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‘A trama do casamento’: Eugenides em queda livre
Resenha / 25/04/2012

O escritor americano Jeffrey Eugenides estreou em 1993 com uma obra-prima tão madura e original, o romance-novela “Virgens suicidas”, que a consagração de público e crítica atingida dez anos depois por seu segundo romance, “Middlesex”, ganhador do Pulitzer, pareceu apenas natural. Da geração de David Foster Wallace e Jonathan Franzen, Eugenides parecia destinado a figurar em posição de destaque no primeiro time da “nova geração” americana. Parecia. Mais uma década se passou e seu terceiro romance, “A trama do casamento” (que a Companhia das Letras lança mês que vem, com tradução de Caetano Galindo), é tão fraco que obriga seus admiradores, entre os quais me incluo, a repensar algumas das certezas expostas acima. Mais (ou menos) que uma resenha, este texto vai procurar elementos para começar a lidar com essa questão triste: a queda livre qualitativa de um escritor que lançou um dos melhores livros de estreia que já cruzaram meu caminho. Primeiro convém falar um pouco de The marriage plot – que li no original, razão pela qual nada direi sobre a tradução. Desde o título, trata-se de uma tentativa explícita de atualizar (para os anos 1980) os romances românticos que terminavam com o casamento da heroína, à moda…

O baú de David Foster Wallace e outros links
Pelo mundo / 13/04/2012

Três anos e meio após a sua morte, David Foster Wallace (foto) se consolida como o Raul Seixas da literatura americana: os últimos achados em seu baú são um cartão postal que ele escreveu para Don DeLillo e algumas cenas ainda inéditas de The Pale King, romance inacabado publicado postumamente. * Da mesma geração de DFW e, para todos os efeitos, tão sério quanto ele no modo de encarar a literatura, Jonathan Franzen se distingue pela absoluta ausência de autoironia. Após mais uma entrevista em que martelou seus temas preferidos – a necessidade que o ser humano tem de ler histórias literárias “complexas” como as que ele escreve e a incapacidade escrevê-las quando se tem conta no Twitter ou no Facebook – abriu a porta para que Tim Parks levantasse dúvidas interessantes sobre a tal “necessidade humana de histórias” e lhe dirigisse outras perguntas incômodas neste artigo (em inglês) no blog da “New York Review of Books”: Naturalmente, é conveniente para um romancista pensar que, pela própria natureza de seu trabalho, está do lado do bem, provendo uma demanda urgente e geral. (…) Mas qual é a natureza dessa demanda? O que aconteceria se ela não fosse atendida? (…) E…

Trailer de livro é um ‘conceito ridículo’: prova número 1

httpv://www.youtube.com/watch?v=EfzuOu4UIOU O Pop Literário de Sexta não viveria sem eles, mas trailers de livros partem, segundo uma boa tirada de Drew Grant na Salon, de “um conceito razoavelmente ridículo: tentar vender literatura para pessoas que prefeririam esperar pela adaptação cinematográfica”. Seja como for, o gênero está em ascensão (transparência total: eu mesmo já cometi um e dificilmente escaparei de outros) e tem até seu próprio prêmio no âmbito da anglofonia, o Moby Awards, que destaca os melhores e os piores exemplares do mercado no período de um ano. Nem sempre é fácil distinguir uns dos outros. Grande vencedor (sem ironia) do Moby 2011, o vídeo acima ilustra bem a observação de Grant sobre o ridículo do conceito. Feito para promover o último romance de Gary Shteyngart, já lançado no Brasil com o título “Uma história de amor real e supertriste” (Rocco, tradução de Antônio E. de Moura Filho, R$ 49,50), o trailer é quase uma superprodução. Tem participações especiais de colegas do autor – especialmente Jeffrey Eugenides, Edmund White e Jay McInerney – e até do astro hollywoodiano James Franco. Tudo para levar à estratosfera aquele manjado mandamento, “ria de si mesmo antes que os outros o façam”, caro a…

