Tentar estabelecer relações entre momento histórico-social e literatura é pedir para derrapar em terreno traiçoeiro. Claro que as relações existem, mas jamais serão simples e diretas. É possível que só uma distância mínima de, sei lá, cem anos permita enxergar sem óculos ideológicos mais grosseiros os mecanismos desse relógio. Feita a ressalva, achei inspirador esbarrar hoje, no blog do “Guardian”, com um pequeno artigo (em inglês) de Gary Younge em que, a propósito de celebrar mais uma vez (alguém ainda agüenta isso?) o que teve de revolucionário o ano de 1968, ele se espanta que os reflexos daquela agitação não tenham aparecido de forma fulgurante nos livros dos anos subseqüentes: …em termos de literatura os anos 70 produziram relativamente pouco que tivesse um grande e duradouro interesse. Será que os 60 deram maior voz a uma geração de escritores – mulheres, de países em desenvolvimento, negros, gays e assim por diante – que ainda precisariam de uma década para amadurecer? Sim, o cheiro de “estudos culturais” dessas linhas é forte. E também não estou convencido de que, no quadro da literatura internacional, os anos 70 tenham sido tão fracos assim. Se achei o artiguete inspirador foi porque ele me levou…
A Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo vai lançar nos próximos dias o mais bem pago prêmio literário do Brasil. O Prêmio São Paulo de Literatura pagará R$ 200 mil para o melhor livro de ficção do ano, mais R$ 200 mil para o melhor livro estreante, também ficção. A primeira edição levará em conta livros de autores brasileiros publicados no ano passado. A quantia ultrapassa com folga os valores máximos de outras láureas já concedidas no país, como o prêmio Portugal Telecom (R$ 100 mil), o Zaffari & Bourbon (R$ 100 mil), da Jornada de Passo Fundo, e o Jabuti (R$ 30 mil), o mais antigo e tradicional de todos. A matéria de Eduardo Simões publicada hoje na “Folha de S. Paulo” (só para assinantes) é uma ótima notícia, e não apenas pela grana. Outro dia eu comentava aqui que não temos no Brasil um prêmio literário que chegue perto do peso cultural do Goncourt ou do Rómulo Gallegos, do tipo que vale manchete e faz os leitores correrem para as livrarias. Agora teremos, pelo menos, mais um concorrente à vaga. A inspiração para o prêmio, segundo o secretário paulista de Cultura, João Sayad, é o britânico…
Os cursos de escrita, especialmente quando envolvem a palavra “criativa”, são os novos hospícios. Uma das coisas que se nota é que, toda vez que ligamos a televisão e um estudante enlouqueceu com uma metralhadora em algum campus dos Estados Unidos, é sempre um aluno de um desses cursos. Hanif Kureishi, autor do roteiro de “Minha adorável lavanderia” e do romance “O buda do subúrbio”, estava atacado em sua palestra no Festival de Hay, matriz galesa da Flip – notícia completa no “Guardian”, em inglês. Professor de um dos cursos que criticou, na Kingston University, Kureishi deve saber o que diz. E diz o seguinte: A fantasia é que todos os estudantes vão se tornar escritores de sucesso, e ninguém os desilude. Quando você usa a palavra “criativo” e a palavra “curso”, há algo de enganador nisso. Os chutes de Kureishi não miraram apenas o pau da barraca das oficinas de ficção. Outros alvos foram a superficialidade da imprensa… Vêm e tiram fotos das escrivaninhas dos escritores. Eles não vêm e tiram fotos das suas escrivaninhas, vêm? É como se o talento estivesse na escrivaninha. …e sua própria vida, quando revelou o que pensa ao se sentar para escrever, a…
Por que tenho de diminuir as minhas horas em frente à televisão e começar a ler alguma coisa? Não tem, não. Apenas deveria. Pela mesma razão que deveria comer menos cachorro quente e mais risoto de cavaquinha ao limão siciliano. Se livros são tão bons, por que ninguém dá bola pra eles? Não dar bola é relativo. Conheço um monte de gente que mataria por um conto, pularia no abismo por um poema. Quem não conhece os livros tende a lhes dedicar um desprezo semelhante ao que sentimos pela Pomerânia. É uma região historicamente fascinante, mas como saber disso se nunca estivemos lá? Entre a ficção e a realidade, com quem você se casaria? Com a realidade, sem dúvida. Não só me casaria como me casei. Ficção é para ler e, além disso, com suas Bovarys e Capitus, pode tornar sua vida um inferno. Gostei muito da entrevista de bolso que Henrique Araújo fez comigo para o jornal “O Povo”, de Fortaleza. Não é séria, mas é.
