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Vila dos Confins 2008

30/07/2008

Nelson chegou com dois caminhões apinhados. Entregou os títulos: cinqüenta e sete. Entrou na venda a correr, e levou Paulo para o quarto:

– Compraram o meu pessoal, deputado! Mais de trinta! Quis acudir, mas foi tarde. Graças a Deus, eu tinha recolhido a maioria dos títulos. Se não, ia tudo de embrulho… Deram dez contos para o Armando da Várzea Limpa. Dez contos por oito eleitores! Soltaram dinheiro mesmo. Mas o pior foi que tive de prometer também; caso contrário, nem a metade embarcava nos caminhões. Estamos perdidos…

Paulo ouvia a má notícia resignado. Procurava animar o companheiro:

– Se você trouxe estes cinqüenta, podemos garantir mais de trezentos, fora o pessoal que já veio, e o da cidade. Nenzinho chegou com trinta e nove; Bilico ainda não veio, mas deve trazer também uns trinta… e os protestantes não apareceram ainda. Podemos pôr mais uns vinte, por baixo… Ah, e tem o João Soares! Do Fundão vêm mais de cem, com certeza. Mais de trezentos, não, mais de trezentos e cinqüenta! A eleição é nossa, Seu Nélson!

Mas o candidato a vereador pelo Brejal estava desanimado:

– Sei lá, doutor! Se compraram títulos na minha zona, compraram também nas zonas dos outros.

Numa eleição em que surge com força na política brasileira a triste figura do curral eleitoral urbano, convém lembrar o melhor retrato literário dos currais eleitorais de origem, os rurais, feito pelo escritor mineiro Mário Palmério (1916-1996) no romance regionalista “Vila dos Confins”, de 1956. Deputado federal pelo PTB de 1950 a 1962, o autor sabia o que estava falando. O quê? O livro está fora de moda? Completamente. Mais um motivo para lê-lo.

29 Comentários

  • Rafael 30/07/2008em15:25

    Se não me engano, Wilson Martins considera “Vila dos Confins” um livro superior a “Grande Sertão: Veredas”. Uma heresia, dirão muitos.

  • Sérgio Rodrigues 30/07/2008em15:29

    Rafael, não sei se ele disse isso, você é que está dizendo. Mas, se disse, heresia é pouco. Despautério soaria melhor.

  • Rafael 30/07/2008em15:59

    O pior é que é verdade:

    “Rosa apossou-se ainda de outras glórias. Por exemplo, da glória de Mário Palmério que, em 1956, publicou Vila dos confins, um romance que considero muito superior ao Grande sertão. O romance de Rosa emocionou por causa de suas experiências lingüísticas. Mas romance por romance, o de Palmério é melhor..”

    Fonte: http://www.tirodeletra.com.br/relacoes/GuimaraesRosaAntonioCalladoCabreraInfanteCDlaudioMagrisHildaHilstJoseJ.VeigaJuanCarlosO.htm

  • Sérgio Rodrigues 30/07/2008em16:06

    Sendo assim, Rafael: despautério mesmo. E eu que achava que Silvio Romero tratando Machado como escritor medíocre não tinha concorrente nesse terreno da crítica sem noção. Pelo menos não se pode negar coragem aos dois. O que não é pouco.

  • Hiago R.R. de Queirós 30/07/2008em16:30

    Não… um Romance é um e outro é outro… e ambos têm qualidades…- e porque não dizer efeitos – diferentes entre si e diferem por simples objetivo… não podemos colocar um acima do outro… massa não que dizer maçã
    pessoal!

    E não acho o livro fora de moda… ele só seria se não vissemos o objetivo pricipal.. o tema de que a democracia existe de várias formas… sendo a comprada ou imposta (a do caso do livro e do post do Sérgio) ou a multifacetada de libertarismo cínico e ideologia pragmatica (no nosso caso de hoje).

    Acho que se mudarmos os fantoches… as mãos por detrás do palco ainda lá ficam esperando outra peça… outros bonecos e outra platéia… para eles encenarem. Como sempre encenaram uma democracia.

  • Djabal 30/07/2008em16:38

    O Wilson Martins disse que foi uma pena o livro ser lançado à mesma época. O Mário Palmério descreve uma eleição municipal que não foge nada, nada, do momento eleitoral de hoje. Ótimo, uma verdadeira música em português mineiro. Lindo. E se está fora de moda, é uma pena. Abraços.