Houaiss, Shakespeare e outros crimes
Pelo mundo , Vida literária / 02/03/2012

Envergonhado com a ação do procurador de Uberlândia contra o dicionário Houaiss, por suposto crime de racismo numa das acepções do verbete “cigano” (verbete que, por via das dúvidas, já foi tirado do ar na versão online do dicionário, tornando o caso ainda mais deprimente)? Console-se pensando no estado americano do Arizona, onde uma campanha de extremistas de direita do Tea Party contra os “estudos étnicos” na rede educacional acaba de botar na lista negra, entre outros autores, um tal de William Shakespeare. * O escritor Michel Laub esqueceu a reverência no banco do táxi, pegou a crônica A um jovem, de Carlos Drummond de Andrade – publicada no livro “A bolsa & a vida”, de 1962 – e editou os 31 conselhos literários que o poeta dá a um certo Alípio para transformá-los num decalogozinho mais ao gosto da era digital. O resultado contém alguns toques de atualidade perfurocortante: Se sentir propensão para o ‘gang’ literário, instale-se no seio de uma geração e ataque. Não há polícia para esse gênero de atividade. O castigo são os companheiros e depois o tédio. * Jonathan Franzen está sendo – de novo – bombardeado por acusações de misoginia, desta vez devido às…

‘A visita cruel do tempo’: caminho novo ou fim da linha?
Resenha / 29/02/2012

Não é uma crítica à sua capacidade de envolver o leitor nos dramas dos personagens – capacidade incontestável, diga-se logo – reconhecer que, pelo menos para quem escreve, o domínio técnico é o que mais chama a atenção em “A visita cruel do tempo”, da escritora americana Jennifer Egan (Intrínseca, tradução de Fernanda Abreu, 336 páginas, R$ 29,90). É preciso ser um monstro para manter tensionada de forma tão impecável a corda de um romance – ou coleção de contos interligados, impossível decidir – em que cada segmento é narrado por uma voz mais virtuosística que a outra, avançando e recuando na cronologia para cobrir cinco décadas e tendo como sombrio motivo de fundo uma reflexão sobre os estragos provocados pela truculenta passagem do tempo na vida dos personagens e da própria cultura americana, que adquire aqui os tons crepusculares de um império que se sabe decadente. Seria um erro tentar resumir a intrincada trama de “A visita cruel do tempo” numa resenha, mas convém situar os marcos temporais que estão em suas extremidades. O mais recuado fica nos anos 1970 em que o quarentão Lou, produtor musical de sucesso, cheirador e sedutor de menininhas, aparece ao longo de dois…

As mais belas livrarias do mundo
Pelo mundo / 01/02/2012

Selexyz é o nome da livraria das fotos acima, diante da qual um lugar-comum como “templo dos livros” ganha uma inesperada força expressiva. Foi montada no interior de uma antiga igreja dominicana em Maastricht, na Holanda, e vem em primeiro lugar entre as 20 livrarias mais belas do mundo, segundo uma das mais inspiradoras listas que o Flavorwire já compilou. O Brasil também comparece (com a Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo). * Se essa lista fosse um documentário, poderia ter a narração em off de Jonathan Franzen, que acaba de recitar (aqui, em inglês) no festival Hay de Cartagena, na Colômbia, a maior defesa dos livros impressos ouvida nos últimos tempos. De forma um tanto surpreendente, o autor de “Liberdade” não se referiu ao aroma inebriante da tinta no papel ou algum outro clichê do gênero. Atacou justamente aquilo que os entusiastas do meio digital mais exaltam: a aura de impermanência – ou seja, a plasticidade, a permeabilidade, a interatividade, o compartilhamento, a coautoria – do texto lido na tela. “Talvez ninguém ligue para livros impressos daqui a cinquenta anos, mas eu ligo”, disse Franzen, um dos autores confirmados na próxima Festa Literária Internacional de…

Erico no IMS, McCarthy no Twitter, Franzen na TV
Vida literária / 25/01/2012

Amanhã à noite terei uma conversa íntimo-pública com Luis Fernando Verissimo sobre “Incidente em Antares”, o último romance do pai dele, diante de uma plateia de bolso no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Lançado em 1971, o divertido livro em que Erico Verissimo (foto) cutucava a ditadura no auge da repressão e flertava com o “realismo mágico” latino-americano pela via do humor rasgado – além de passar bem perto de antecipar a moda moderninha dos zumbis – já tem um pouco mais de quatro décadas, mas a comemoração do aniversário atrasou. Fiquei tão honrado quanto surpreso ao ser convidado para o evento por Elvia Bezerra, coordenadora de Literatura do IMS, que detém o acervo do maior nome da literatura gaúcha. Como podia ela saber, se quase nunca falo disso, que em minha adolescência quem me enfiou na cabeça que eu ia ser escritor foi justamente Erico, que tinha presença imponente na biblioteca de meus pais e que eu li de forma compulsiva entre os 12 e os 14 anos? Pois é, ela não sabia. O que me deixa com a sensação – nada desagradável, devo reconhecer – de ter feito algumas escolhas certas na vida. Não é só…