O jornalista Robert McCrum, que assumiu o cargo de editor de literatura do jornal inglês “Observer” em 1996 e acaba de deixá-lo, escreveu um artigo (acesso livre, em inglês) em que tenta explicar como e por que o mundo literário “virou do avesso” ao longo desses anos: Tudo isso foi alimentado por uma mistura explosiva de comércio global e tecnologia. Em termos simples, pode-se dizer que Amazon mais Microsoft é igual a uma nova estratosfera literária. Dois fatores complicam essa equação. Primeiro, apesar da consistente evolução da tipografia para a digitalização, o livro impresso conseguiu se manter firme frente às opções eletrônicas. É como se, depois da decolagem, a missão Apollo se revelasse não uma nave espacial, mas um Spitfire. Em segundo lugar, continua sendo um paradoxo da rede mundial de computadores que, se esta foi a década em que milhões encontraram uma voz por meio da internet, apenas uma minoria descobriu uma platéia. A auto-expressão se democratizou, mas livros e escritores continuam enfrentando a mesma velha batalha ancestral para conquistar leitores. Como chegam lá ainda é um mistério, mas na alquimia do sucesso literário o “boca-a-boca” permanece essencial. Em seguida vem uma lista de dez tópicos – “capítulos”, segundo…
Todo domingo, o leitor encontrará aqui uma retrospectiva da seção mais querida do blog. O post de hoje foi publicado pela primeira vez em 30/6/2006. * Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário (…) Eis o melhor dos começos, o pior dos começos: o começo de “Um conto de duas cidades”, lançado em 1859 por Charles Dickens (Nova Cultural, 2002, tradução de Sandra Luzia Couto).
O link já anda circulando por aí, mas merece circular mais. José Saramago chorou quando terminou de assistir ao filme “Blindness”, baseado em seu romance “Ensaio sobre a cegueira”. Enquanto rolavam os créditos finais, disse que estava tão feliz quanto ao terminar de escrever o livro. O diretor Fernando Meirelles, ao seu lado, sapecou-lhe um beijo na careca. O alívio de Meirelles foi tão evidente que parece ter valido mais que uma possível – embora improvável, a julgar pelo mau humor da crítica internacional – Palma de Ouro em Cannes neste domingo. A bonita cena está no YouTube (dica de André Gonçalves, do Farinhada).
Será que só eu achei uma chatice sem tamanho a iconoclastia marqueteira de Fernando Vallejo, escritor colombiano que virá à Flip? Vallejo tem despejado na imprensa brasileira vitupérios em série contra tudo o que se move: de Chávez a Uribe, do papa a Fidel, da Colômbia ao Brasil, de García Márquez ao que você quiser imaginar – isto é, se a essa altura o tédio não tiver congelado sua imaginação. Tudo com mão tão pesada, tão obviamente calculado para épater le bourgeois – um burguês que não está nem aí, claro – que fiquei pensando: terá a literatura chegado a tal ponto de rebaixamento frente ao mercado que, como uma puta velha, precisa desses atavios cada vez mais espalhafatosos, desses esgares grotescos que tentam se passar por sorrisos? Ou o cara é assim mesmo? Como sei que Vallejo já ganhou o prestigiado prêmio Rómulo Gallegos e é levado a sério pelos críticos de língua espanhola, não me espantei de ver que o “Estadão” de sábado embarcou em sua conversa sem o menor traço de distanciamento irônico, mencionando sua “ira explosiva”. “O Globo” de ontem não ficou atrás e disse que Vallejo “atirou, com cinismo e humor, contra as hipocrisias”. Entre…
O Sr. Machado de Assis passa atualmente pelo mestre incomparável do romance nacional. (…) Mas é preciso romper o enfado que me causa este romântico em desmantelo, despi-lo à luz meridiana da crítica. Esse pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil é hoje o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade. Essa sereia matreira deve ser abandonada. Está bem, pode ser que as polêmicas literárias já tenham sido mais elevadas. Mas não eram necessariamente mais lúcidas e inteligentes. E nem é preciso ler motivações sexuais reprimidas nessa história de “despi-lo à luz meridiana da crítica”. Em 1885, três anos depois das espantosas narrativas curtas de “Papéis avulsos” – entre elas O alienista – e quatro após “Memórias póstumas de Brás Cubas”, talvez Machado de Assis já tivesse produzido o suficiente para ser considerado o maior escritor brasileiro da história. Mesmo que dali até sua morte, exatamente cem anos atrás, não fizesse o que fez. Mesmo que não existisse Capitu. Pois foi naquele ano que um dos mais renomados críticos brasileiros de todos os tempos, o sergipano Sílvio Romero, que não era um idiota, resolveu pregar em si mesmo um nariz de palhaço, pendurar no pescoço uma sineta…