  • C. S. Soares 30/07/2008em17:12

    Não discutirei se um romance é melhor que o outro, mas falemos de História (essa irônica senhora): Mário Palmério foi jistamente o sucessor de Guimarães Rosa na cadeira 2 da ABL.

  • Rafael 30/07/2008em17:26

    Sérgio,

    Você já leu o livro de Agripino Grieco sobre Machado de Assis? Pois esse livro é muito mais agressivo que o do Silvio Romero.

    Um Voltaire viu em Shakespeare apenas um dramaturgo bárbaro sem a grandeza clássica de Racine.

    A história da crítica não deixa de ser uma história de erros.

  • C. S. Soares 30/07/2008em17:33

    Não digo história de erros, Rafael, mas muito mais de opiniões.

  • Sérgio Rodrigues 30/07/2008em18:53

    Não li, Rafael. Mas se é “muito mais agressivo”, deve ser imperdível.

  • pedro curiango 30/07/2008em19:03

    Mais esquecido ainda, há um romance curioso sobre a vida política em Minas Gerais em meados do século passado: “Espiridião,” de Benedito Valadares, que era doutor no assunto.

  • pedro curiango 30/07/2008em19:05

    Adendo: outro político mineiro, o udenista Oscar Dias Correia, desafeto de Benedito Valadares, escreveu também um romance sobre a política do interior de Minas: “Binidito.”

  • El Torero 30/07/2008em19:26

    Ainda não li nenhum dos livros que vcs citam, estão devidamente anotados, e pela lista sempre crescente vou precisar de mais umas duas vidas.
    E esta cena, com absoluta certeza, irá se repetir por todo meu estado em outubro proximo, as variantes creio que serão somente os nomes proprios e os valores…

  • Marcio Roberto Gonzatto 31/07/2008em09:09

    Li Vila dos Confins por três oportunidades. Acredito que só entenderá e se identificará com a história, quem nasceu e cresceu, em cidades com menos de 5 mil habitantes. É impossível para um habitante de grandes cidades entender as nuances daquela caçada de onça, ou das pescarias do deputado. Vale a pena também dizer que Palmério tem outra obra igualmente magistral, que é Chapadão do Bugre, a qual já foi objeto de uma minissério na BAND, tendo Edson Celulari como protagonista.

  • Ernani Ssó 31/07/2008em09:11

    Sérgio, lendo os comentários dos dois últimos textos, lembrei de um papo entre Borges e Casares, nos diários de Casares, “Borges”, que traduzo aqui. Em algum outro momento eles lembram que Chesterton considerava os contos dos Irmãos Grimm a obra alemã, não o “Fausto”. Vamos ao papo (sem comentários meus):

    Borges: “(Goethe) Deve ter sido inteligente, mas não conhecia os limites de sua inteligência. Se achava capaz de inventar personagens. Nada mais estúpido que o final de Fausto. A idéia de Wilhelm Meister, de uma república pedagógica, prova que havia algo podre: something roatten in Denmark”.
    Bioy: “Que diferente Stevenson. Lembra do episódio de Weir of Herminston em que o Lord Justice mortifica o condenado à morte? O que mais comove o filho do terrível juiz (que assiste ao julgamento) é que o pobre condenado à morte use uma manta, para proteger a garganta, que lhe dói. Que estranho como se estabelecem as escalas de valores na literatura do mundo! Pensar que para ninguém Stevenson é superior a Goethe. Não é que não seja superior. Nem são comparados. Para todo interlocutor, Goethe é um dos grandes gênios e o outro…”.
    Borges: “Talvez escrever um livro para crianças o tenha prejudicado”.
    Bioy: “Mas não acha que A ilha do tesouro é superior ao Fausto?”.
    Borges: “Claro que sim! Como não vou achar?”.
    Bioy: “Quantas delicadezas há em Stevenson”.

  • Sérgio Rodrigues 31/07/2008em09:53

    Muito bom, Ernani. Não conhecia esse diálogo. Me lembrou um artigo curioso da Virginia Woolf, esnobe que só, defendendo a “alta cultura” e atacando o middlebrow. Você leu isso? É engraçado porque tudo o que ela destaca como qualidades que tornariam o pessoal highbrow superior (independência crítica, desapego a grifes culturais e à moda, desprezo pela opinião alheia, cultivo de valores artísticos profundamente pessoais e intransferíveis, coragem para criar seus próprios cânones) é um compêndio perfeito daquilo que falta aos defensores da “alta cultura” cosmética.

