, Hemingway-Dos Passos, ele nunca leu Hemingway-Dos Passos, nem sequer leu Goytisolo porque não consegue ler realismo socialista, e deixando de lado Ionesco e Ezra Pound não gosta de muita coisa. É extremamente agressivo, brincalhão de forma obsessiva e lúgubre, e nunca se cansa de me bombardear com perguntas sobre como é que eu posso me interessar por política e também sobre o que se faz com as mulheres. Seus objetivos polêmicos são dois: política e sexo. Ele e os blousons noirs, dos quais se faz intérprete,…
“Travessia de verão” é assustadoramente supertrabalhado, cheio daquelas metáforas improváveis que mais tarde Capote diria detestar. É impiedosa a crítica (em francês) que Josyane Savigneau assina no “Le Monde” sobre a tradução francesa do primeiro romance de Truman Capote – sim, tudo indica que se trata realmente do primeiro, embora o crítico brasileiro Silviano Santiago tenha tentado mudar essa cronologia em resenha no “Mais!” (só para assinantes). O rigor francês não surpreende. Curioso mesmo é descobrir que o lançamento do livro por lá, mercado voraz, coincidiu com o brasileiro – veja nota do dia 22, aqui embaixo.
Em Segóvia há muito mais açougues que livrarias. Consomem-se mais leitões do que livros. Não há tradição de encontros literários, e muito menos existiam antecedentes de pagar para poder ouvir escritores falando de suas obras, seus gostos literários ou suas opiniões sobre literatura ou política. Segóvia não é Hay on Wye, a cidadezinha galesa cheia de livrarias e acostumada a celebrar encontros de escritores há décadas. E, apesar de tudo, em Segóvia o Festival de Hay foi um êxito e uma surpresa. Os encontros literários dos dias ? e das noites ? segovianas demonstraram que há, sim, o desejo de escutar, ler, debater e participar das discussões culturais e literárias. Os locais onde se deram os encontros estavam cheios, as pessoas pagavam pelo espetáculo de ouvir os intelectuais, historiadores ou escritores de tão distinta condição, cultura ou fama que ali compareceram. Havia debates, perguntas e celebrações de manhã à noite na monumental, civilizada, divertida, e de excelente gastronomia, cidade castelhana. Havia filas (!!) para poder ver um escritor. É engraçado ler a embasbacada crônica do jornalista espanhol Javier Rioyo no site literário Boomeran(g) sobre o sucesso do Festival de Hay em Segóvia ? sim, um absurdo equivalente ao do Rock…
No “Telegraph” deste fim de semana, Jasper Rees conversa com Julian Barnes sobre seu último livro, que, quem diria, é um relativo sucesso comercial na Inglaterra: “Arthur & George”, uma história de tribunal de leitura grudenta em que o advogado é ninguém menos que Arthur Conan Doyle, o criador do detetive Sherlock Holmes. Surpreendente, sem dúvida, mas não pelo uso do personagem famoso. Barnes escreveu sua obra mais marcante quando transformou sua paixão por Gustave Flaubert numa deliciosa mistura de romance, esboço biográfico e ensaio literário em “O papagaio de Flaubert”. Difícil saber em qual gênero o livro brilha mais. Situando Julian Barnes em sua geração excepcional, Rees anota: “Martin Amis, Salman Rushdie, Ian McEwan – com eles você sabe, há anos, onde está pisando. Mas o tema unificador da obra de Barnes? O fio condutor? Se existe tal coisa, é uma elegante imponderabilidade…”. Imagino que seja um elogio.
Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto. Eis o primeiro parágrafo de “A metamorfose” (Civilização Brasileira, tradução de Brenno Silveira, 5a edição, 1988), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Sem comentários.