Anda quente a temporada de quebra-paus literários. Primeiro foi a mãe de Michel Houellebecq, a senhora Lucie Ceccaldi, que decidiu se vingar do retrato ultrajante que o filho traça dela – sem sequer alterar seu nome – na hippie hedonista de “Partículas elementares”. Em sua recém-publicada autobiografia, “L’Innocente”, a encantadora velhinha de 83 anos promete, segundo o blog da revista “New Yorker”, ir às vias de fato: “Se ele puser meu nome outra vez em uma das suas coisas, vai levar uma bengalada na cara que lhe quebrará os dentes, isso eu garanto!”. Mais educados, Salman Rushdie e a crítica Ruth Morse têm trocado insultos polidos ou nem tanto (em que categoria se encaixa “ataque feminista primitivo”?) na seção de cartas – aqui e aqui – do “Times Literary Supplement”. Tudo começou com a resenha negativa que ela publicou sobre o último livro de Rushdie, “The enchantress of Florence”. Para não deixar o Brasil fora dessa, Marcelo Mirisola publica hoje um artigo desancando o psicanalista Contardo Calligaris, que na semana passada, em sua coluna na “Folha de S.Paulo”, fez aquilo que o intelectual Carlos Maçaranduba chamaria de “duvidar da masculinidade” de Ernest Hemingway. “Almanaque de psicanálise para analfabetos iniciantes”, sentencia…
A seção que se tornou a maior marca registrada do Todoprosa está perto de completar dois anos, mas não é só por isso que dou início hoje a uma retrospectiva dos mais inesquecíveis começos inesquecíveis. A razão principal é que os leitores que estão descobrindo o blog agora, no iG, merecem ser inteirados do que passou. Mesmo porque os começos são inesquecíveis mas não infinitos – embora sejam imortais enquanto durem. Coube a este aqui, publicado em 13/06/2006, abrir a série. * Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: “Não, não quero ver televisão!”. Se não ouvirem, levante a voz: “Estou lendo! Não quero ser perturbado!”. Com todo aquele barulho, talvez ainda não o tenham ouvido; fale mais alto, grite: “Estou começando a ler o novo romance de Italo Calvino!”. Se preferir, não diga nada; tomara que o deixem em paz. Você acaba de ler o primeiro parágrafo de “Se um viajante numa noite…
O romance é um gênero flexível, tolerante e magnânimo em que cabe tudo, menos o que é aborrecido. Tentar delimitá-lo ou direcionar seu curso carece de sentido histórico e evidencia apenas fanatismo intelectual ou um afã mercantil de notoriedade. O romance carece de regras. O romance é por excelência o último bastião da liberdade criativa do indivíduo. O romance é o território da fantasia, a imitação impossível da realidade, o big bang do pensamento livre e o instrumento com o qual o mundo se reinventa sempre uma outra vez. Pura catarse, puro caos, pura paixão. Me irritam os que pretendem erguer portas em campo aberto para restringir suas soluções habitacionais. Me enfastiam os doutrinários da primeira pessoa do singular, os atestadores do óbito do texto clássico e todos os que esperam ser modernos jorrando ketchup na cona de Madame Bovary. Se manifestos literários, a essa altura do furdunço vinte-e-único, são mais tediosos que bula de remédio com seus esqueminhas mentais bipolares – isso-sim, isso-não –, antimanifestos como este publicado hoje pelo escritor espanhol Fernando Royuela no “Babelia” (acesso livre, em espanhol) ainda são capazes de proporcionar um certo prazer. Não vão além da volúpia de desmascarar gênios do papo furado,…
As reações assimétricas ao acordo ortográfico da língua portuguesa que têm se observado aqui e em Portugal dizem alguma coisa a respeito do abismo cultural sobre o qual a reforma busca construir sua pinguela. Do lado de lá do Atlântico, um abaixo-assinado online contra o acordo – e “em defesa da Língua Portuguesa”, naturalmente com ênfase no “Portuguesa” – chegou em duas semanas a 33 mil assinaturas, inclusive de intelectuais de peso. Isso não impediu a matéria de ser aprovada hoje no Parlamento (vale a pena ler os comentários furibundos no site do “Público” – como queríamos demonstrar). Aqui prevalece uma resistência quase sempre silenciosa, próxima do puro mau humor. Como, por princípio, ninguém gosta quando vem uma autoridade mexer no que é estabelecido e funcional, uma certa rabugice seria de esperar. Curioso é agirmos como se, dando um gelo no assunto, ele fosse desaparecer. Não vai. Hoje parece seguro considerar inevitável a adoção do acordo. Há pouco mais de um mês puxei uma discussão sobre o tema aqui no blog. Volto a ele porque desde então tenho ficado cada vez mais favorável à idéia, que, convém deixar claro, poucos meses atrás eu também combatia. Meus argumentos de então –…
