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Informação demais
NoMínimo / 23/10/2008

Autores que admiramos nunca devem ser tratados com intimidade excessiva – um risco sempre presente em nossa era de superinformação. Que Virginia Woolf, uma escritora e tanto, era também uma intelectual londrina enfarada e esnobe (com perdão da múltipla redundância) eu já sabia. Mas acho que preferia não ter ouvido isso corporificado em sua voz.

‘Seus ignorantes…’
NoMínimo / 21/10/2008

Sabe aquela guerrinha literária entre Europa e Estados Unidos, que a Academia Sueca abriu de forma um tanto cretina ao atacar os escritores da terra de Philip Roth? Pode estar se deslocando – o que, pensando bem, talvez estivesse nos planos europeus o tempo todo – para um campo de batalha mais interessante: o da lendária inapetência do mercado editorial de língua inglesa diante das traduções. Segundo um estudo da Universidade de Rochester citado pelo “New York Times”, apenas 2% dos lançamentos de literatura no mercado americano este ano são de livros traduzidos. Talvez estivesse faltando nesse conflito justamente um topete como o que desfilava Anne Solange, editora da Gallimard, na recém-encerrada Feira de Frankfurt. Encarregada de vender os direitos do nobelizado J-M.G. Le Clézio para outras línguas, a francesa se recusou de forma categórica a negociar seu último livro com editores de língua inglesa, temendo um lançamento meramente oportunista. Prefere esperar o aparecimento de uma editora que garanta um bom tratamento também aos títulos anteriores de Le Clézio. Sobre o assunto, Anne Solange deu esta antológica declaração (está no blog de livros do “Guardian”): Em Frankfurt, eles [Estados Unidos e Grã-Bretanha] subitamente se deram conta de sua insularidade. Eu…

Começos (ainda) inesquecíveis: James Joyce

Era uma vez um post publicado em 6/8/2007: * Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado bebê tico-taco. Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um rosto peludo. Não deixa de ser uma prova de que não há palavras proibidas, apenas maior ou menor habilidade no uso delas, o fato de “Um retrato do artista quando jovem” (Alfaguara, 2006, com bela tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro), romance lançado por James Joyce em 1916, começar com a mais batida das fórmulas, “era uma vez” (once upon a time). Technorati Profile

De prêmios, jaguares e tigres
NoMínimo / 16/10/2008

O jornal português “Diário de Notícias” estranha o fato de não encontrar grande repercussão por aqui a vitória de um brasileiro na primeira edição do gordo prêmio da editora lusa Leya (para romance inédito, em português): A conquista do primeiro Prémio Leya pelo brasileiro Murillo António de Carvalho, autor do romance “O Rasto do Jaguar”, surpreendeu os portugueses. No seu país de origem a situação não foi muito diferente. É verdade que os sites dos principais jornais brasileiros referiram a vitória do seu conterrâneo, mas não deram grande destaque ao prémio. Durante a tarde de ontem, o DN tentou contactar alguns jornalistas brasileiros, que preferiram continuar anónimos, pois não conheciam sequer o escritor. Em declarações ao DN, José Menezes, o director de comunicação da Leya, admitiu que a vitória de um nome pouco sonante é uma mais valia para o novo título. No seu entender, “a possibilidade de qualquer pessoa ganhar o prémio”, no valor de 100 mil euros, é um dos aspectos mais interessantes. Fora o fato de que a matéria aproveita para estranhar também a supremacia dos brasileiros – que eram seis entre os finalistas, contra dois portugueses –, a recepção discreta me parece compreensível. Pouca gente conhece…

Asimov e o Nobel de Economia
NoMínimo / 15/10/2008

Esta é para fazer a festa daquela turma de freqüentadores do Todoprosa (Tibor e Saint-Clair à frente) que leva a sério a ficção científica – como ela merece ser levada mesmo, por mais que a dinâmica anti-renascentista do novo século, com sua ultracompartimentação do mundo em gôndolas de supermercado, tente trancafiar o gênero num gueto. Numa das entrevistas que deu à imprensa americana no dia em que foi anunciado seu Nobel de Economia, segunda-feira, o excelente Paul Krugman declarou o seguinte (via blog de livros da “New Yorker”) quando lhe perguntaram como tinha surgido a idéia de virar economista: Ah, é um pouquinho embaraçoso. Eu estava… Não sei quantos de seus espectadores assistem a ficção científica, lêem ficção científica, mas existe uma série muito antiga de livros do Isaac Asimov, “Fundação”, na qual os cientistas sociais que compreendem a verdadeira dinâmica da civilização a salvam. Era isso que eu queria ser. O que não existe, mas a economia é o mais perto que se pode chegar. Apenas como registro, embora nada tenha a ver com a notícia: li uns dois títulos de “Fundação” há vinte anos, não me perguntem quais, e achei de uma chatice intergaláctica. Mas cabe controvérsia, como…

