Não é uma crítica à sua capacidade de envolver o leitor nos dramas dos personagens – capacidade incontestável, diga-se logo – reconhecer que, pelo menos para quem escreve, o domínio técnico é o que mais chama a atenção em “A visita cruel do tempo”, da escritora americana Jennifer Egan (Intrínseca, tradução de Fernanda Abreu, 336 páginas, R$ 29,90). É preciso ser um monstro para manter tensionada de forma tão impecável a corda de um romance – ou coleção de contos interligados, impossível decidir – em que cada segmento é narrado por uma voz mais virtuosística que a outra, avançando e recuando na cronologia para cobrir cinco décadas e tendo como sombrio motivo de fundo uma reflexão sobre os estragos provocados pela truculenta passagem do tempo na vida dos personagens e da própria cultura americana, que adquire aqui os tons crepusculares de um império que se sabe decadente. Seria um erro tentar resumir a intrincada trama de “A visita cruel do tempo” numa resenha, mas convém situar os marcos temporais que estão em suas extremidades. O mais recuado fica nos anos 1970 em que o quarentão Lou, produtor musical de sucesso, cheirador e sedutor de menininhas, aparece ao longo de dois…
A revalorização da ficção como arte narrativa por excelência, em ligação direta com a tradição romanesca do século 19, parece ser o pano de fundo para o curioso fenômeno de canonização do escritor americano Jonathan Franzen, um tsunami que varreu o mundo ano passado, quando ele publicou o romance Freedom, e que agora vem inundar a costa brasileira com a previsibilidade dos maremotos a pretexto do lançamento de “Liberdade” (Companhia das Letras, tradução de Sergio Flaksman, 608 páginas, R$ 46,50). O livro é bom? É. Maravilhoso? Longe disso. Em contraste com a maioria da humanidade, não me encantei com ele e expliquei minhas razões aqui, sob o título Freedom: Obama no conteúdo, Bush na forma, pouco depois do lançamento americano. Vejo até algo de cômico num superlativo como “o livro do século” que o sério “The Guardian” pespegou no tijolo: se o epíteto abrange o século inteiro, trata-se de uma leviandade; se a ideia é falar do século até agora, decorrido um décimo dele, o correto seria usar uma medida de tempo mais sóbria. Fica evidente, porém, que elogios desse tamanho vão além de questões menores como coerência numérica. Méritos literários à parte, o que o hype franzeniano parece indicar,…