Já sabemos que George W. Bush posa de leitor de grandes livros para ficar bem na foto e que Lula, mais autêntico, não tem a menor intimidade com eles (veja abaixo a nota “O que lêem os presidentes”, de 23/8). Mas o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é diferente, garante um artigo (em inglês, mediante cadastro) assinado por Simon Romero no “New York Times” de ontem. Na ficção, as paixões literárias de Chávez incluem “Os miseráveis”, de Victor Hugo, e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes – cujo aniversário de 400 anos, ano passado, foi comemorado pelo governo venezuelano com uma edição de um milhão de exemplares para distribuição gratuita.
Chávez não se limita a ler, diz Romero: está sempre citando livros em seus longos discursos, o que, juntamente com as escolhas de títulos e autores, sugere uma tentativa consciente de dar dimensão cultural às suas idéias políticas. Mas como o cacique do “bolivarismo” acha tempo para ler tanto? – pergunta-se o articulista. Uma resposta vem de Herma Marksman, que foi namorada de Chávez de 1984 a 1993: segundo ela, Chávez lhe pedia, sempre que estava dirigindo, que ela lesse em voz alta. “Prestava atenção em cada palavra, principalmente se fosse Gabriel García Márquez”, conta.
31 Comentários
Audiobook tabajara
Viva Chávez!
O mais assustador é perceber como uma obra como Don Quixote vira panfleto na boca de um ditador. Ele distribuiu milhares de cópias do livro não só na Venezuela, mas em todo o Caribe, para disseminar um tal de espírito revolucionário que ele vê no Quixote. Triste.
Resta o consolo de Chávez não ser brasileiro. Se fosse, aposto como os livros seriam superfaturados. E não estaria aqui comentando o uso panfletário de uma obra como Don Quixote, e sim o uso panfletário de uma obra de um amigo do amigo que, nesta brincadeira, ainda ganhou uma bolada em direitos autorais.
Uma última coisa: Victor Hugo, apesar de demodé, tudo bem. Cervantes, tudo bem. Agora, Fritjof Capra é dureza, hein!
abs
Gente! É bom parar com êsse assunto! Vai que “o ‘noço’ grande guia” cisme de tirar do baú alguma obra de Machado de Assis e saia por aí distribuindo, juntamente com os panfletos de propagando do fome-zero? Pelamor de Deus, gente vamos parar com êsse assunto!!!
Cabra macho…
Alguém lê (ou que leu) os tais livros, faz um resumo pro Chaves e ele arrota isso em seus discursos idiotas…
O Chávez difunde um ideário bolivariano, que para nós, brasileiros, é meio estranho, pois Bolívar é estranho em nosso ensino, apenas somos informados que liderou a independência de alguns países sul-americanos. Mas ler Simón Bolívar é dar um mergulho em nossa história latino-americana. O cara tinha uma visão política extraordinária, o que também ocorria com alguns heróis nossos da mesma época e que estiveram ali nas raízes de nossa independência, sobretudo os republicanos pernambucanos, dentre os quais Abreu e Lima, que, exilado, tornou-se também herói na Venezuela, lutando com Bolívar pela independência continental.
Para nós, é estranho um militar também pensar. Ler já é um espanto, pensar, então, parece pura lenda. Mas, parece que Chávez lê e pensa, como outros militares que liam e pensavam – e, estranho, optaram pela esquerda: Alvarado (Peru), Juan José Torres (Bolívia, quando Evo Morales era ainda criança), numa época em que Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Argentina eram ferozes ditaduras de direita, dos militares que não liam nem pensavam, mas tinham um agudo senso de aceitação das ordens de Washington. Os mais velhos ou quem estudou o período se lembram..
Chávez se inspirar num homem como Simon Bolívar é gratificante para os que conhecem os sonhos de independência do chamado Libertador. Se seguir Bolívar levar o coronel Hugo Chávez (presidente eleito limpamente) a dar prioridade às necessidades do povão venezuelano, temos mais é que admirar.
