“Se for um livro, eu não li, não estudei, ou estudei e não lembro”. Essa é a resposta de uma aluna do terceiro ano do curso de Relações Públicas da Universidade de São Paulo para a seguinte pergunta: “Quem escreveu Macunaíma?” Para a mesma questão, outros palpites: “José de Alencar”, diz um aluno de Engenharia Agrícola da Unicamp; “Guimarães Rosa”, arrisca uma estudante de Publicidade e Propaganda da Faculda...
Estação brasileira por excelência, eixo em torno do qual giram, nesta terra bronzeada, os sonhos de lazer e as engrenagens de indústrias como as da moda, do turismo e da boa forma, o verão parece tão essencial e eterno quanto a própria natureza. Engano. As estações como as conhecemos se firmaram em nossa língua a partir do século 16, semeando confusão por todo o 17 e vitimando, no início do 18, o primeiro grande dicionarist...
Já que a pergunta “por que você escreve, escritor?”, mote de um pequeno conto (ou coisa que o valha) na nota anterior, parece ter furado um inesperado veio de polêmica entre os leitores do Todoprosa, cai bem lembrar um trecho marcante do discurso do turco Orhan Pamuk (aqui em inglês) na cerimônia do Nobel de 2006 – mais tarde publicado em forma de livreto pela Companhia das Letras, ao lado de dois outros discursos do homem, c...
Ele perguntou a ela por que ela escrevia e ela respondeu que escrevia porque tinha vontade, e ele falou, muita gente tem vontade, vontade não basta, e ela disse mas então você está me perguntando como eu consigo escrever, é isso?, e ele ficou em dúvida e ela, eu achei que você tinha perguntado por que eu escrevo e não como eu faço para escrever o que eu escrevo, aí ele ficou um tempo em silêncio e depois riu e disse tá certo...
O ótimo crítico James Wood discorre (em inglês) sobre Diary of a bad year, de J.M. Coetzee (Señor C é o personagem principal do livro, alter ego do autor): No último verbete do romance, “Sobre Dostoiévski”, Señor C escreve: “Li mais uma vez ontem à noite o quinto capítulo da segunda parte de Os irmãos Karamazov, o capítulo em que Ivan devolve seu ingresso para o universo que Deus criou, e de repente me vi soluçando in...
A excelente revista eletrônica americana Words Without Borders se dedica à tradução para o inglês de escritores do mundo inteiro. Mereceria uma recomendação aqui de qualquer jeito, mesmo que a edição de janeiro de 2008, “Os sete pecados mortais”, não trouxesse um conto meu (brilhantemente traduzido por Fernanda Abreu), The Man Who Killed the Writer....
Os Jogos Olímpicos de 2008 serão disputados em Pequim ou em Beijing? Esta promete ser a questão lingüística mais candente do ano que vai começar. Como no caso Birmânia/Mianmar, já abordado aqui, um lado acusa o outro de estar “errado”, mas pouca gente sabe por que pensa assim. Não cabe falar em “erro”, mas em opção. A minha é pela forma consagrada em português há séculos – Pequim. A semelhança com a polêmica b...
“Estes são os autores americanos mais importantes de todos os tempos”, proclamou há alguns Natais a revista francesa Lire: “Raymond Chandler, Faulkner, John Fante”. Há poucas semanas, Michel Tournier (que não tinha até agora reputação de idiota) elegeu como livro do ano em The Times Literary Supplement o novo romance de Amèlie Nothomb, Ni d’Eve ni d’Adam, que já havia proposto, naturalmente sem sucesso, para o Prêm...
Flowerville é um condomínio de luxo, com arquitetura e infra-estrutura modernas, mas comandado por senhor que age como um grande patriarca, um caudilho. O empreendimento só foi possível por causa de uma escusa troca de favores feita durante o governo militar, lembrando de como o capital no Brasil esteve vezes demais ligado ao Estado. Essa mistura de moderno e antigo integra toda a narrativa e, apesar do esforço da cúpula de Flower...
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Ano passado, o conto natalino do blog foi o insuperável “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles – quem perdeu pode clicar aqui. Este ano é a vez de O peru de Natal, de Mario de Andrade, que já seria ótimo se não tivesse nada além da frase acima....
Da novela que estorricou o ex-presidente da casa, Renan Calheiros, à que terminou com a derrota do governo na votação da CPMF, a sombra do Senado estende-se, comprida, sobre o ano de 2007. A palavra é derivada do latim senatus, “conselho de anciãos”, o que torna o Senado parente de vocábulos respeitáveis como senhor e sênior, mas também de termos menos lisonjeiros, como senectude e senilidade. O Senado brasileiro comemorou ...
Prólogo: peço desculpas se esta nota vem meio em cima do laço, mas, caso seja tarde para municiar as compras de Natal, acredito que pelo menos as listas de livros para as férias ainda estejam, no geral, abertas à negociação. Não sei se os seis romances abaixo são “os melhores do ano” – existirão mesmo tais coisas? Só posso garantir que são, em minha imodesta opinião, os melhores que li e comentei no blog. Nessa retros...
Não há razão alguma para pensarmos que a leitura e a escrita estão à beira da extinção, mas alguns sociólogos especulam que ler livros por prazer será um dia o território de uma “classe leitora” especial, em grande medida como ocorria antes do advento do letramento em massa, na segunda metade do século XIX. Mas, eles advertem, a leitura provavelmente não mais recuperará o prestígio que vinha com a exclusividade; poder...
A palavra “greve”, aquilo que o bispo Luiz Flávio Cappio voltou a fazer, vem – como tantas inconveniências, diria um ultraconservador – do francês. Sua história começa no século 12 com o vocábulo grève, “praia, terreno de areia ou cascalho à beira-mar ou beira-rio”. Antes de adquirir seu sentido político, a palavra passou a batizar uma praça de Paris, à beira do Sena, que por ter piso arenoso e sem calçamento er...
Ao trazer o mineiro Luiz Vilela no entrevistão do Paiol Literário e o gaúcho Sergio Faraco na seção Dom Casmurro, com a íntegra do conto “O céu não é tão longe”, a edição de dezembro do “Rascunho” junta dois dos maiores contistas brasileiros vivos. Ambos são leitura mais recomendável que nunca neste momento de vale-tudo estético e inflação contística galopante, em que qualquer texto cotó vem tirando onda de ...
Foi no verão de 1994, já faz agora mais de seis anos, que ouvi falar pela primeira vez do fuzilamento de Rafael Sánchez Mazas. Três importantes acontecimentos tinham então acabado de se produzir em minha vida: meu pai havia morrido, minha mulher me abandonara e eu abandonara minha carreira de escritor. Minto. Dessas três ocorrências, as duas primeiras eram exatas, exatíssimas; a terceira não era tanto assim. Na verdade, minha c...
Apesar dos gráficos que lhe dão um ar intimidador, o futurismo é uma ciência tão inexata em matéria econômica quanto no futebol. Sim, o dólar pode estar se aproximando do fim de seu ciclo como âncora cambial da economia mundial, mas também pode estar atravessando uma turbulência passageira. Quem sabe? O mergulho na origem da palavra revela pelo menos uma verdade: também do ponto de vista lingüístico, nada é eterno, tudo t...