Dois obituários brilhantes. O da agente literária alemã Ray-Güde Mertin, publicado ontem aqui mesmo em NoMínimo. Assinado por Paulo Roberto Pires, é informativo e emocionado na medida certa da enorme lacuna que ela deixa. E, em vídeo, o do cronista de humor americano Art Buchwald, no site do “New York Times”, seção A última palavra, que traz o próprio...
Não tenha dúvida: o ato de escrever era infinitamente mais complicado (e sobretudo mais moroso) antigamente. O que não impediu que alguns praticantes lhe acrescentassem novos estorvos – que, para eles, deduzo, não eram propriamente estorvos; antes, um estimulante. Assim como o visconde de Valmont, o libertino personagem de Chordelos de Laclos, seu contemporâneo Voltaire, por exemplo, adorava redig...
O site da Harvard University Press oferece gratuitamente arquivos de áudio com trechos de duas das seis palestras proferidas na universidade americana por Jorge Luis Borges em 1967-68, no ciclo Norton Lectures, sob o título This craft of verse. Para melhor temperar o acepipe, a HUP avisa que só recentemente as gravações foram descobertas nos arquivos da universidade. A qualidade do som é muito b...
Grandes estilos representam a interface entre “mundo” e “eu”, e é na própria noção de ser tal interface diferente da nossa em espécie e qualidade que reside o poder da ficção. Escritores fracassam quando essa interface é feita sob medida para nossas necessidades, quando agencia as generalidades do momento, quando nos oferece um mundo que sabe que aceitaremos...
Tempo físico e mental para ler “As mil e uma noites”, “Dom Quixote”, “A comédia humana”, “Guerra e paz”, “Em busca do tempo perdido”, “O quarteto de Alexandria”, “O Senhor dos Anéis”, “O tempo e o vento”, as aventuras completas de Maigret, as obras reunidas de Pynchon, toda a saga de Sandman, Mônica e Cebolinha unab...
Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño (Companhia das Letras), do qual publiquei um trecho em Primeira Mão aqui, não teve na imprensa literária brasileira a acolhida que merecia. Houve quem o condenasse a nota de colunão, depois se arrependesse. Isso talvez se explique em parte pela força impressionante de uma narrativa que vai para duzentos lados ao mesmo tempo, confundindo o leitor apegado ...
Existe uma segunda vantagem em tentar acompanhar o turbilhão de lançamentos que comentei na nota abaixo: diante da tarefa de eleger os livros mais destacados do ano, basta pescar na memória aqueles que conseguiram fugir do campo gravitacional dessa algaravia-láctea, suspendendo a impaciência e a exasperação da leitura para instaurar seu próprio tempo. Ah, o critério é ...
Em 2006 eu li muito, talvez nunca tenha lido tanto. Não é uma experiência de todo positiva. Ler por obrigação, tentando acompanhar o ritmo cada vez mais desembestado dos lançamentos, deve trair algum princípio formador do gosto pela leitura, desses que ficaram perdidos na pré-história da vida adulta. Tem algo de heresia nessa exasperação, nessa velocidade, e out...
“Mestre da ficção auto-reflexiva”, assim já se chamou Vladimir Nabokov (São Petersburgo, 1890-Montreux, Suíça, 1977). A verdade é que este escritor genial que estava convencido de o ser criou um estilo que, se com certeza é único, paradoxalmente fecundou de maneira extensa a narrativa norte-americana que não depende exclusivamente do realismo. Mesmo assim,...
O “conto de Natal” é um subgênero mortífero. Se for muito natalino, dificilmente escapa de ser má literatura. Se não for nada natalino, pode até ser boa literatura, mas conto de Natal não mais será. Por isso, de vez em quando nessa época eu releio e renovo minha admiração por “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles, o melhor conto nata...
“Você vai causar uma ótima impressão.” Esta é a primeira linha de Lunar Park e na sua concisão e simplicidade deveria supostamente ser um retorno à forma, um eco, da frase de abertura do meu primeiro livro, Abaixo de zero. “As pessoas têm medo de mudar de pista nas vias expressas de Los Angeles.” Desde então, as frases de abertura dos meus livros – n&ati...
A idéia foi roubada de um post do blog de livros do “Guardian”, blog que foi uma das melhores notícias da – em geral mais louvada do que merece – blogosfera literária em 2006: eleger o livro mais superestimado do ano. Soa antipático? Soa, claro. Uma antipatia à moda inglesa. Mas não deixa de ser uma forma inteligente de retrospectiva. Ao inverter os sinais habituais em bu...
“Borges”, de Adolfo Bioy Casares, é um livro monstruoso e de alguma forma heróico. Tem a descortesia de somar 1.663 páginas, que podiam ter sido reduzidas, nas mãos de um editor menos preocupado em parir um monumento, facilmente a 600. A maior parte das entradas desse extenso e excessivo diário de vida são listas de pessoas que jantaram na casa de Bioy ou compareceram a um coquetel d...
Nada melhor para combater o baixo astral de uma acusação de plágio do que publicar um belo texto na “New Yorker”. Ian McEwan sabe disso. A revista adianta um trecho do próximo romance do autor inglês, On Chesil Beach, a ser publicado em junho – aqui. Recomendo efusivamente. A descrição da tensa lua-de-mel de Edward e Florence, ambos virgens, numa década de 60 que a...
Em 2000, dois anos antes de morrer, o pai do escritor turco Orhan Pamuk lhe deu uma mala cheia de escritos que, literato amador, acumulara ao longo da vida. As cenas tensas que se desenrolaram em seguida foram lembradas por Pamuk em seu discurso de agradecimento do Nobel de Literatura, parcialmente publicado no fim de semana pelo “Guardian” – acesso livre, em inglês, aqui. A primeira coisa que me manteve afastado...
DIÁRIO DE ANDRÉ (conclusão) 18 de… de 19… – (…meu Deus, que é a morte? Até quando, longe de mim, já sob a terra que agasalhará seus restos mortais, terei de refazer neste mundo o caminho do seu ensinamento, da sua admirável lição de amor, encontrando nesta o aveludado de um beijo – “era assim que ela beijava” – naquela u...
Juan Carlos Onetti (1909-1994) é um dos menos conhecidos dos grandes escritores latino-americanos. Eu mesmo confesso que demorei demais a conhecê-lo. Mas que é um dos maiores – para muita gente mais nervosa no manejo dos superlativos, o maior – ficou claro para mim ao ler o romance “A vida breve”, na edição de 2004 da editora Planeta, com tradução impecável d...