Só para complementar, como Alvarado e Torres, generais que arriscaram tudo pela visão de patriotismo que tinham, Hugo Chávez fez a própria cabeça caminhando, lendo, aprendendo. Não esqueçamos que ele foi um coronel que arriscou a carrreira, ao indignar-se com a corrupção que o neoliberalismo instalou dentro do governo de Andrés Pérez, que tinha feito antes uma exemplar carreira de esquerda light, como certo sociólogo brasileiro. Ao tentar derrubar Pérez, Chávez perdeu. Pegou cana. No xadrez, leu muito. E decidiu seguir as regras do jogo: se é preciso voto, vou disputar voto…E virou presidente no voto. E talvez nos fuja à compreensão exatamente isso: eleito, faz o que disse que ia fazer. Estamos acostumados a discursos eleitorais lindos seguidos de práticas governamentais tenebrosas.
Ah, agora começo a entender por que ele distribuiu a todos o “Dom Quixote”, o sonhador, o paladino da luta contra os maus, o protetor dos desamparados contra os monstros e dominadores. Educar politicamente um povo com literatura de primeira é um feito e tanto. Esse Chávez…
Caro Venusiano, concordo com as suas opiniões. Posso ter divergências com aspectos da plataforma política de Chávez, no entanto temos que ressaltar que pelo menos por enquanto ele não é ditador, foi eleito democraticamente e foi vencedor em um plebiscito acompanhado com observadores internacionais.
Quanto a Símom Bolívar, nós brasileiros vemos com certo menosprezo os heróis latino americanos, justamente por conhecer muito pouco da história de nossos vizinhos, falarmos língua diferente e acredito também por interesses ou hegemônicos ou alienígenas que impediriam uma maior aproximação entre nossos países.
Assim como os estadunidenses cultuam seus heróis e pais da fundação como Thomas Jefferson, porque os latinos americanos não poderiam cultuar e conhecer melhor os seus heróis? Talvez o preconceito ou o colonialismo cultural a que somos submetidos expliquem esta atitude.
Beijos.
Boa, Venusiano, as coisas precisam ser ditas com propriedade.
Por falar nisso, o livro LULA O INÍCIO de Mário Morel dá uma dimensão boa dos pensamento do Sr. Lula.
Lendo esse livro, desconfio que o nosso Presidente não é tão iletrado como alguns pensam.
A edição do Don Quixote foi parar até no Chile, pois sei de uma pessoa que a encontrou, mas pagou o equivalente a 25 reais. Melhor que não ter nada, né?
Nassau escreve: “Quanto a Símom [sic] Bolívar, nós brasileiros vemos com certo menosprezo os heróis latino americanos, justamente por conhecer muito pouco da história de nossos vizinhos, falarmos língua diferente e acredito também por interesses ou hegemônicos ou alienígenas que impediriam uma maior aproximação entre nossos países.” Não, o que acontece é que a América Hispânica sempre foi, com raríssimas exceções (o Chile, por exemplo) uma tremenda balbúrdia durante os séculos XIX e XX, enquanto o Brasil manteve uma boa estabilidade política pelo menos até o aparecimento de Getúlio Vargas. Machado de Assis, descreveu esta situação muito bem nas “revoluçõeds” do Itaguaí de “O Alienista”, retrato bem expressivo do que acontecia na Bolívia onde os “presidentes” eram depostos cada 3 meses. O Império Brasileiro durou 67 anos e a República pré-1930 teve mudança regular de governo cada quatro anos. Na realidade, se queremos falar de verdadeiros heróis deveríamos buscá-los no Brasil. Foram estes heróis que mantiveram a unidade nacional, colonizaram nosso interior, fundaram escolas superiores, criaram formas nacionais de alta cultura, desenvolveram o país dentro dos limites a que estavam obrigados. A partir de Getúlio Vargas é que começa nossa degringolada. A “era JK” é um período em que se tenta reinstaurar o espírito anterior [desenvolvimento econômico e cultural, afirmação internacional, etc.], as lutas ideológicas que se seguem tornam mais fundo o fosso em que vamos caindo, até chegarmos aonde estamos hoje, mais próximos do Haiti do que do México. Daí a idéia falsa de que, no passado, deveríamos ter copiado exemplos hispânicos.