Começos (ainda) inesquecíveis: Ernest Hemingway

Post publicado em 1/10/2006: * Robert Cohn fora campeão de boxe na categoria dos pesos-médios em Princeton. Não pensem que esse título me impressione. Mas significava muito para Cohn. Os jabs em seqüência com que Ernest Hemingway (1899-1961) abre seu primeiro romance, “O sol também se levanta” (Bertrand Brasil, 2001, tradução de Berenice Xavier), são mais do que o começo de um livro. Desferidos em 1926, quando o autor tinha 27 anos, marcam a fundação de um mito pessoal e outro coletivo, o da “geração perdida” de escritores americanos que viveram em Paris nos anos 20. Mas isso é marketing literário, não literatura. Importa mais reconhecer que a prosa do homem, tão seca que faz o adjetivo “seca” soar úmido, continua poderosa. Lamento que esteja meio demodê apreciá-la, mas sei que essas coisas de prestígio literário são cíclicas. Acho difícil que qualquer escritor, mesmo um de estilo barroco, diluvial, chegue muito longe se não tiver em algum momento da vida trocado com Hemingway uns golpes desses de quebrar o nariz – como Robert Cohn quebrou o dele.

O Nobel de Le Clézio e a regra idealista
NoMínimo / 09/10/2008

Se a notícia do Nobel de Literatura é recebida com certa frieza no Brasil, onde pouca gente leu o francês J-M. G. Le Clézio, 68 anos, a culpa desta vez não pode ser atribuída às editoras. A Brasiliense foi a pioneira, lançando “À procura do ouro” e o clássico “Deserto” – seu livro mais premiado. Depois vieram a Companhia das Letras, com “O peixe dourado” e “A quarentena”, e a Cosac Naify, com “O africano”. Revelado em 1963 com narrativas de caráter experimental, identificadas com a rebeldia intelectual da década, Le Clézio caminhou progressivamente nos anos seguintes para um terreno mais clássico, mas sempre teve seu nome associado a uma literatura refinada. O que, com alguma boa vontade, talvez ajude a entender o elogio desajeitado que lhe fez a Academia Sueca – “um explorador da humanidade além e abaixo da civilização atual”. Uma pesquisa feita em 1994 pela revista “Lire” revelou que 13% dos leitores franceses o consideravam o melhor escritor vivo da língua. Ou seja: Jean-Marie Gustave Le Clézio é um escritor de verdade, “além e abaixo” (como diria o Nobel) de qualquer dúvida. Se você nunca o leu, problema seu. É o meu caso. Quem tiver algum tipo…

Da série ‘Mark Twain tinha razão’
NoMínimo / 08/10/2008

Entraram em exposição há poucos dias num museu de Jerusalém 37 páginas saídas diretamente do inferno – tudo o que restou do diário do astronauta israelense Ilan Ramon, morto na explosão do ônibus espacial Columbia, em 2003. Ninguém sabe explicar como o caderno, encontrado em campo aberto no Texas, não virou fumaça como o resto da nave. Agora experimente pôr uma história como essa num romance, em chave realista, para ver o que acontece. Como disse o sábio Mark Twain: “Por que a verdade não seria mais estranha que a ficção? A ficção, afinal, tem que fazer sentido”.

Começos (ainda) inesquecíveis: Ivan Ângelo

Post publicado em 22/4/2007: Quem estivesse na praça da Estação na madrugada de hoje veria um nordestino moreno, de 53 anos, entrar com uns oitocentos flagelados no trem de madeira que os levaria de volta para o Nordeste. Veria os guardas, soldados e investigadores tangendo-os com energia mas sem violência para dentro dos vagões. E veria que em pouco mais de quarenta minutos estavam todos guardados dentro do trem, esperando apenas a ordem de partida. E, a menos que estivesse comprometido com os acontecimentos, não compreenderia como o fogo começou em quatro vagões ao mesmo tempo. Apenas veria que o fogo surgiu do lado de fora dos vagões, já forte, certamente provocado. Assim começa, pegando fogo literalmente e num tom de “jornalismo literário” que logo será explicitado, o romance “A festa”, lançado em 1976 pelo mineiro Ivan Ângelo (Summus Editorial, 4a edição, 1978). Na página seguinte, a explicação: “Trecho da reportagem que o diário ‘A Tarde’ suprimiu da cobertura dos acontecimentos da praça da Estação, na sua edição do dia 31 de março de 1970, atendendo solicitação da Polícia Federal, que alegou motivos de segurança nacional”. Forte candidato a melhor retrato literário do Brasil nos anos da ditadura militar e…