O que a canonização de Franzen diz sobre a literatura atual
Vida literária / 27/05/2011

A revalorização da ficção como arte narrativa por excelência, em ligação direta com a tradição romanesca do século 19, parece ser o pano de fundo para o curioso fenômeno de canonização do escritor americano Jonathan Franzen, um tsunami que varreu o mundo ano passado, quando ele publicou o romance Freedom, e que agora vem inundar a costa brasileira com a previsibilidade dos maremotos a pretexto do lançamento de “Liberdade” (Companhia das Letras, tradução de Sergio Flaksman, 608 páginas, R$ 46,50). O livro é bom? É. Maravilhoso? Longe disso. Em contraste com a maioria da humanidade, não me encantei com ele e expliquei minhas razões aqui, sob o título Freedom: Obama no conteúdo, Bush na forma, pouco depois do lançamento americano. Vejo até algo de cômico num superlativo como “o livro do século” que o sério “The Guardian” pespegou no tijolo: se o epíteto abrange o século inteiro, trata-se de uma leviandade; se a ideia é falar do século até agora, decorrido um décimo dele, o correto seria usar uma medida de tempo mais sóbria. Fica evidente, porém, que elogios desse tamanho vão além de questões menores como coerência numérica. Méritos literários à parte, o que o hype franzeniano parece indicar,…

Máquinas de escrever, gaúchos, Jennifer Egan e outros links
Vida literária / 04/04/2011

Charmoso estudo fotográfico de uma era extinta: escritores famosos e suas máquinas de escrever. Na amostra ao lado, John Cheever em 1979, quando, diga-se de passagem, não andava nada bem – mas essa é outra história. * No capítulo galeria de fotos, achei simpática essa que o blog Mundo Livro, do jornal “Zero Hora”, montou só com retratos de escritores… gaúchos, claro. Destaque pessoal para o olho direito de Manoela Sawitzki e para os óculos que escondem os olhos de Cláudia Tajes. * Pelo sensacional placar de 9 a 8, o romance A visit from the goon squad, de Jennifer Egan, derrotou Freedom, de Jonathan Franzen, na final do Tournament of Books, competição mata-mata que serviu de inspiração para a Copa de Literatura Brasileira. Os dois livros são inéditos no Brasil. Resenhei o de Franzen aqui, e o de Egan me olha agora da estante com ar de cobrança. * O poeta americano Joseph Wood escreveu um artigo ponderado – e, principalmente, sem traço de antiintelectualismo – sobre o mal que décadas de crítica literária empapuçada de teoria fizeram à poesia. E à prosa, não? * A palavra sonhada é a crônica que publiquei ontem em minha outra coluna, a…

Franzen, Bolaño e o hype literário
Vida literária / 27/08/2010

Faz muitas décadas que a literatura propriamente dita, artisticamente ambiciosa, não é terreno fértil para comoções de massa. É cem vezes mais fácil construir uma atmosfera de hype, o que um dia se chamou de badalação, no âmbito do cinema ou da música pop. Isso torna ainda mais interessantes os casos recentes de dois livros cercados de histeria: Freedom, do americano Jonathan Franzen, que antes mesmo de sair (será lançado terça-feira nos EUA) já vem sendo chamado de “romance do século”, e “2666”, o tijolão do chileno Roberto Bolaño, que foi unanimemente saudado como sua obra-prima e que, chegando ao Brasil com atraso há poucos meses, virou também por aqui aquele tipo raro de livro que todo mundo lê predisposto a elogiar. Hype, palavra que os moderninhos brasileiros adotaram com um sentido intensamente positivo que está ausente do original, quer dizer em inglês publicidade excessiva e a comoção que ela provoca, exagero marqueteiro em torno de um produto e até mesmo, em casos extremos, fraude. Pode ser que falar em hype seja impróprio quando se trata de escritores tão talentosos quanto Franzen e Bolaño. Por outro lado, os dois casos de sucesso parecem ter, pelo menos em certa medida, algo…