Como será prestar atenção em cada palavra de um autor enquanto se dirige, e especialmente quando o autor se trata de Gabriel Garcia Márquez?
Não deixa de ser engraçado imaginar o Chavez lendo “O gneral em seu labirinto”. Será que ele se identifica?
Defender o Império escravocrata e a República Velha, oligárquica e de eleições de bico de pena, é muito reacionarismo.
Isso explica bem a ojeriza da direita a tudo que cheire a povo, a governantes democratas e populares como Hugo Chávez e Evo Morales.
Lê muito. Só se for Ordem do Dia.
Como assim, “pensamentos” do Sr.Lula? Cê fumou, foi?
nao sei porque tanta malhacao pelo presidente da Venezuela ler classicos.
Na escola sempre nos recomendaram, qual é o problema?
Se ele usa em seus discursos, demosntra habilidade linguistica superior.
Se esta distribuindo ao povo, melhor do que “distribuir” novelas 24 horas pelos canais convecionais, tv aberta, sob a bencao do governo federal do gigante pela propria natureza, impavido colosso.
vamos acordar e olhar para nossa propria cultura e modo de vida.
Morel:Vc. falou que podem chamá-lo de socialista, pq todos que querem uma sociedade mais justa…
Lula: É necessário que se discuta que tipo de socialismo. Se é um socialismo onde teremos de implantar um regime e depois segurar na base da baioneta, na base da tortura, ou se teremos a capacidade de propor um sistema onde isso não seja necessário.(…)
Segundo RK Lula prefere ler biografias vejam:
Você que conviveu com o Lula por tanto tempo sabe dizer que livros ele lê?
Agora na presidência, ele não tem tempo. Ou governa ou lê aquela biblioteca do Palácio da Alvorada. Por isso, eu achava que o Fernando Henrique queria ser reeleito para ler aquela biblioteca toda (risos). Eu já brinquei com ele sobre isso. Se fosse ler tudo aquilo de livro, não saía mais de lá. Mas o que ele gosta é de biografias, que eu também gosto. Histórias de gente. Ele é um cara muito agitado e eu sou assim também. Como eu escrevi quinze livros, tem um amigo meu, Humberto Werneck, que sacaneia dizendo que eu sou o único jornalista que já escreveu mais livros do que leu (risos).
Ô Sonho Bom:
O homem é ainda mais iletrado do que alguns pensam. E o Chávez precisava ler(ouvir) O Outono do Patriarca, do García Márquez.
Em face da “bagunça populista” e caudilhesca da América Hispânica, o Império Escravocrata e a República Velha do Brasil representavam um avanço significativo. Isto não quer sequer dizer que eram bons, mas simplesmente que eram melhores do que o que acontecia na vizinhança. Com Getúlio Vargas entramos no forró também… e hoje bailamos uma cúmbia envenenada.
Essa gentinha ficou muito abusada, não é, Pedro Curiango?
Para você, bons eram os tempos quando não existia a “bagunça populista”: que maravilha quando se mandavam e açoitavam os escravos no tronco!
Infelizmente houve retrocessos com o tempo e o avanço da “bagunça populista”. Washington Luiz, nos estertores da República Velha, condescendeu e considerou apenas que “a questão social é um caso de polícia”.
País ingrato o Brasil, não é, Pedro Curiango? Repudia tempos sem sinal de “bagunça populista”, como no esclarecido governo Médici, quando reivindicações, ou quaisquer reclamações da gentinha, recebiam tratamento de choque (literal) e a terapia do pau-de-arara.
Não se aborreça mais com país tão mal-agradecido com seus melhores governantes.
Tome logo o rumo de Miami.
Tome o rumo de Miami para fulano, tome o rumo de Havana para sicrano. Mas é velho e batido ame-o ou deixe-o!
O bom da literatura é justamente tomar-se qualquer rumo, a qualquer tempo, com toda a liberdade que a imaginação permite.
A imaginação é livre, salve!
A imaginação do escravo é livre… mas nem tanto.