Para fechar o capítulo do megalançamento brasileiro do selo espanhol Alfaguara (veja as duas últimas notas, sobre os livros de Mario Vargas Llosa e Cormac McCarthy), o Todoprosa destaca outros dois títulos no pacote de meia dúzia que está chegando às livrarias neste fim de semana: “Travessia de verão” (tradução de Fernanda Abreu, 143 páginas, R$ 31,90), o primeiro romance escrito por Truman Capote, e “Grandes símios” (tradução de José Rubens Siqueira, 406 páginas, R$ 59,90), do inglês Will Self. Trata-se de dois livros menores do que seus autores – mas os autores são tão interessantes que isso não é grave. “Travessia de verão” tem uma história curiosa: os cadernos escolares com o manuscrito foram entregues à casa de leilão Sotheby’s em 2004 pelo herdeiro do proprietário de um apartamento em que Capote (1924-1984) morara nos anos 40. O livro foi publicado ano passado nos EUA com a autorização do Truman Capote Literary Trust, embora o autor de “Bonequinha de luxo” – com o qual “Travessia de verão” tem parentesco – e da obra-prima “A sangue frio” nunca tenha demonstrado o menor interesse em lançá-lo em vida. Como documento dos primeiros passos de um grande escritor, é material valioso. “Grandes…
Adivinhar o futuro do livro diante da suposta ameaça digital é como especular com o resultado que seu time favorito obterá no domingo. Você não tem como saber, não faz idéia e é melhor que não faça, porque se o seu time, por exemplo, vai perder de goleada, é inútil que você preveja isso, porque não poderá fazer nada por ele, nada para evitar a catástrofe. De modo que o melhor é não se incomodar demais com especulações. Depois de tudo, ocorrerá o que tiver de ocorrer. Mais ainda: na realidade o futuro digital do livro já está escrito, e não creio que em sua escritura eu tenha participado ou venha a participar. Há pouco mais de dois meses, passaram aqui pelo Todoprosa os ecos de uma boa polêmica travada nas páginas do “New York Times” entre o ficcionista John Updike e o jornalista Kevin Kelly, o primeiro declarando-se horrorizado com as previsões do segundo de que o livro como o conhecemos, com autoria, estilo, começo e fim, está prestes a se diluir num grande livro universal sem autor e sem forma, acessado aos pedaços por mecanismos de busca – a própria internet, pois é. A última edição do caderno…
Já sabemos que George W. Bush posa de leitor de grandes livros para ficar bem na foto e que Lula, mais autêntico, não tem a menor intimidade com eles (veja abaixo a nota “O que lêem os presidentes”, de 23/8). Mas o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é diferente, garante um artigo (em inglês, mediante cadastro) assinado por Simon Romero no “New York Times” de ontem. Na ficção, as paixões literárias de Chávez incluem “Os miseráveis”, de Victor Hugo, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes – cujo aniversário de 400 anos, ano passado, foi comemorado pelo governo venezuelano com uma edição de um milhão de exemplares para distribuição gratuita. Chávez não se limita a ler, diz Romero: está sempre citando livros em seus longos discursos, o que, juntamente com as escolhas de títulos e autores, sugere uma tentativa consciente de dar dimensão cultural às suas idéias políticas. Mas como o cacique do “bolivarismo” acha tempo para ler tanto? – pergunta-se o articulista. Uma resposta vem de Herma Marksman, que foi namorada de Chávez de 1984 a 1993: segundo ela, Chávez lhe pedia, sempre que estava dirigindo, que ela lesse em voz alta. “Prestava atenção em cada palavra, principalmente se…
Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo. Um dia a dúvida tinha que aparecer nesta seção: será que o começo de “Pedro Páramo” (Record, 2004, tradução de Eric Nepomuceno), romance publicado em 1955 pelo mexicano Juan Rulfo (1917-1986), só é inesquecível porque o livro todo é? Ou existirá alguma coisa na primeira linha dessa obra-prima da literatura latino-americana que a faria reverberar mesmo sozinha, no ar seco de um México mítico, sustentada entre o tema ancestral da busca do pai e a sonoridade estranha de nomes como Comala e Páramo?
A polêmica jornalista e escritora italiana Oriana Fallaci morreu nesta madrugada, aos 77 anos, de câncer, num hospital de Florença. Leia aqui a notícia do “Estadão” e aqui (em inglês) uma entrevista com a autora feita este ano pela “New Yorker” – republicada hoje como homenagem póstuma. Famosa pela combatividade de suas entrevistas assumidamente “parciais”, Oriana dedicou seus últimos anos a uma violenta cruzada contra o fundamentalismo islâmico. Pelo menos dois de seus livros são encontráveis hoje no Brasil, segundo o site da Câmara Brasileira do Livro: “Carta a um menino que nunca nasceu” (Entrelivros Cultural, 2001) e “Inshallah – Como Deus quiser” (Best Seller, 2001).
Nenhuma surpresa. Na entrega do prolixo prêmio Jabuti aos vencedores (divulgados mês passado) de suas 19 categorias, ontem à noite, em São Paulo, foram anunciados os dois livros do ano: na ficção, “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum; na não-ficção, “Carmen, uma biografia”, de Ruy Castro. Cada um deles leva um prêmio de R$ 30 mil.
Nenhuma surpresa. Na entrega do prolixo prêmio Jabuti aos vencedores (divulgados mês passado) de suas 19 categorias, ontem à noite, em São Paulo, foram anunciados os dois livros do ano: na ficção, “Cinzas do Norte”, de Milton Hatoum; na não-ficção, “Carmen, uma biografia”, de Ruy Castro. Cada um deles leva um prêmio de R$ 30 mil.