Concordo com o crítico italiano Franco Moretti, autor do provocante A literatura vista de longe (Arquipélago Editorial, tradução de Anselmo Pessoa Neto, 160 páginas, R$ 34), um dos melhores lançamentos recentes na área, sobre o qual espero falar mais detidamente tão logo consiga digerir seus altos teores de novidade: o estudo de literatura tem muito a lucrar se absorver ferramentas e modelos das ciências exatas. (Relendo essa frase, me dou conta de que, poucos anos atrás, eu teria reagido com violência à idéia de Moretti, que agora acho brilhante. Mudaria o Natal ou mudei eu?) Um exemplo simples de como uma abordagem quantitativa pode contribuir para a compreensão do fenômeno literário acaba de ser publicada no blog americano The Millions (dica do blog de livros do Guardian): o que começa como uma série de estatísticas – sobre a quantidade de livros estrangeiros laureados em sua língua de origem que foram traduzidos para o inglês – acaba por traçar um quadro curioso das cotações de diversos idiomas nas Bolsas de Valores Literários de Nova York e Londres. Nada que mereça uma tese de doutorado, é claro: estamos no terreno das curiosidades blogueiras. Mas se não valer um bom post vadio, não…
A escritora inglesa Doris Lessing disse em entrevista a um programa de rádio veiculado ontem à noite em seu país (via The Independent, em inglês) que ganhar o Prêmio Nobel de Literatura de 2007 foi um “tremendo desastre” – se alguém tiver uma tradução melhor para bloody disaster, que obviamente não inclua o adjetivo “sangrento”, aceito sugestões. Ah, mas essa velhinha (88 anos) não está só fazendo tipo, ensaiando uma cara cool para mostrar diante das câmeras? Não creio, Doris Lessing nunca foi assim. Está certo que talvez exagere um pouco, esquecida do milhão de dólares do prêmio – que ela diz já ter gasto inteirinho com filhos e netos. Mesmo assim, tudo indica que sua angústia é real e tem a ver com o medo de nunca mais escrever. A energia, queixou-se, está acabando: “A única coisa que faço é dar entrevistas e posar para fotos”. Ué, mas dar entrevistas e posar para fotos não é o máximo a que qualquer ser humano pode aspirar neste mundo de celebridades? Foi preciso Doris Lessing externar sua bronca para nos lembrar, como devia ser óbvio desde o início, que não.
Esta notícia não é lá muito nova, mas esteve longe de merecer a devida fanfarra, confinada a notinhas discretas aqui e ali. E os leitores deste blog que apreciam a seção “A palavra é…” vão entender que ela merece muito mais: no fim do mês passado, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo pôs no ar em sua versão integral, para qualquer um consultar online e sem necessidade de cadastro, uma das obras mais cobiçadas por amantes de dicionários raros – o “Vocabulario Portuguez e Latino” do padre Raphael Bluteau, a primeira grande obra de lexicografia da língua portuguesa, publicada em dez volumes entre os anos de 1712 e 1728 (quando esta página abrir, clique em “dicionários on-line” na coluna da esquerda). É difícil exagerar o valor da notícia. Volta e meia, em meus escritos sobre palavras, recorro à obra pioneira, ambiciosa e deliciosamente imperfeita de Bluteau, seja para confirmar a antiguidade de um vocábulo ou acepção, seja para dar cores pitorescas a algum tópico mais árido de etimologia. Para tanto, eu contava até agora com um CD-ROM lançado há alguns anos pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em edição limitada e quase secreta, que consultava…
Depoimento de um famoso machadiano: Para mim, Capitu. Nos encontramos na casa de campo emprestada por um amigo meu, diplomata atualmente fora do país, adido cultural em Varsóvia. A casa fica no alto da Gávea e não poderia ser mais discreta, a fachada cochilando atrás de uma cerrada fileira de buganvílias. Faz três ou quatro meses que Escobar morreu no mar – tempo suficiente para que a saudade do adultério e suas vertigens, aliada à casmurrice do marido, empurre Capitu a esse encontro perigoso com alguém que mal teve tempo de conhecer. Fechada a porta, as poucas horas de que dispomos ganham imediatamente a plenitude de dias e a intensidade de segundos. Como descrever aquilo? Capitu se entrega e se nega ao mesmo tempo, cada negação explodindo numa entrega maior, como se lutasse consigo mesma. Dor, prazer, vergonha, febre. É mandona tanto na luxúria quanto no recato: aqui! pára! aperta! chega! mais! Saio exaurido, com um sorriso idiota nos lábios, feito um bebê farto do leite materno. Melhor que a encomenda. E você, que personagem da literatura levaria para a cama?