Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa – e qual defesa seria mais legítima? – logrei ser absolvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. E já que mencionei a sisudez da literatura contemporânea, aí vai o supra-sumo do contrário: o primeiro parágrafo do romance “A lua vem d...
Eis um belo paradoxo. Em todas as áreas da vida britânica, a acusação de falta de humor é um insulto cruel; não ser engraçado é praticamente um pecado nacional. Mas para ser considerado um dos “romancistas de verdade” deste país, hoje, você tem que ser mortalmente sério. Estou começando a temer que haja algum insidioso Zeitgeist rolando, uma es...
Do diário de J.K. Rowling em seu site, entrada de 6 de fevereiro, com modéstia apenas aparente: Charles Dickens expressou melhor do que eu conseguiria: “Talvez seja de escasso interesse para o leitor saber com que tristeza a pena é deposta após dois anos de labor da imaginação; ou como um Autor tem a sensação de estar abandonando uma porção de si mesmo ao mundo ...
No que toca à questão étnica abordada nos romances, pode-se constatar que, além de não ter se esquivado dos problemas que afetavam os afro-brasileiros, Machado fala de seus irmãos de cor como sujeitos marcados por traços indeléveis de humanidade e por um perfil que quase sempre os dignifica, apesar da posição secundária que ocupam nos enredos. Impõe-se d...
Sabe aquela prosa cortante? Aquele estilo contundente? O conto que é um soco na boca do estômago? O poema que é um tapa na cara do leitor? (Para não mencionar, por educação, o escritor que é um pé no saco?) Seus problemas acabaram. O blog Ao Mirante, Nelson! descobriu a solução – veja o vídeo aqui....
Seis dias atrás, um homem morreu em uma explosão à beira de uma estrada no norte de Wisconsin. Não houve testemunhas, mas parece que ele estava sentado na grama junto a seu carro estacionado quando a bomba que montava detonou por acidente. Segundo o relatório da perícia divulgado há pouco, o homem teve morte instantânea. Seu corpo explodiu em inúmeros pedacinhos, e fragmentos...
Imagine um romance escrito nos moldes da Wikipedia, com cada autor contribuinte tendo o poder de pôr e tirar, escrever e cortar tanto o seu trabalho quanto o dos outros. O “projeto” – como o chamam com certa pompa seus criadores, gente da editora Penguin em parceria com uma universidade inglesa – leva o nome de A million penguins (“Um milhão de pingüins”) e está no ar desde qu...
O livro, sem chegar a ser inteiramente ruim, não deve ser publicado. Padece de uma indefinição estético-político-existencial que, no fim das contas, boicota aquelas boas páginas de prosa poética às quais a narrativa chega, aqui e ali, como se topasse com inesperados mirantes adoráveis numa caminhada por montanhas de mata fechada, entre nuvens de borrachudos. A autora é...
Machado de Assis, Jorge Amado, Clarice Lispector e Paulo Lins. Eis o eixo em torno do qual gira a história da literatura brasileira, segundo o artigo Destination: Brazil (acesso livre), publicado hoje por Anderson Tepper na seção “Guia Literário do Mundo” da boa revista eletrônica americana Salon. Eu sei que parece, mas não, com essa seqüência de nomes o autor não qu...
Ao invocar o sobrenatural, ele (Norman Mailer) pode parecer afirmar que as forças que moviam Hitler eram mais do que meramente criminosas; no entanto, o jovem Adolf ao qual ele dá vida nessas páginas não é satânico, nem mesmo demoníaco, mas apenas uma figura nefasta. Manter vivo o paradoxo infernal/banal, em toda a sua inescrutabilidade angustiante, talvez seja a maior das conquistas desta...
João Antônio sentia a metamorfose do malandro em bandido ambicioso; a boemia é massacrada pela onipresença do mundo interesseiro dos negócios e das relações profissionais invasivas. A pobreza dos “desdentados” bate à porta dos condomínios particulares, com “a desconfiança e o medo massacrando”. Morro e asfalto não se encontram mais para f...
Isto é para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois de amanhã, mais uma vez. S...
Alguém pode protestar dizendo que é ridículo decidir qual livro comprar com base num mero adjetivo. Eu concordo inteiramente. Mas deixe-me enfatizar que, se eu compro apenas livros que foram chamados de “assombrosos”, não compro todos os “livros assombrosos”. (?) Se há momentos em que eu temo que minha obsessão com a palavra “assombroso” me impeça de co...
Antes de mais nada – sim, eu acho que os livros de papel são eternos. Enquanto houver ser humano, haverá quem os leia. Talvez até depois. Isso não elimina o fato de que uma engenhoca tipo iPod dedicada a livros está demorando a aparecer. Eu, pelo menos, não tenho a menor dúvida de que aparecerá. A questão é: será que o recém-lançado Sony Rea...
Todo mundo pode pedir doações para as editoras, afinal, o pedido “é para divulgar a literatura, a cultura”, e por aí vai. E dá-lhe pedidos de jornalistas, escritores, igrejas, ONGs, bibliotecas, penitenciárias, associação de amigos de bairro, cursinhos e por aí afora. Uma festa! Por que será que essas mesmas entidades não pedem um carro zerinho pra ...
Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: “Eu a conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado.” Penso freqüentemente nessa imagem que ...
Existem coisas que a gente só faz quando está sozinho. Caminhei até a estante reservada às primeiras edições dos meus romances e de suas traduções e acariciei as lombadas tão conhecidas. Depois, como se sob o efeito de uma compulsão irresistível, retirei, em primeiro lugar, o novo livro e, mais tarde, todos os outros, para dar uma espiada em certas passagens. N...