Coisas da era internet: o blogueiro que se assina Jon Swift – em homenagem escancarada a Jonathan Swift, o grande satirista irlandês – está começando a construir uma lenda como o mais, hmm, “cultuado” (vejam A palavra é de hoje) leitor-crítico a deixar seus comentários no site da Amazon. Vale a pena dar uma olhada – aqui, em inglês – nas curtas e ferinas “resenhas” de Swift, sempre iniciadas com o bordão “Eu na verdade não li este livro, mas…”.
Tudo bem: eu sei que o expediente da “venda casada” tem lógica comercial, mas dêem uma olhada neste link e vejam o que o Submarino anda recomendando a quem quer comprar o clássico “Raízes do Brasil” – apenas um exemplo entre muitos. Sérgio Buarque de Holanda e Johnnie Walker, tudo a ver? Como diz um amigo meu: “O diabo é que nunca sugeririam um livro a quem fosse comprar uísque”.
Nada a ver com saudosismo. Eu mal entrava na adolescência, e os livros que lia na época eram bem diferentes dos que vou citar aqui. Apenas aconteceu que, intrigado por uma coincidência flagrada casualmente, comecei a puxar um fio na estante e acabei com uma pilha de evidências de que a safra de 1975 foi gloriosa para a literatura brasileira – a última de nossas safras gloriosas, como se depois disso a terra tivesse secado, tornando as colheitas mais espaçadas. Antes de tentar explicar a generosidade literária daquele tempo – e a relativa sovinice dos anos seguintes –, convém justificar a tese. Para tanto basta dizer que 75 trouxe à luz, de uma só vez, duas obras-primas espantosas e cabais: “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, e “Lavoura arcaica”, de Raduan Nassar (eis a coincidência em que reparei por acaso). Só isso já seria histórico. Tem mais. De saída, que tal juntar à pilha o “Zero” de Ignácio de Loyola Brandão? A qualidade é desigual, eu sei. Talvez o confuso “Zero” nem faça muito sentido lido fora da moldura de um regime autoritário, mas, censurado, converteu-se em livro-símbolo de um tempo. Ou seja: entre méritos literários e históricos, entre texto…
A verdade é que a chick lit é ruim para os Estados Unidos porque é ruim para escritores literários, ambiciosos, homens ou mulheres. E isso significa que é ruim para todos nós. Enquanto a América cada vez mais desvaloriza o rigor intelectual, a educação e a compaixão, fica mais e mais difícil encontrar um bom livro. E acredite em mim – a ex-editora de ficção –, não é porque eles não existam. É porque o mercado está saturado de más escritoras que alegam representar todas as mulheres, entulhando as prateleiras e assegurando-se de que sua única história marginal e sem graça seja reproduzida dez milhões de vezes, como uma bonita versão rosa do inferno. Tem provocado debates na – vá lá – “blogosfera literária” americana esse violento artigo (em inglês, acesso livre) contra o modismo da chick lit, ou literatura de mulherzinha, publicado na revista cultural “Dig”, de Boston. A autora, que se protege no anonimato, apresenta-se como “ex-editora de livros femininos”. Sua argumentação é simplista, dando às vezes a impressão de que toda a literatura era um poço de inteligência e sensibilidade até que Helen Fielding e companhia inventassem sua versão comercial e digestiva. Mesmo assim, chegamos a tal…
Não sei até que ponto isso vale para os leitores do Todoprosa, mas nunca falta quem se interesse: está prometida para hoje a publicação, no blog de Paulo Coelho, do nono capítulo de seu novo livro, “A bruxa de Portobello”, que será lançado no próximo dia 27 pela Planeta. É possível ler também os oito capítulos anteriores, mas só até o dia da publicação. O papel da internet na estratégia de lançamento do livro é o de oferecer um trailer, como explica o aviso na capa: O equivalente a 1/3 do livro será colocado aqui até a data de publicação. A partir desta data o blog passará a servir apenas para discussão entre pessoas que leram o livro. Abrir o apetite do leitor para a edição impressa é um bom recurso que a rede oferece. Claro que o tiro pode sair pela culatra. Por exemplo: fiz um esforço para me despir de todas as idéias prévias sobre Paulo Coelho e, como um leitor primal, sorriso alvar de Nelson Rodrigues na cara, fui encarar “A bruxa…”, em que cada capítulo é narrado por um personagem. Resisti por onze minutos, a edição de papel não me pega mais. A internet é inocente.