É literário como poucos o Oscar deste domingo. Não apenas porque três dos cinco candidatos a melhor filme são baseados em romances, mas também – e principalmente – porque pelo menos dois deles são adaptações muito acima da média de livros excelentes. O “pelo menos dois” da frase anterior cumpre a função de evitar uma injustiça com “Sangue negro”, de Paul Thomas Anderson, baseado no livro Oil!, lançado em 1927 pelo escritor americano Upton Sinclair. Destes nada posso falar, nem livro nem filme, pois não vi um nem li o outro – o professor Bayard que me desculpe.
Posso falar de “Desejo e reparação”, de Joe Wright, baseado no romance “Reparação” (Companhia das Letras), do inglês Ian McEwan, e de “Onde os fracos não têm vez”, adaptação feita pelos irmãos Coen do thriller “Onde os velhos não têm vez” (Alfaguara), do americano Cormac McCarthy. São dois belos e raros filmes, que bagunçam por completo aquela velha máxima – maldosa, mas freqüentemente aplicável – de que quanto melhor o livro, pior o filme e vice-versa.
“Reparação” é forte candidato a grande romance deste início de século. O longa-metragem não chega perto disso, mas é notável como consegue ser fidelíssimo a um original tão literário e, ainda assim, ser cinema de qualidade – bastaria o longo plano-seqüência dos soldados na praia para provar que o diretor não brincou em serviço.
O livro de McCarthy não merece um superlativo tão grandioso quanto o de “Reparação”, mas é uma pequena jóia de desencanto – seco, veloz, sombrio, violento, de gelar a medula. Exatamente como o filme, um infalível indutor de depressão que só a peruca de Javier Bardem impede de ser completamente desprovido daquelas sacadinhas espertas, no fio da navalha entre o brilhante e o cretino, que se tornaram uma assinatura dos Coen.
Domingo eu vou torcer pelos dois Mcs, McEwan e McCarthy, sem preferência. Mesmo achando que vai dar Sinclair.
5 Comentários
Depois de ficar muito tempo sem ir ao cinema, acabei vendo exatamente esses dois filmes, no domingão de carnaval. Baita programa! Tinha lido o “Reparação”, que é maravilhoso, e também achei que o filme é (quase) tão bom quanto o livro. Não li o do McCarthy, mas depois do filme, e da peruca do Bardem (absolutamente do caralho), acho que nem vou precisar. Abraços.
Não li o livro de McEwan mas sim o de Cormac McCarthy. Já tinha lido varios romances do americano – este “No country for old men” é o de leitura mais fácil entre tudo que escreveu. Creio que o filme conseguiu repetir a completa falta de sentimentalismo (talvez mesmo falta de sentimento) do livro – a descrição da ação e dos fatos apenas. E, por certo, algumas das descrições do livro que eram difíceis de seguir (o detalhismo da cena quando o personagem esconde o dinheiro no sistema de refrigeração do quarto, extremamente complicado no texto escrito), foram repetidas com uma obediência canina no filme. Até mesmo aquele sentido de que nada termina foi bem transmitido pelos irmãos Coen. Nora Ephron escreveu uma engraçadíssima nota sobre o filme no “The New Yorker”, na qual um casal conversa sobre como não se pode entender várias partes do filme, e as críticas dos leitores na Amazon são as vezes hilariantes, principalmente as que tentam o pastiche do estilo de McCarthy, cujo ascendente mais próximo seria Faulkner. Mas é por isto mesmo – sua fidelidade ao texto, o que cria uma certo tipo de filme pouco convencional, como é o romance – que se um Óscar lhe for dado será bem merecido. [Nota – A irônica referência do título tirado de Yeats não me parece ter sido bem traduzida em português, principalmente no caso do filme.]
Pelas curiosidades do Imdb, o cabelo do Javier não era peruca não, forçaram o coitado a crescer o cabelo daquele jeito mesmo…
Deu McCarthy, aliás presente no auditório, na sétima fila (ou perto disso.) Bem legal. Os Coen são grandes diretores de cinema e merecem à beça o galardão. Ethan, o mais baixo, os cornos do Nando Reis, nada disse, e talvez tenha abusado de fazer gênero. Joel segurou as pontas. Prêmio entregue por Scorsese, o que adicionou peso à cena. No country for old men é um grande filme. Acho que continuará sendo um grande filme em 2050. Não é sempre que se pode dizer isso do ganhador do Oscar.
Pois é, Sérgio…
Os Coen faturaram, acho que com justiça (não vi ainda o “Sangue Negro”), embora o “Desejo e Reparação” também seja impressionante.
O Oscar se redimiu um pouco este ano depois daquele filme absolutamente convencional que faturou no ano passado, um pastiche meia boca de filme chinês ou hong-konguiano, sei lá… perpetrado pelo Escorsese.
Mas voltando ao seu texto (“Reparação” é forte candidato a grande romance deste início de século.”), ponho só um pequeno reparo. Não acho que seja CANDIDATO A… tenho certeza absoluta de que É. “Reparação” é o primeiro clássico literário do século 21, pode crer.
Falam muito da dívida do Mcewan com Jane Austen, o que é verdade, embora eu perceba ali ecos também de um grande escritor de segundo time, o Somerseth Maughan.