Imaginação à parte, ficção também à parte, o escravo não é livre como seu senhor. Uma tautologia, o óbvio do óbvio. Mas há quem ache condição de liberdade idêntica entre senhor e escravo: ambos não têm a imaginação livre?
E assim se posa de libertário… E cretinamente ainda se dá salvas a tal “liberdade”.
Triste da literatura que ache semelhantes os graus de liberdade do escravo e do senhor.
Mas isso é um blog de literatura, não de ideologia. Daí não ser possível dizer “imaginação à parte, ficcão tabém à parte”. A arte é libertária, muitas vezes para desgosto dos poderosos. Uns se vendem(por dinheiro, poder ou mera subserviência) a seus regimes, e nesses casos, raramente fazem coisa que preste.
Mas a imaginação é livre e a arte libertária. Salve!
“Imaginação à parte, ficção também à parte”, no contexto, quer dizer, “De maneira real, não falsa”, “o escravo não é livre como seu senhor”.
Não tem nada a ver com o sentido denotativo da “imaginação e ficção” literárias.
Maneiro mesmo é o Bush lendo “O estrangeiro” e matando árabes do nada. O Fidel eu sei que curte um livro, é amigo de escritores e tal. Deve tá cheio de tempo para uma leitura por esses dias.
O Fidel é amigo de escritores… que não sejam cubanos e escrevam sobre a realidade local. Hoje em dia a literatura cubana faz-se no exílio e o que existe na ilha é puro lixo. Quanto ao aspecto “libertário” da literatura, isto é coisa bem recente e data do Romantismo; antes, todo mundo elogiava o rei e comprazia-se nas barbaridades de seus povos. Ou será que ninguém jamais leu os clássicos gregos, latinos, medievais, renascentistas? Agora, para o Antônio Augusto, que em vez de discutir meu ponto de vista [“o Brasil, nos séculos XIX e início do século XX, é mais estável que qualquer país da América Hispânica”], prefere aconselhar-me a mudar-me para para Miami, re-editando o célebre “Brasil, ame-o ou deixe-o” de certa ideologia que compartilha, só resta dizer: como as coisas andam por aqui, talvez o conselho até que seja bom… Agradeço o interesse pelo meu bem-estar e prometo pensar no assunto!
Todos os biógrafos e estudiosos da vida de Chávez concordam no fato de que ele é um leitor compulsivo, de literatura, história e sociologia.
Nada estranho nisso. Chávez é um oficial formado na primeira leva do Plano Andrés Bello, que modernizou os currículos escolares das Forças Armadas venezuelanas com ciências sociais e humanidades. E depois da academia militar, ele cursou mestrado em ciência política.
Gostaria apenas de acrescentar que, apesar do esteriótipo em contrário, os militares brasileiros também lêem, e estudam, muito. Só se progride na carreira fazendo cursos que envolvem um alto grau de história, relações internacionais, sociologia.
Vinícius,
o Bush escutou o parágrafo de “O Estrangeiro” em que se mata um árabe de maneira gratuita e sem qualquer razão aparente. A identificação foi imediata. Você matou a charada da estranha associação entre Bush e Camus.
Maurício Santoro,
para ver o que os militares brasileiros lêem,
basta dar uma olhada nos títulos editados pela Biblioteca do Exército Editora. Com raras exceções, uma mistura obscurantista de fascismo, guerra fria, conservadorismo.
Já que falamos de Chávez, incrível o facciocismo da “grande” imprensa. A delegação venezuelana à Assembléia da ONU sofreu toda sorte de constrangimentos. Membros da delegação venezuelana, como o chefe da segurança, e o médico da delegação, não tiveram sequer permissão para desembarcar em Nova Iorque. Entre outros motivos, daí a sugestão de Chávez para a transferência da sede da ONU a outro país. Os inadmissível tratamento aos venezuelanos praticamente não se noticiou na mídia.
OK, Chávez é um intelectual erudito, como todo oficial venezuelano, e a ONU deve sair de NewYork. É uma excelente sugestão! E prefiro que se aceite aquela que propõe uma capital do Oriente Médio [Damasco], que, hoje em dia, é modelo para transações diplomáticas…