    Quer dizer: pelos critérios da Virginia Woolf, highbrow é Tom Stoppard dizer, como disse em Parati, que “Chinatown” é o maior produto da cultura americana do século 20. Middlebrow é se horrorizar com isso. Uma inversão interessante, não? O velho jogo do esnobismo, claro, continua, apenas elevado a uma nova fase. É fascinante a quantidade de mal-entendidos nessa discussão. Um abraço.

  • Ernani Ssó 31/07/2008em10:17

    Sérgio, não conheço o texto da Virginia, não. Mas, voltando ao Stevenson, acho muito divertido que Borges e Casares tenham em alta conta um livro como “A ilha do tesouro”, escrito para crianças, ou mais, escrito para um jornal popular como folhetim. Aliás, foi um fracasso como folhetim. O sucesso começou em livro. O outro folhetim do Stevenson, “A flecha negra”, teve mais sucesso no jornal. Bem, eu acho isso tudo divertido porque acho que tem muita gente que confunde seriedade com solenidade, como se Cervantes fosse solene, carajo!, como disse o Cortázar. Abraço.

  • Rafael 31/07/2008em10:18

    Sérgio,

    Pelos critérios da Virginia Woolf, horrorizar-se com a opinião de Silvio Romero sobre Machado de Assis é uma reação tipicamente Middlebrow, assim como julgar despaupério a escala de valores de Wilson Martins, que situou Vila dos Confins num patamar hierárquico superior ao do Grande Sertão: Veredas. Os Highbrow, por seu turno, não se espantam com tais idiossincrasias.

    Vejo nisso tudo apenas uma iconoclastia irreverente, uma forma de se auto-afirmar pela exposição de uma opinião que muitos reputariam excêntrica.

    Borges, por exemplo, sabia em seu íntimo que a contribuição de Goethe para a literatura universal é infinitamente maior que a do Stevenson. Dizer essa verdade trivial, quase que um truísmo para quem é familiarizado com o assunto, não tem a mínima graça, não tem charme, não tem glamour. Se Tom Stoppard afirmasse que O Som e a Fúria ou Porgy e Bess foi o maior produto da cultura americana no século XX, o dito perderia seu brilho e não mereceria ser citado.

    Às vezes, tenho a impressão de que tanto iconoclasmo não é sincero.

  • Ernani Ssó 31/07/2008em10:35

    Rafael, no diário “Borges”, Casares anota outros comentários sobre Goethe, muito mais agressivos. Se Borges tinha razão ou não nos ataques, não sei. Mas o certo é que não levava Goethe a sério, não. Embora não tivesse problema de admitir a beleza de muitos versos dele.

  • Sérgio Rodrigues 31/07/2008em10:44

    Rafael, não creio que tenha passado pela cabeça de Virginia Woolf corroborar qualquer idiossincrasia de opinião. Aí é que está o ardil 22 da coisa: idiossincrasia é legal, mas só a minha e a da minha turma.

    Já negar por completo a sinceridade do juízo de Borges, como você faz, me parece empobrecedor. Acho que a sinceridade dele existe e não existe, tem ao mesmo tempo um valor de choque (vejam como sou original) e um valor real (prestem atenção no valor desse cara subestimado). Me parece que essa ambivalência, em maior ou menor grau, nunca esteve ausente do debate cultural em tempo algum.

  • Sérgio Rodrigues 31/07/2008em10:53

    A propósito, só para deixar claro: para mim, essa discussão de highbrow x middlebrow já morreu faz tempo. Como eu disse no post que deu origem a essa conversa toda, “se sustenta mais em acordos tácitos de reserva de mercado do que em pressupostos propriamente artísticos”. A frase do Borges sobre Stevenson não me choca nem por acreditar na sinceridade dele nem por não acreditar – não sei se ficou claro.

  • Ernani Ssó 31/07/2008em11:02

    Olha eu aqui de novo. Hoje bato um recorde. A sinceridade de Borges: que eu saiba, ele nunca escreveu nada contra o Fausto, nem deu entrevista. A conversa relatada por Casares é uma conversa deles, à mesa. Há outros ataques frontais, por exemplo, a Joyce. Mas em público Borges apenas beliscou Joyce. Outra coisa: se confirmos no Casares, Borges não sabia que estava sendo anotado. E, se soubesse, não estava nem aí. A verdade é que gostava de semear confusão.