A literatura como coisa de doido, ou Adriana Calcanhotto
NoMínimo / 03/10/2008

Matéria de capa da Ilustrada de hoje revela (só para assinantes) que a excelente cantora Adriana Calcanhotto, por causa de um surto psicótico – induzido por medicamentos – que sofreu durante viagem a Portugal, descobriu-se escritora. Com objetivos terapêuticos, enquanto era sitiada por ataques de pânico e delírio, Adriana começou a escrever feito uma doida e quando reparou, olha só, tinha nas mãos um livro chamado “Saga lusa”. Um livro que está prestes a ser lançado por uma editora nanica. Adriana brinca, já se imaginando na Academia Brasileira de Letras, mas no fim volta a falar sério e decreta que a canção “é superior” à literatura. Tudo muito leve, divertido. Daria uma boa nota de coluna social, quem sabe até uma materinha de interesse humano, daquelas que os nacionalistas mais ferrenhos chamam de feature. Pena que, tendo ido parar no espaço nobre da capa da Ilustrada, o surto psicótico-logorréico de Adriana Calcanhotto em Portugal deixe de soar como uma anedota para se tornar sintoma de uma síndrome grave: a da transformação da arte, qualquer arte, num acessório cada vez mais desimportante – e às vezes até ridículo, merecedor de todos os achincalhes – no magnífico desfile da Fama. Vale a…

A hora do eremita?
NoMínimo / 02/10/2008

Sabe aquela tirada do sujeito do Nobel de que os escritores americanos não têm chance de ganhar o prêmio porque são “isolados demais” e “não participam do grande diálogo da literatura”? Ia comentar isso aqui, depois desisti. O que dizer? Certas afirmações são tão estúpidas que têm a capacidade de contaminar com sua burrice qualquer resposta, seja contra ou a favor. Em silêncio eu ficaria se não tivesse esbarrado há pouco num boato que, embora tenha um certo jeito de maluquice, ou talvez por isso mesmo, é a única coisa aproveitável que li em reação às declarações do síndico da Academia Sueca: todo esse antiamericanismo literário não passaria de um plano extremamente bem elaborado para desviar as atenções do fato de que J.D. Salinger é um dos favoritos ao prêmio este ano. Hein? Alguém mencionou “escritor isolado”?

Auto-Ajuda Picareta e Caricata (AAPC)
NoMínimo / 01/10/2008

Uma vez, falando aqui no blog sobre o escritor suíço (radicado em Londres) Alain de Botton, autor de “Como Proust pode mudar sua vida” (Rocco), eu disse que ele tinha praticamente inventado um novo gênero literário, que batizei de Auto-Ajuda Podre de Chique (AAPC). A leitura que se faz do gênero é a mesma da auto-ajuda mais rasteira, isto é, uma leitura utilitária: “Como este livro pode adiantar o meu lado?”. Ao mesmo tempo – eis o golpe de mestre – há uma aura de refinamento intelectual que impede o leitor de se sentir um filisteu. Contudo, estou reavaliando meu juízo sobre o homem depois que li esta notícia no “Mais!” do último domingo (só para assinantes). Alain de Botton é sócio de uma certa Escola da Vida, que acaba de ser inaugurada em Londres com uma proposta espantosa. Como diz o texto assinado por Pedro Dias Leite: A idéia é a seguinte: o cliente preenche uma ficha com informações sobre sua história, suas aspirações e seus hábitos e, a partir de uma consulta com um especialista, recebe indicações de leitura que o ajudem a enfrentar uma nova fase, encarar uma etapa importante ou simplesmente aproveitar um momento da vida….