  • Chico 31/07/2008em11:53

    Concordo contigo Rafael, sobre a falta de sinceridade da critica que muitas vezes confunde propositalmente iconoclastia com arrivismo dos fins. E Ernani: pode ser que Borges nao levasse Goethe a serio, afinal ele, Borges, era em sua coerencia um tanto avesso ao Romantismo – sei que isso eh discutivel quando se fala de Goethe – que nao considerasse apenas o Facundo do Sarmiento o epico dos epicos gauchos. Mas eh o que o Rafael disse, se Borges dissesse que Fausto era maior que a Ilha do Tesouro, choveria no molhado, assim como choveu no molhado o Cortazar ao dizer que Porgy and Bess foi a mais popular porem pior tentativa americana na opera.

    So pra terminar, ca pra nos Sergio, o Tom Stoppard disse que “Chinatown” é o maior produto da cultura americana do século 20? E alguem aplaudiu isso? Acho que ele estava curtindo com a cara dos consumidores de palestras. Mas como nunca tive o privilegio do Verissimo em assitir as pecas do Stoppard, posso estar falando besteira e ele talvez seja mesmo esse genio cantado aos 4 ventos….

    Nota: parei pra ler o Disgrace do Coetzee – dica do Todo Prosa – e gostei muito.

  • joao gomes 31/07/2008em12:40

    Para que gosta deste assunto sugiro:
    FINKELKRAUT, Alain. A Derrota do Pensamento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
    —–
    Entre iluministas, iluminados e ilusionistas
    Fonte: Observatório da Imprensa nº 245 (7 de outubro de 2003)
    http://br.geocities.com/mcrost11/oi075.htm

    Observatório da Imprensa – Vol. 1
    Seleção de textos publicados no sítio “Observatório da Imprensa”.

  • Rafael 31/07/2008em13:17

    Sérgio, eu não neguei a sinceridade do Borges. Ele, sem sombra de dúvida, admirava enormente Stevenson, e não nutria muito interesse por Goethe, que raramente é citado nos seus livros (num autor como Borges, que faz citações eruditas em profunsão, o silêncio é muito sugestivo). Mas, para mim, pobre mortal, parece claro que o escritor argentino estava fazendo tipo quando disse que “Goethe deve ter sido inteligente”. Ele podia gostar mais de Stevenson, o que é perfeitamente legítimo, poderia achar que ele era injustamente menosprezado, mas sugerir que o autor escocês poderia ser superior a Goethe: isso é uma evidente piada.

    Borges fez de si próprio um personagem, a quem era lícito dizer certas impertinências. Vargas Llosa interessante sobre essa faceta borgeana, que pode ser lido aqui: http://www.secrel.com.br/jpoesia/mvllosa1.html

    No que diz respeito à Virgínia Woolf, concordo plenamente. Ela fazia parte de um sodalício de intelectuais britânicos, o Bloomsbury Group, todos esnobes e auto-referenciais, que assumiram o lema de que “nada é sagrado” (salvo eles próprios, é claro). A alta cultura coincidia com aquilo que eles pensavam.

    Aliás, um dos critérios para se medir a superioridade de Goethe é a completa soberania do seu espírito a respeito dos seus contemporâneos. Em Conversações com Goethe, um livro maravilhoso, pode-se ler as opiniões de um ancião famoso e cercado de glória que sabia apreciar os novos talentos de uma forma sincera e com muita sensibilidade. Goethe não se tornou um personangem de si próprio, característica que o distingue da maioria dos autores dos últimos cem anos.

  • fred 31/07/2008em14:13

    …voltando a palmério…
    despautereo seriam as comparações…
    sou de Uberaba… e as obras de Palmério vão além das letras… vide Google…
    Guimarães nem é preciso falar…
    ótimo blog sergio!
    sou estudante de História na Universidade de Uberaba… univerdidade fundada por Mário Palmério…

  • fred 31/07/2008em14:17

    o certo: despautério*

  • joao gomes 31/07/2008em15:00

    Instant High Cult
    31/07/2008 – 11h07
    Piada mais antiga do mundo é de 1900 a.C
    ….
    Já a piada britânica mais antiga do mundo data do século 10 e revela o lado obsceno dos anglo-saxões: “o que é que fica pendurado nas coxas de um homem e quer entrar em um buraco no qual já entrou antes? Resposta: uma chave”.
    …..
    podem ser vistas no site http://www.dave-tv.co.uk. (Por John Joseph
    MAIS EM:
    http://noticias.bol.uol.com.br/entretenimento/2008/07/31/ult26u26707.jhtm

  • Cezar Santos 01/08/2008em15:46

    Falta alguém escrever um romance sobre a moderna compra de voto: aos milhões com uma tal de bolsa família.