O melhor do centenário Machado
NoMínimo / 29/09/2008

Hoje, como todo mundo deve estar cansado de saber, faz cem anos que morreu Machado de Assis. Entre os incontáveis eventos comemorativos, cadernos especiais, exposições, tombamentos, livros sobre esse ou aquele aspecto de vida e obra do escritor genial, é bom tomar cuidado – o risco de enfado é grande. Vale a pena resistir a esse sentimento para ouvir a melhor notícia da temporada: o lançamento da nova – revista e ampliadíssima – edição das obras completas de Machado pela Nova Aguilar. O que antes cabia em três volumes agora precisa de quatro, depois do acréscimo de 66 contos (a melhor novidade), uma atualizada fortuna crítica (que corrige o maior defeito da edição anterior) e mais uma enormidade de crônicas, cartas e peças de teatro. Passada a espuma da efeméride, são esses quatro livros de capa dura que deixarão o Brasil melhor do que era antes de 2008. Pena que o pacote só seja vendido inteiro, nada de volumes avulsos, e custe R$ 550. Mais detalhes sobre o lançamento podem ser lidos no “Globo” de hoje – lamentavelmente, com acesso fechado no site do jornal. Mas para não deixar o blog alheio ao único assunto literário possível nesta segunda-feira, e…

Começos (ainda) inesquecíveis: Jorge Luis Borges

Uma dobra no tempo traz de volta este post publicado em 18/10/2006: * Devo à conjunção de um espelho e uma enciclopédia o descobrimento de Uqbar. A primeira frase de “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, o primeiro conto da coletânea “O jardim de caminhos que se bifurcam”, lançada em 1941, resume Jorge Luis Borges. Ou pelo menos o Borges dos labirintos, da erudição absurda, lúdica e ardilosa, dos tempos paralelos – tudo aquilo que daria origem ao borgianismo. O livro ganhou três anos depois o acréscimo de outros contos fundamentais, entre eles “Funes, o memorioso”, e o nome de “Ficções”. O melhor título do escritor argentino, na minha opinião. (Cito aqui a tradução que consta das “Obras completas”, editora Globo, 1998, mas com uma liberdade: no título do livro, prefiro “caminhos” a “veredas”, que pode até ser uma tradução mais precisa do original senderos, mas soa meio pesado.)

O tamanho do luto
NoMínimo / 25/09/2008

O choque, o luto e o avassalador sentimento de perda que dominaram a comunidade da Stock Car após a morte, aparentemente por suicídio, do escritor David Foster Wallace levou a NASCAR a cancelar o restante da temporada de 2008 em respeito ao aclamado mas atormentado autor de Infinite Jest, A Supposedly Fun Thing I’ll Never Do Again e Brief Interviews With Hideous Men. (…) “Estou sendo invadido por sentimentos de – à falta de um conceito melhor – incongruência”, disse Jimmie Johnson, piloto do Chevrolet número 48 da equipe Lowe, que é conhecido no mundo das corridas por seu hábito de presentear os fãs com exemplares dos livros de Wallace. O trecho acima é do jornal satírico The Onion, um “Planeta Diário” americano que se recusa a morrer. Beirando o mau gosto, como de hábito, acerta, também como de hábito, na mosca ao ampliar pela lente da caricatura um sentimento generalizado de luto pela morte do escritor americano de 46 anos. O Arts & Letters Daily de hoje compila 22 links, entre eles o do “The Onion”, que dão uma idéia do alcance dessa epidemia de tristeza, confusão e – sim, parece ser o caso – leitura e releitura de…

O primeiro de uma série para ‘O filho eterno’?
NoMínimo / 23/09/2008

O prêmio Jabuti de melhor romance foi anunciado agora há pouco para “O filho eterno”, de Cristovão Tezza, que sempre foi tratado aqui como o grande livro brasileiro do ano passado. A notícia merece comemoração: não é sempre que prêmios acertam assim. É meio chato lembrar isso, mas há menos de três semanas fiz um exercício besta aqui no blog, constatando que apenas três romances lançados no Brasil em 2007 eram finalistas tanto do idoso Jabuti quanto do jovem Portugal Telecom: além do de Tezza, favoritíssimo, eram eles “O sol se põe em São Paulo”, de Bernardo Carvalho, e “Antonio”, de Beatriz Bracher. Uma magra faixa de interseção em meio a tiros para todos os lados. E não é que o galardão quelônio escalou os três títulos no pódio, nessa ordem e tudo? O que isso prova? Talvez nada. Mas torço para que reflita uma revalorização da convergência crítica, da busca de um solo comum de referências em que o debate literário possa voltar a rolar direito. Nada a ver com consensos autoritários, mas, depois de tantos anos de w.o. acadêmico e pulverização blogueira, um idioma comum tem nos feito falta.

Uma certa Copa
NoMínimo / 22/09/2008

Com a partida entre “O amor não tem bons sentimentos”, de Raimundo Carrero, e “O sol se põe em São Paulo”, de Bernardo Carvalho, um clássico apitado por Nelson de Oliveira, começou finalmente a segunda edição da Copa de Literatura Brasileira.